Fintechs: "A" oportunidade para profissionais do Direito
O Brasil ainda é um país que possui uma das maiores concentrações bancárias e problemas de concorrência nos serviços financeiros no mundo, segundo Roberto Campos Neto, presidente do Banco central; entretanto, com o avanço da tecnologia, que já era tendência no mercado, e impulsionamento do mundo digital após a pandemia ocasionada pelo Coronavírus, essa realidade tem mudado.
As fintechs têm ganhado cada vez mais espaço nessa fatia. A qualidade atrelada à forma inovadora na prestação dos serviços, juntamente com um perfil de população mais afeto à tecnologia, transformou este mercado em um segmento extremamente atrativo e um campo vasto para os advogados que possuem interesse em se aprofundar nesses temas.
Além dos fatores acima, a quantidade de desbancarizados no país, a ausência de conhecimento e mau uso dos cartões de crédito, a ausência de planejamento financeiro pela população e o spread bancário elevado, colaboram com a ascensão das fintechs no Brasil.
Breve histórico
Caso estivéssemos em uma sala de forma presencial e alguém questionasse quem possui um dispositivo eletrônico, seja ele um smartphone, wearable ou computador, acredito que todos levantariam as mãos, correto?
E se essa pergunta fosse realizada nos anos 90 ou 2000, qual seria a resposta?
De acordo com a 33ª edição da Pesquisa Anual sobre o Mercado Brasileiro de TI e Uso nas Empresas, temos 447 milhões de dispositivos digitais ativos no Brasil. Considerando que a projeção da população do Brasil é de aproximadamente 214 milhões de pessoas, estamos falando de mais de 2 dispositivos eletrônicos, em média, por pessoa.
A digitalização e acesso aos meios digitais atrelada às ações dos órgãos reguladores e mercado para a desconcentração e desmonopolização dos serviços financeiros, levou a um aumento exponencial no número de empresas de tecnologia que provém serviços financeiros nos últimos anos.
Apesar do boom do número de fintechs ter ocorrido nos últimos 10 anos, o conceito de tecnologia atrelado às finanças não é novo, visto que os ATMs, mais conhecidos como caixas eletrônicos, que surgiram nos anos 60, já foram considerados uma inovação para os serviços financeiros.
Em um conceito mais preciso, o ATM é um hardware especializado, que torna conveniente para os titulares de contas bancárias gerenciarem seu dinheiro, verifiquem seus saldos, retirem, depositem, transfiram dinheiro de uma conta para outra, imprimam extratos de transações e até compre selos.
Ao inserir um multibanco ou cartão de débito na máquina e introduzir um número de identificação pessoal (PIN), o usuário pode acessar aos serviços acima de 24 horas por dia, 7 dias por semana.
O primeiro ATM foi criado em 1967 por John Shepherd-Barron e instalado, pela primeira vez, em uma agência do banco Barclays em Enfield em Londres. Barron teve como inspiração uma máquina de chocolate que retornava as barras após a inserção de uma moeda, após notar a importância da acessibilidade ao dinheiro em qualquer parte do mundo e a qualquer momento, com menos interações humanas, levando a uma inovação para a época, que ainda é utilizada há mais de 60 anos.
Ao serem incorporados pelos bancos, os ATMs trouxeram aos usuários maior comodidade, em contrapartida, exigiu dos bancos, investimentos e desenvolvimentos em segurança e capacitação dos colaboradores.
No Brasil, igualmente, o processo de automação dos bancos também se deu nos anos 60, com a instalação dos primeiros hardwares (1401 da IBM com memória de 8 KB), o que contribuiu com grandes avanços para o setor bancário, trazendo a participação de fornecedores de tecnologias e levando-as para as empresas como Bolsa de Valores, Tecnologia Bancária S.A. (Tecban) e Banco de Comércio e Indústria do Estado de São Paulo (COMIND).
Com o passar dos anos, as interações e necessidades tecnológicas aumentaram, bem como a mudança do comportamento do consumidor, levando, não só a aperfeiçoamento de fluxos já utilizados pelos bancos tradicionais, mas a criação de negócios financeiros digitais, que já nascem com o conceito de base tecnológica em seu cerne.
O que é uma fintech?
Como o próprio nome diz, fintech, anglicismo já incorporado à língua portuguesa, nada mais é que a junção das palavras “financial” com “technology”, mas não é somente tecnologia aplicada às finanças, mas um novo conceito de surgimento de uma empresa financeira com base tecnológica.
Engana-se quem pensa que fintechs resumem-se aos bancos digitais, disponibilizando contas as quais não é necessária a presença em uma agência física de bancos comuns, mas o universo das fintechs é muito maior do que imaginamos, e hoje a gama de serviços prestados abarca não só os que já estamos acostumados, mas também inovam com novas possibilidades, como as criptomoedas, educação financeira, gestão pessoal, equity e e-wallets, por exemplo.
O campo abarcado pelas fintechs é gigantesco, sendo que hoje, no Brasil, elas podem atuar em qualquer segmento do Sistema Financeiro Nacional.
