Glorioso Propósito
[Cuidado: Perigo de Spoilers no texto abaixo]
Imagine você vivendo a sua vida, tranquilamente, até um dia resolver tomar uma decisão que os outros não esperavam que tomasse. E ainda sendo condenado pelo sistema. Então, você descobre que esse sistema é falho, pois coloca as pessoas em caixinhas. Imaginou? Esse é, mais ou menos, um dos temas de Loki.
Na mitologia nórdica, Loki era o deus da trapaça, mas de um grupo diferente do clã de Asgard, apesar de ter vivido com eles. Segundo um artigo do Wikipédia, uma das teorias sobre ele é que muito desse lado maligno e destrutivo vem de uma perspectiva cristã. Ele está entre as figuras mais complexas da mitologia, assim como a sua contraparte da Marvel.
Não, não estou dizendo que o personagem é santo ou/e livre de falhas, afinal, ele surgiu como um vilão nos quadrinhos e só mais tarde ganhou mais profundidade. No universo cinematográfico da Marvel, enquanto acompanhamos uma versão dele desde o primeiro filme do Thor até ele encontrar a sua redenção em Thor: Ragnarok e morrer pelas mãos de Thanos, no inicio de Vingadores: Guerra Infinita, a versão da série não passou por nada disto.
Esse Loki conseguiu escapar da prisão em Asgard ainda no primeiro filme dos Vingadores, ao recuperar o Tesseract, um receptáculo criado para abrigar uma das joias do infinito, a Joia do Espaço. Ela permite que seu usuário tenha acesso rápido a qualquer lugar do universo.
Loki a usou e acabou indo parar em Mongólia. Lá, os Caçadores da misteriosa AVT (Autoridade de Variância Temporal) o encontraram e reiniciaram a linha do tempo originária dele, após prendê-lo. A AVT foi criada por um trio de seres chamados Guardiões do Tempo para manter intacto o que eles consideravam como a Linha do Tempo Sagrada. Os que decidiam ir por outro caminho que não fosse aprovado pelos Guardiões, os chamados Variantes, eram capturados e presos.
Na sede da AVT, Loki foi julgado por ter mudado o curso da história. Em sua própria defesa, ele afirmou que se os Vingadores não tivessem feito isso primeiro, ao viajarem no tempo, ele nem estaria lá. Recebeu como resposta que aquilo não importava, pois já era esperado, o que não era o caso da fuga dele.
Mas você pode dizer que os fins justificam os meios, no fim das contas, se tratam de super-heróis, né? É aí que nos deparamos com outro tema da série: Vale tudo para se chegar a um objetivo? Se sim, isso é permitido a todos ou não? Quem decide isso? E quando quem decide é o único que faz e ainda se isenta de julgamentos?
Foi o que Loki descobriu no decorrer da série. Primeiro, selecionado para ajudar na caça de uma própria variante sua, a Sylvie, que lhe contou que todos na AVT eram Variantes e que estavam sendo enganados pelos Guardiões. Quando uniram forças para acabar com tudo aquilo, foi revelado que os Guardiões eram robôs. Mas quem os controlava?
Loki é um personagem fácil para muitos se identificarem e isso desde o primeiro filme do Thor. Quem nunca se sentiu preterido em relação a irmãos mais velhos ou mais novos? Quem nunca teve suas ambições menosprezadas ou/e ridicularizadas pelos pais ou outros exemplos de liderança? Melhor dizendo, quem nunca sentiu vontade de provar o seu valor, de seguir o seu glorioso propósito?
Claro que não estou falando de subjugar outros seres e dominar a Terra ou o universo inteiro, até porque ninguém aqui é o Loki, certo? Refiro-me a um subtexto que observei em todas as aparições do personagem nos filmes e na série.
Em certo momento, Loki encontrou outras variantes suas em um local chamado de O Vazio. Uma delas, a mais velha, os denominou como o Deus dos Rejeitados. É nesse trecho que dar mais atenção, além de outras muito boas falas interpretadas por Richard E. Grant. Loki é uma representação dos rejeitados, mas uma que acabou se enveredando para um caminho obscuro por falta de quem acreditasse nele e por ele não acreditar em si mesmo e no seu potencial.
“Mas como assim?” Você pergunta, “Ele é egoísta, egocêntrico...”. Bem, é complicado. Eu não sei muito de psiquiatria ou psicologia, mas ao meu entender, Loki fingia ser assim. No primeiro episódio, ao conversar com Mobius, um Analista da AVT, ele disse que não curtia machucar as pessoas, ele fez porque tinha que fazer. Era o truque cruel e elaborado que os fracos combatiam para inspirar o medo. No que Mobius concluiu, “O desesperado jogo pelo controle”.
Acho que muita gente já se sentiu assim, desesperada pelo controle, muitas vezes da própria vida. Um não lidar com isso corretamente pode levar alguém a tomar medidas extremas, mas repito: Não como Loki, que é um personagem fictício. Mas a ponto de se tornar completamente egoísta e machucar outras pessoas, física, emocional e/ou mentalmente.
Loki, no primeiro filme, queria o amor do seu pai adotivo, Odin. A ponto de armar para que o seu próprio irmão fosse isolado na Terra e não atrapalhasse os seus planos de fingir salvar o seu pai dos Gigantes de Gelo. A crença que ele era repudiado pelo pai o levou a tomar caminhos perigosos, a ponto de se unir a Thanos e... O resto todos nós sabemos.
Eu acredito que, primeiramente, devemos ser um pouco egoístas sim. No sentido saudável da coisa, de dedicarmos um pouco do tempo a nós mesmos, aos nossos projetos e ao próprio lazer. Não devemos nos levar pela raiva que sentimos quando não acreditam na gente, devemos fazer o nosso próprio caminho. Pegar as críticas construtivas e ignorar as destrutivas. Não nos dedicarmos a agradar alguém 100% e esquecer-se de nós mesmos.
No momento que escrevo esse artigo, ainda não estreou o último episódio de Loki. Mas pelo o que eu vi até aqui, tanto o Loki dos filmes quanto o da série, perceberam que o glorioso propósito deles não era aquilo que imaginavam. E tudo bem. A vida havia tomado outros caminhos e o Loki dos filmes, enfim, teve a amizade do irmão e o apreço de outros asgardianos, ao salvá-los do Ragnarok.
Já o Loki da série, precisou encontrar com diversas versões de si mesmo para achar o seu prumo, se tornando o salvador do universo ou multiverso. Não se sabe o que ele e a Sylvie irão encontrar naquela mansão misteriosa no Vazio, mas isso fica pra próxima.
Imagem de capa - Divulgação
Este artigo foi escrito por Fabio Farro de Castro e publicado originalmente em Prensa.li.