Fintechzação reforçada pelas LogTechs avança no mercado
Região do Brás, São Paulo. Bairro com tradição operária, concentra o comércio varejista de vestuário da capital, em grande parte formado por microempreendedores. São aproximadamente cinco mil lojistas e quatro mil confecções espalhadas por cinquenta e cinco ruas e atraindo cerca de 300 mil pessoas por dia. É uma população que em número só perde para 26 cidades paulistas.
Não há estimativa oficial do volume de negócios realizados diariamente. Porém, é o suficiente para que uma fintech fosse criada há quase dois anos: a Pagmoda. Os últimos dados financeiros divulgados revelaram um volume superior a R$ 7 milhões em empréstimos e quatro centenas de maquininhas alugadas para comerciantes da região.
É a adesão de pequenos varejistas ao movimento que conquistou também os grandes. A fintechzação é a abertura de novos modelos de negócios paras as fintechs, palavra que significa “financial technology” ou tecnologia financeira e vem sendo adotada tanto pela rede varejista como pelos “bancões”. No caso de empresários com capacidade de investimento menor, há empresas e consultorias fazendo a terceirização de serviços financeiros sob medida ou BaaS (Bank as a Service).
Os serviços podem ser customizados dependendo do segmento. Além dos sistemas de pagamento e empréstimo, as fintechs podem trabalhar com crownfunding, investimentos, seguros, controle financeiro, blockchain e bitcoin.
A Via, que administra as Casas Bahia, e a Magalu podem estar mal na Bolsa de Valores, mas mantém suas fintechs funcionando até pensando em reforçar sua margem operacional. Enfim, empreendedores e empresários perceberam que não é mais necessário enviar o cliente para fora de seus apps e sites quando ele fizer um pagamento ou quiser um empréstimo. Isso facilita o caminho do cliente, a fidelização e automatiza processos.
Segundo pesquisa publicada na Forbes Money e realizada pela fintech israelense Rapyd, 92% dos correntistas têm conta em bancos tradicionais, como o Santander que lançou a Fintech Station, e em bancos digitais. Isso explica o sucesso de bancos digitais como o Nubank e o Inter, junto a outras centenas de plataformas, como o Mercado Pago.
O universo das fintechs abrange instituições conhecidas por shadow banks, como o Avante que oferece microcrédito para micro e pequenas empresas. O shadow banking (sistema bancário sombra ou paralelo) é um termo usado mundialmente e refere-se a sistema financeiro informal, mas importante mecanismo de inclusão financeira.
Geralmente são grupos de empresas ou corretores executando a intermediação de crédito e não participantes do sistema bancário tradicional. O setor cresceu consideravelmente nos últimos anos, segundo o The Capital Advisor.
LogTechs
As startups de logística são outra área de expansão das fintechs que aplicam a tecnologia no transporte. São consideradas “facilitadoras de processo” e usam tecnologias como a big data e machine learning com o objetivo de otimizar entregas, transporte e outras atividades logísticas.
Diferentemente das empresas de logística tradicional, que trabalham equipes especializadas em rotas e cálculo de fretes para definir o caminho mais viável entre dois pontos, a LogTech opera em uma plataforma para ligar as pontas do trajeto e conecta todas as pontas do setor logístico com ganho de tempo, maior lucratividade e qualidade.
Há uma grande fronteira a ser trabalhada pelas LogTechs, uma vez que o Brasil foi considerado apenas o 56º país no Índice de Desempenho Logístico (LPI, da sigla em inglês) do Banco Mundial. O ano do último levantamento é 2018. Apesar de superarmos todos demais países latino-americanos, estamos atrás do México e de países periféricos como Malásia e Estônia.
Principal sistema logístico do país, o transporte rodoviário conta com uma rede de 1,7 milhão de quilômetros de estradas e concentra 62% das cargas. A infraestrutura relacionada ao comércio leva em conta estradas, ferrovias, portos e tecnologia da informação. Contudo, é a terceira pior nota (abaixo de 3,0). Ainda somos mal avaliados na administração alfandegária e em despachos aduaneiros.