As fintechs são empresas que possuem em seu core o viés tecnológico empregado na inovação dos serviços financeiros, redesenhando-os com processos baseados em tecnologia. Portanto, de uma forma simplista, podemos dizer que uma fintech é uma startup que surgiu focada em serviços financeiros.
Empresas tradicionais, que em razão das mudanças do mercado empregam certa base tecnológica em seus fluxos operacionais, ou possuem foco em inovação em algum segmento, não podem ser consideradas fintechs, visto que antes de empregar estes recursos, possuíam histórico e apelo aos métodos tradicionais de prestação de serviços financeiros.
A seguir, vamos analisar os principais tipos de fintechs presentes no Brasil e suas principais características. Vale lembrar que as categorias elencadas no capítulo a seguir estão divididas desta forma a fim de facilitar o estudo individual das suas características, o que não impede que uma fintechs atue em um ou mais segmentos elencados no rol, ato contínuo nos aprofundaremos nos aspectos regulatórios e organização do Sistema Financeiro Nacional, e outros que podem acolher o universo das fintechs
Principais tipos de fintech no Brasil
Apesar do mercado financeiro ser um mercado extremamente regulado, inclusive por previsões constitucionais, como as fintechs surgem em um contexto de base tecnológica atrelada aos serviços financeiros, muitas delas, não necessariamente, precisam estar classificadas exclusivamente em uma categoria regulatória. Desta-forma, preferimos classificá-las pelos segmentos principais de atuação, para então tratarmos dos aspectos regulatórios, para um melhor entendimento deste universo.
Segundo a Fintech Report 2022, elaborada pela Distrito, hoje temos 14 categorias de fintechs, desmembradas em 37 subcategorias:
Veja o infográfico dos principais tipos de fintechs presentes no Brasil!
Possíveis áreas de trabalho para um advogado que trabalha para uma fintech
Desta forma, para cada subnicho, há infinitas possibilidades para a atuação de fintechs e o papel do advogado é fundamental nestas instituições, visto o robusto arcabouço regulatório e jurídico envolvidos na sua constituição e operacionalização.
Além do arcabouço regulatório e campos de atuação, as fintechs ganham mercado em razão da sua competitividade, já que mais de 80% dos bancos tradicionais correm o risco de perder lucratividade para as empresas com viés tecnológico.
De acordo com a matéria publicada pelo Valor Investe em setembro do ano passado (2021), os Bancos tradicionais perdem quase metade do mercado em 4 anos, reforçando a gradativa e crescente perda de espaço das grandes instituições financeiras dentro da indústria de meios de pagamento, que são dominadas pelas Fintechs.
Segundo a Global Fintechs Ranking de 2021, o Brasil se consolidou como um dos grandes ecossistemas de fintechs, ocupando a 14ª posição no mundo.
Apesar de atualmente, no segmento bancário, as novas tecnologias serem destacadas como um diferencial competitivo e os banco tradicionais estarem se movendo para acompanhar as mudanças vindas da integração do mundo da tecnologia e o mundo financeiro, ainda assim estão em passos lentos muito em função das suas próprias estruturas burocratizadas e engessadas.
É aí que entram as Fintechs, que, de acordo com o Banco Central, são empresas que introduzem inovações no mercado financeiro por meio do uso intenso de tecnologia, e com potencial para criar novos modelos de negócios. Atuam por meio de plataforma online e oferecem serviços digitais inovadores relacionados ao setor.
No Brasil, há várias categorias de fintechs: de crédito, de pagamento, gestão financeira, empréstimo, investimento, financiamento, seguro, negociação de dívidas, câmbio e multisserviços.
No mercado de crédito, somente dois tipos de fintechs de crédito são autorizadas pelo Bacen a intermediar negociações por meios eletrônicos entre credores e devedores, que são as chamadas Sociedade de Crédito Direto (SCD) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), cujas operações constarão do Sistema de Informações de Créditos (SCR).
As fintechs surgiram como startups do mercado financeiro, que tem como uma base muito forte a tecnologia, mas porque elas ameaçam os grandes bancos?
Os Bancos tradicionais são generalistas, e oferecem todos os tipos de serviços financeiros, mas ao mesmo tempo que monopolizam os produtos financeiros, eles acabam por apresentar diversas falhas em suas prestações de seus serviços, e assim gerar diversos problemas e insatisfações aos consumidores, tanto pessoas físicas como jurídicas.
E nesse sentido, as fintechs buscam entender essa “dor” e melhorar esses serviços com baixo custo e de forma escalável. Um grande exemplo disso, é o Nubank, uma fintech que deu muito certo, pois inicialmente focou em atacar as falhas nas prestações de serviços de cartões de crédito dos grandes bancos, ofertando de forma mais rápida e prática cartões de crédito para todas as pessoas, sem que estas precisassem abrir uma conta corrente cheia de burocracias e taxas bancárias.
