Gris é uma jornada de luto e aceitação
Solidão. Angústia. Vulnerabilidade. Depressão. Luto. Aceitação. Todos esses sentimentos fazem parte da jornada de Gris. Somos lançados em um mundo silencioso, muitas vezes nada amistoso, com obstáculos a cada passo do caminho.
Um mundo em pedaços. Uma analogia muito certeira sobre como a protagonista da nossa história se encontra. Gris está sozinha, sem voz e não consegue lidar com uma grande dor. Cabe a nós caminharmos junto dela e descobrir, aos poucos, o que fez seu mundo ruir e dar cores a ele, literalmente.
No início de sua trajetória Gris perde sua voz, mergulhando em seu próprio mundo, agora sem vida - Imagem de reprodução.
Lançado em 13 de dezembro de 2018, Gris é um jogo independente, desenvolvido pela Nomada Studio e distribuído pela Devolver Digital. Sua mecânica é semelhante a outros jogos do tipo puzzle, com comandos simples, mas cuidadosos, e habilidades destravadas ao longo do tempo.
Seus gráficos acabam nos fazendo lembrar de outros jogos como Journey e Monument Valley. E devemos todo o estilo visual apresentado ao artista Conrad Roset.
Já a trilha sonora, composta pela gravadora alemã Berlinist, é em grande parte instrumental, e mescla notas de piano com sons de cordas e, ocasionalmente, alguns sons vocais, que dão um tom melancólico ao cenário da personagem. Das 16 músicas, vale uma atenção especial para Gris Pt. 1, Karasu, Perseverance, Unagi, Sparks e In Your Hands.
Para aqueles que encaram Gris como um algo simples, talvez devessem olhar mais atentamente para a atmosfera que o jogo transmite. Ela é muito íntima, mas não passa despercebida. Ela é onírica, mas fala de sentimentos reais.
Gris nos apresenta uma garota perdida em um mundo surreal, que deve enfrentar uma série de obstáculo para finalmente encontrar paz. O jogo não nos diz isso de forma explícita, mas nos mostra através da excelente harmonia entre recursos visuais e trilha sonora. É a partir desses elementos que conseguimos nos conectar a Gris, por que todos já conhecemos o sentimento de solidão e sabemos que não termos voz torna tudo mais angustiante.
O jogador deve aprender de que formas Gris pode interagir com o ambiente para evoluir - Imagem de reprodução.
A princípio, nossa personagem nos apresenta um mundo sem cores, uma metáfora para a perda em sua vida. Nós acompanhamos seu mundo desabar e sua longa queda. As cores dão lugar a um deserto em preto e branco. A queda alude à devastação psicológica da personagem, que acaba de perder uma pessoa muito amada.
O fato de Gris ser silenciada logo no início do jogo, faz com que nos apoiemos nas cores (desbloqueadas conforme avançamos) e na trilha sonora. Por exemplo, a fase inicial, composta por um deserto e construções rochosas, apresenta uma música mais tensa e um ambiente tomado por tons de vermelho, o que reflete no ressentimento e raiva da personagem.
O ponto marcante de acompanhar a jornada de Gris é sua transformação, perceptível em seu vestido e no ambiente por onde ela passa. Tudo ganha mais vida. Tudo ganha cores. A cada passo mais perto do desfecho, Gris se depara com desertos, montanhas, tempestades de areia, uma floresta, cavernas subaquáticas e construções suspensas por nuvens.
É durante a condução de Gris, que o jogador também se depara com a importância de viver a jornada de fato. É preciso se dar a liberdade de simplesmente sentir, seja um sentimento bom ou ruim.
As experiências da heroína parecem transformar a realidade ao seu redor - Montagem com imagens de reprodução.
Ao final de cada uma das fases do jogo, uma cor pode ser destravada, vermelho, verde, azul e amarelo respectivamente. Dessa forma, vemos uma floresta exuberante ganhando mais vida com tons de verde, ou mesmo o duro deserto inicial se colorir de vermelho.
Vemos na fase azul um mundo aquático, repleto de cavernas e labirintos e também de uma completa escuridão, onde Gris irá se deparar com um de seus demônios. Além disso, cada fase representa um estágio do luto da personagem: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Fora a paleta de cores que invade o mundo de Gris, o jogo vai adquirindo mais detalhamento e complexidade em seus quebra-cabeças, exigindo mais do jogador. No decorrer do jogo, devemos conduzir Gris a cada uma de suas lembranças, representadas por estrelas.
Ao coletar suas memórias, ela estará apta para uma nova habilidade e o nível seguinte. Até porque, seria muito complicado passar pelas cavernas subaquáticas sem poder nadar, ou sem a capacidade de converter seu corpo em pura rocha, para sobreviver a impetuosas tempestades de areia.
A habilidade final e mais impactante em Gris é seu canto, que consegue reavivar algumas partes do cenário a seu redor - Imagem de reprodução.
Gris nos ensina a manter nossa tenacidade diante da escuridão que nos cerca, e porque não, a escuridão dentro de cada um de nós? Ela nos ensina encarar nosso lado mais sombrio e isso se reflete nas várias cenas em que Gris se depara com criaturas ao longo de sua jornada. Criaturas que se originaram da própria incapacidade da personagem em lidar com a morte de alguém amado.
Conforme ela avança, a protagonista tem uma série de encontros significativos com uma massa negra transmorfa, que ora é um pássaro gigante, ora uma enguia intimidadora e por fim assume a forma da própria Gris.
Com Gris, aprendemos que o real monstro está dentro de nós, algo que se alimenta da nossa incapacidade de lidar com o sofrimento. Não é a dor que nos aprisiona e nos isola em um mundo monocromático, mas nossa falta de prática de encará-la como algo inerente à vida.
Mesmo com a universalidade do jogo em trabalhar um tema como o luto, tão significativo pelos tempos em que vivemos, sua interpretação é, na verdade, bem individual. Ela recai sob a perspectiva e prisma de experiências de cada jogador, evocando um efeito emotivo único. Para mim, liberdade.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.