Os melhores índices estão na pontualidade das entregas e no rastreamento de cargas. Depois vem a competência logística. O estudo converge para os principais gargalos da nossa infraestrutura que estão na excessiva dependência do modal rodoviário e problemas em sua infraestrutura, somados aos entraves no escoamento de cargas.
Portanto, cresce em importância o desenvolvimento do setor logístico por meio das LogTechs com vistas a reduzir custos e manter a competitividade dos produtos nacionais. Até o momento, estima-se existirem cerca de 300 startups, 46% delas no setor de transporte. Outras estão na área do varejo: Magalu e Via entraram nisso também com as LogTechs Sinclog e Asap Log, respectivamente.
Outras atuam em serviços de gestão de frotas (Mobi7), entregas sustentáveis (Bike Express e Pedala) e marketplace de frete (CargoX) entre outros.
2021 - Ano das Fintechs
Segundo a consultoria KPMG, em sua análise bienal dos investimentos globais em fintechs (Download Pulse of Fintech H2’21), o ano passado foi notável com recorde de negócios em cada grande região do mundo– Américas, EMEA (Europa, Oriente Médio e África) e Ásia – resultando em investimentos de US$ 210 bilhões.
Para 2022, as tendências apontadas pela consultoria listam aumento das embedded solutions ou BaaS em entidades não financeiras e não bancárias, aumento da regulamentação, protagonismo das Unicorn Companies nos países emergentes, aumento do interesse por fintechs com habilidades ESG (acrônimo de Ambientais, Sociais e Governança, em inglês).
Especificamente para a América Latina, investidores podem aumentar a participação em regiões consideradas subdesenvolvidas em termos de serviços financeiros. Não é o caso do Brasil, conforme relatório da Comscore intitulado “Panorama Digital dos Serviços Financeiros” que indica mais de ¾ da população conectada com acesso a meios digitais de pagamento, bancos e fintechs, liderando a região.
Contudo, o cenário tornou-se bastante desafiador com o risco de recessão global. A principal cautela dos analistas está na concessão de crédito, com o risco aumentado de inadimplência. Somado ao juro elevado, afetou o valor das fintechs na B3.
Mesmo diante deste cenário, a expectativa é de incremento das atividades das startups até pelas maiores dificuldades das companhias tradicionais, por conta da agilidade, capacidade de redução de custos e de adaptação e ainda a segurança.
A fundadora da Linker e Chief of Operating Office (COO), Ingrid Barth, declarou que a forma como consumimos serviços financeiros irá mudar completamente. Abordando a fintechzação e outras inovações financeiras, informou que o consumidor poderá fazer a própria curadoria de serviços, tendo investimentos numa empresa, câmbio em outra e seguro em uma terceira, acessando tudo por meio de uma plataforma híbrida. Sendo possível, os processos simplificados poderão auxiliar o investidor a diversificar, atitude recomendada em tempos de clima turbulento na economia.
Aparentemente, as fintechs apontam a solução para tudo em termos financeiros. O setor expandiu tanto que a convivência rotineira com as fintechs é uma realidade. Como a pandemia ajudou a potencializar as operações on-line, difícil se torna encontrar alguém conectado que não realizou alguma operação de compra, pagamento, transferência ou aquisição de serviços através de uma startup do setor.
E tudo isso até sem saber o que é uma fintech ou perceber que elas existiam. O desenvolvimento tecnológico e das comunicações permitiu a elas entrarem na nossa vida de modo permanente e ainda com potencial para crescer.
Pode ser complicado para entender como funcionam, mas não para usar. Está tudo aí no seu bolso, ou na bolsa, no PC ou notebook, bastando um clique. Daqui a pouco, nem clicar vai ser mais necessário.
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.