Feliz Natal, pra quem?
Foto: João Paulo Guimarães/AFP
Chegamos ao fim de 2021, e já posso ouvir Simone cantando “Então é Natal” pelas ruas da cidade.
Natal me lembra a casa da minha avó, quando nos reuníamos pra comer algumas iguarias típicas da época, com uvas passas em absolutamente quase tudo (menos na farofa que acompanhava o perú).
Sei que é clichê dizer que esse é um tempo de reflexão, de estar com a família, mas eu realmente acredito nisso. O problema é que ter um “bom Natal”, com a segurança de uma mesa cheia, é um privilégio.
Sempre foi, e nesse 2021 avassalador, é ainda mais.
13 milhões de desempregados
Podemos tomar como primeiro ponto o desemprego, segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada mês passado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A taxa geral no país teve um recuo no terceiro trimestre, indo de 14,2% para 12,6%, uma redução de 1,6 ponto percentual em relação ao trimestre anterior. Na comparação com o mesmo período de 2020, houve uma redução de dois pontos percentuais (14,9%). Excelente, não?
Não. Esse crescimento no número de brasileiros e brasileiras com emprego foi puxado por vagas sem carteira assinada e com salários mais baixos. A taxa de informalidade foi de 40,6% da população ocupada. Isso corresponde a 38 milhões de trabalhadores desempenhando atividades informais.
Ou seja, mesma carga horária (ou até mais), porém sem direitos trabalhistas e sem uma remuneração digna. O rendimento médio foi de R$ 2.459, queda de 4% frente ao último trimestre e de 11,1% em relação ao terceiro trimestre de 2020.
Somamos mais de 13 milhões de desempregados, mais de 5 milhões de desalentados, e por mais que esses números correspondam a uma queda em comparação a meses anteriores, permanecem representando pessoas que não sabem se terão comida para alimentar suas famílias dia após dia.
Enquanto o ministro da Economia desfila grosserias e projeções de um mundo paralelo, o Banco Central reduziu novamente a projeção de crescimento da economia brasileira, ao mesmo tempo que prevê inflação acima de 10%.
Você sabe o que isso significa? Carrinhos de supermercado quase vazios, crianças com fome, e o futuro de milhares de pessoas em risco.
As projeções dos órgãos ligados ao comércio sobre o Natal oscilam de um otimismo inocente a um realismo desolador. Por exemplo, enquanto a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas projeta que aproximadamente 124 milhões de consumidores vão às compras neste fim de ano, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), teremos mais um ano de queda, ainda que um crescimento de 9,8% em relação ao ano anterior seja esperado.
Esses não são meros números, dados frios de pesquisas. Estamos falando de gente. Gente que, debaixo desse sol, pena para sobreviver.
O menino da árvore de Natal
Print de reportagem do Fantástico (Imagem/reprodução: TV Globo)
Ligo a TV, e continuo sendo assombrado pelo fantasma do Natal presente.
No Maranhão, numa cidade chamada Pinheiro, em meio a lixo, urubus e chorume, um menino encontra os restos de uma pequena árvore de Natal, ainda decorada com alguns enfeites. O fotógrafo paraense João Paulo Guimarães capturou esse momento, e a história do jovem Gabriel da Silva, de 12 anos, foi matéria no Fantástico.
Morando em casa de pau-a-pique, estudando de manhã e trabalhando à tarde com sua mãe, Maria, no lixão, o menino diz para as câmeras que nunca teve uma árvore de Natal.
Maria, mãe preta catadora, chora, diz que Gabriel é um anjo, e que tem esperanças no filho, de que ele possa construir uma casa para eles. Ela recebe pouco mais de 200 reais de Bolsa Família.
Este caso está longe de representar exceção no Brasil. Segundo dados da FGV, quase 28 milhões de pessoas estão abaixo da linha da pobreza. Há a estimativa, de acordo com o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), de que em torno de 800 mil catadores existam em atividade no país, sendo a grande maioria mulheres (70%).
Esse ano, o menino da árvore de Natal e sua mãe Maria vão ter um pinheiro em sua casa, fruto de uma vaquinha feita para ajudá-los. Ano que vem, não sei se ainda lembrarão de suas histórias.
Papai Noel não se esquece de ninguém?
Enquanto isso, cartinhas chegam ao Papai Noel, e eu não estou falando metaforicamente. Campanhas como “Papai Noel nos Correios” e entidades como o Movimento Solidário de Mulheres e o Anjos Sobre Rodas receberam milhares de cartinhas enviadas por crianças para o bom velhinho.
O que chamou a atenção do pessoal responsável por gerenciar o recebimento das correspondências, neste ano, foi o número de pedidos de comida como presente de Natal.
No Rio Grande do Sul, na cidade de Arroio Grande, um menino de 7 anos, chamado Hector, endereçou o seguinte pedido ao Papai Noel:
"Papai Noel
Meu sonho é ganhar uma carne para passar com minha família tenho 7 anos muito obrigado
Hector"
O caso viralizou quando a mãe dele publicou uma foto da cartinha nas redes. A família já estava com a luz cortada, e a água também seria, na semana seguinte à divulgação desse caso pela RBS TV.
Essa história teve um final feliz: uma vaquinha online arrecadou mais de R$25 mil reais. O pequeno Hector possivelmente terá mais do que apenas carne nesse Natal.
Mas quantos Hectors existem no Brasil?
Em outra correspondência natalina, dessa vez no estado do Rio de Janeiro, uma criança conta ao Papai Noel a seguinte história:
"Hoje o dia amanheceu muito triste aqui em Itaúna no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo, os policiais mataram 20 pessoas e jogaram no mangue e meus amigos não tem mais papais. Aqui não temos com o que nos divertir, por isso eu quero te pedir nesse natal um patins de 4 rodas".
Quem escreve é Micaela, de 8 anos. Um patins de 4 rodas custa mais de 250 reais. 28 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza no Brasil.
“Feliz Natal” pra quem?
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.