Gentrificação do futebol brasileiro
O conceito de gentrificação é muito utilizado pelas ciências sociais e pela corrente de geografia urbana. Mas hoje é possível adaptar este conceito observando a r
ealidade dos espaços culturais, de entretenimento e no futebol brasileiro, foco deste artigo, analisando as classes sociais, os preços de acessos e de produtos praticados e os espaços onde são realizados os eventos.
Na geografia, afirmamos que o processo de gentrificação ocorre quando uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição local, através de reformas urbanísticas (construção e modernização de edifícios, instalação de expansão do comércio local) valorizando a região e afetando principalmente a população mais pobre.
As valorizações realizadas nos espaços urbanos são seguidas de um aumento de custos de bens e serviços, consequentemente este aumento dificulta a permanência dos moradores antigos com renda insuficiente para a sua manutenção no local cuja realidade espacial, econômica e social foi alterada. A saída da população de menor renda abre espaço para a ocupação do espaço para a ocupação de um local com melhor estrutura por uma população com uma renda superior.
A partir do final da década de 1990 e com o reforço a partir do século XXI podemos usar o conceito de gentrificação para a nova realidade do futebol brasileiro. Assim como nos espaços urbanos este processo é acentuado por diversas alterações nos espaços onde os grandes jogos são realizados, muitos estádios foram transformados nas grandes arenas padrões FIFA e o nosso futebol perdeu a sua identidade.
Os ingressos cobrados por muitos clubes em suas arenas ou estádios administrados por clubes, grupos empresariais ou pelos governos estaduais, como o Maracanã e o Mineirão exclui grande parte dos torcedores de classe média baixa e pobres, pois não conseguem arcar com os altos valores dos ingressos. Neste ano é comum observar clubes no Brasil cobrarem um valor superior a R$ 100,00 em muitos jogos durante a temporada, mesmo sendo um ano de crise econômica e muita incerteza para a população.
É importante ressaltar que em jogos de grande apelo para o público, como jogos em fases decisivas de copas, como a Libertadores da América (principal torneio do continente) e rodadas finais dos campeonatos de ponto corrido, os valores dos ingressos podem ser superiores a R$ 200,00, aumentando a exclusão da população mais pobre em jogos de maior apelo e torcida.
Um grande fator que ajudou a aumentar o processo de gentrificação do futebol brasileiro a partir da segunda década do século XXI é a transformação dos estádios no que os torcedores e jornalistas denominam de “estádios padrões FIFA” e isso foi responsável pela eliminação dos setores mais populares dos estádios onde o valor dos ingressos era muito mais acessível a grande parte da população com poder aquisitivo menor. Para exemplificar este fato é só observar a destruição da geral do Maracanã (localizada na parte inferior das arquibancadas), onde o ingresso cobrado girava em torno de R$ 5,00 e as torcidas dos times adversários ficavam e torciam juntas. Podemos dizer que um grande legado da Copa do Mundo foi a acentuação do processo de gentrificação do futebol.
Uma medida paliativa encontrada pelos administradores dos clubes e dos novos estádios é a criação de um “setor popular”, com a cobrança de ingressos em um valor menor do que o praticado nos outros setores dos estádios. Na grande maioria dos casos a escolha é sempre atrás de um dos gols.
Para a redução definitiva dos preços dos ingressos e o aumento da participação dos torcedores de menor renda nos estádios, os clubes precisam reduzir as suas folhas salariais, negociar a administração dos estádios e arenas, criar produtos ligados à sua marca para aumentar a sua receita e renegociar os direitos de transmissão dos jogos.
A redução dos preços dos ingressos é uma necessidade para os times no Brasil, para que possam aumentar o número de torcedores e criar um sentimento de paixão neles. O processo de elitização e gentrificação praticado hoje é cruel, afasta muito torcedores e dificulta (e muitas vezes até impede) a expansão do número de torcedores. Ir ao estádio torcer pelo seu time é um direito que deve ser respeitado pelos dirigentes e por todos que cuidam do nosso futebol.
Este artigo foi escrito por Magno FERREIRA e publicado originalmente em Prensa.li.