Estudos da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN, 2018) demonstram que as fintechs – startups que utilizam tecnologia na solução de problemas para o segmento financeiro – são as principais responsáveis pelos investimentos em inovação tecnológica neste setor, por ofertarem produtos e serviços em plataformas digitais, principalmente em aplicativos utilizados em smartphones. Nos últimos seis anos, os bancos investiram, aproximadamente, R$ 20 bilhões anuais em TI (FEBRABAN, 2018: 79).
Já a FEBRABAN, em notícia publicada em seu site, informa que as startups brasileiras receberam US$ 5,2 bilhões em investimento no primeiro semestre de 2021. O valor recorde de venture capital (modalidade de investimento em que os recursos são aplicados em empresas com expectativas de crescimento rápido), segundo relatório da consultoria Distrito, ultrapassou em 45% o total investido em todo o ano de 2020.
No último Ciab, Robert Contri, chefe global de serviços financeiros da consultoria Deloitte, chocou a plateia em sua apresentação ao descrever como factível, num futuro não muito distante, um cenário em que os clientes fazem diretamente, com aplicativos, serviços hoje prestados exclusivamente pelos bancos.
Portanto, as fintechs vem crescendo cada vez mais no país, principalmente por ofertar produtos e serviços financeiros de forma 100% digital, eliminando o atendimento presencial com segurança e praticidade, tendo como principal objetivo desburocratizar os serviços e produtos financeiros, deixando-os mais acessíveis e personalizados.
E como consequência desse crescimento exponencial haverá a necessidade de mais advogados especializados atuantes neste mercado, uma vez que as fintechs precisam ofertar suas soluções tecnológicas ao mercado financeiro de forma segura e cumprindo todos os regulamentos e diretrizes advindos do Sistema Financeiro Nacional e o Sistema de Pagamentos Brasileiro.
Para estruturar uma Fintech, por exemplo, é necessário a ajuda de uma equipe multidisciplinar que pode envolver diversas áreas, desde compliance e proteção de dados, até planejamento tributário, ajustes regulatórios e societários, contratos internos e comerciais, dentre outros especialistas necessários a manter seu bom funcionamento.
Em razão das Fintechs serem empresas atuantes no mercado financeiro, estas precisam observar os regulamentos publicados pelos órgãos fiscalizadores como Banco Central, que nos últimos anos editou diferentes normas para acompanhar a evolução do sistema financeiro e incentivar a inovação.
Apesar de não existir um marco regulatório de fintech propriamente dito, há várias regulamentações que se aplicam à realidade das startups financeiras, e que devem ser observadas.
Atualmente há o projeto de Lei Complementar nº 158/2020 em tramitação no Senado que busca incluir entre as competências privativas do Banco Central do Brasil, a de regulamentar e incentivar a utilização de fintechs como instrumento de inovação no sistema financeiro nacional e como ferramenta de operacionalização de políticas públicas e de desburocratização; e estabelece que o auxílio emergencial implementado pela Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, poderá ser operacionalizado e pago por fintechs.
Temos ainda, a Lei 12.865/2013 que passou a reconhecer diversos tipos de instituições financeiras, além dos bancos tradicionais, como é o caso das emissoras de instrumentos de pagamentos pré/pós-pago, e cartões de crédito, credenciadoras e adquirentes de arranjos de pagamento.
Em relação as fintechs de crédito como as SCDs e SEP já há resoluções publicadas pelo Bacen de nº 4.656 e 4.657 que regulam essas figuras jurídicas.
E além de tudo isso, podemos enquadrar as fintechs na definição de startup do Marco Legal das Startups: empresas com receita bruta anual inferior a R$ 16 milhões, com CNPJ registrado a menos de 10 anos e que se declaram inovadoras.
Mas Juliana, se o cenário é tão motivador, por que ainda temos tantos advogados em busca de recolocação no mercado?
A resposta é simples: Porque eles não estão qualificados o suficiente para a regulamentação complexa e agilidade que o mercado exige!
Geralmente, as fintechs começam com um orçamento (mais conhecido no mundo corporativo como budget) apertado, visto que neste momento da empresa priorizam o seu investimento em infraestrutura e tecnologia, para alavancar o negócio.
Sendo assim, neste momento inicial, para consultas jurídicas e relacionadas a assuntos regulatórios, as fintechs costumam procurar um escritório especializado ou um advogado externo para os apoiar nestas questões.
Com a estruturação da empresa, começam a ser construídos alguns departamentos com possíveis atuações do advogado ou profissional do Direito, tais como:
· Compliance;
· PLD/FT (Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo);
· Risco;
· Departamento Jurídico (contratos, societário, M&A, tributário, Trabalhista etc.);
· Consultor externo (escritório);
· Dentre outros.
Desta forma, o profissional do Direito que deseja atuar com fintechs deve ter como objetivo principal simplificar o sistema financeiro e o mercado de capitais e viabilizar negócios com uma visão holística sobre a empresa, conciliando inovação e segurança jurídico-regulatória para ter uma carreira efetiva e perene no mundo das fintechs.
Este artigo foi escrito por Juliana de Jesus Cunha Chiose e publicado originalmente em Prensa.li.