Guerra dos mundos: A bolha nuclear de Putin
Putin e seu general. A pescaria parece ruim, assim como a guerra que provocaram. Foto: Reprodução
“Vladimir Vladimirovitch, tudo está de acordo com o planejado”, disse Serguei Shoigu, um general sem experiência de campo que ocupa o cargo de Ministro da Defesa, em um vídeo divulgado no dia 11. Putin deve ter acreditado, mesmo sendo improvável que seu gabinete tenha planejado, inclusive, as sanções econômicas. Mas o entorno de líderes autoritários costuma ser uma corte que reúne bajuladores e aproveitadores. A realidade deve, tanto quanto possível, passar longe dos olhos do ditador.
Não que Putin queira evitar de se deitar na cama preparadas pelos seus asseclas, afinal ela acomoda confortavelmente tanto seu ego como suas fantasias. Em seus sonhos, a Ucrânia seria um passeio militar igual a Georgia e a Chechênia e o Ocidente novamente manteria as aparências.
As coisas já saíram do controle, Shoigu, e estamos andando sobre uma corda, esticada em um penhasco, do qual não é possível enxergar o fundo.
A culpa da Otan
Putin é reincidente nos seus crimes. O ocidente tolerou suas guerras na Georgia, na Chechênia, e suas ações na Síria em favor de outro ditador. Angela Merkel tratava Putin como amigo, com direito a passeios ajardinados, crente que ele reconhecia seu sincero interesse pelo seu país. Enquanto acreditavam na tolerância do Czar por conta da expansão da área de influência americana e europeia, o ditador modernizou seu exército e multiplicou a aposta.
É certo que a despeito das palavras de seu general de biblioteca, nada está de acordo com o planejado. E isso se refere também à Aliança do Tratado do Atlântico Norte. à Zelensky e à Bolsonaro. A situação a adquiriu uma dinâmica própria, entre destruição, mortos, feridos, refugiados e crise econômica. Completando um mês do conflito, ninguém pode prever o futuro próximo.
Os contendores criaram a expectativa de um acordo, que nem foi para o papel ainda. Os seus termos estão dispersos em posts e vídeos nas redes sociais.
Passado e futuro russos
A Rússia era um país na periferia da geopolítica na época dos Czares. Tornou-se uma superpotência a partir dos anos 30, quando a Ucrânia e outros países já pagavam o preço do desenvolvimento russo sob Stálin. Perdeu sua área de influência na crise iniciada no final dos anos 80. É isso que Putin, o ensandecido, pretende retomar – a grandeza soviética da época da Guerra Fria. Poderia ao invés disso compor a União Europeia como quer a Ucrânia e qualquer país civilizado do oriente? Poderia, mas como manter as vantagens pessoais e do seu grupo até 2036, quando ele admite legalmente a possibilidade de deixar o poder aos 84 anos!
Ele sabe que a aproximação do ocidente não se dará somente pela via econômica, como já vinha ocorrendo. A política vinha acompanhando essa aproximação para insatisfação dele e de seus comensais, muitos bilionários com investimentos em países europeus, na América do Norte e alhures. Dentro dos planos da organização criminosa instalada no Kremlin, não cabem instabilidades que possam custar os cargos da alta administração russa e comprometer a década e meia ainda de deleite e enriquecimento garantidos.
É preciso, portanto, manter Putin na sua esquizofrenia e a população russa, ucraniana e dos demais países lindeiros aterrorizada. Para esses seres, vale o sofrimento de crianças, idosos e mulheres. Vale destroçar um país e submeter o mundo a uma crise. Vale tudo, para resumir.
A guerra da Ucrânia é um ponto de uma questão maior. O que fazer com a Russia doravante, transformada em pária com mais de 6 mil ogivas nucleares? Pode ser que as relações se normalizem num patamar diferente, mas até quando? Uma bomba, ainda que convencional, pode ser o estopim de uma guerra atômica. Estávamos dormindo tranquilamente sob esse risco, que voltou como um pesadelo.
Falha quase causa a guerra
Há quase cinco anos morria Stanislav Petrov. Em setembro de 1983, o então tenente-coronel do Exército Vermelho estava no Centro de Detecção de Ataques Nucleares. No meio da noite, os alarmes acusaram o ataque de cinco mísseis balísticos em direção à União Soviética. Petrov pagou para ver; acreditava que poderia ser uma falha do sistema. Caso informasse seus superiores, um ataque com centenas de ogivas seria lançado. Felizmente, nada aconteceu.
Agora lidamos com mísseis, equipamentos e veículos militares reais. Se uma mera falha de sistema teria o potencial de iniciar uma guerra nuclear, muito maior é o risco com o uso de armas letais e reais. É necessário que o mundo volte a discutir o desarmamento. Tomara que tenhamos tempo.
Com a continuidade da guerra, o mundo assiste ao horror da crise humanitária somada ao temor de um conflito nuclear. Mal assessorado, Putin é ainda mais perigoso. Confrontado como nunca pelo Ocidente e por uma resistência surpreendente, percorre uma rotina diária de atrocidades e ameaças. Enquanto isso, seu general de pescaria garante que tudo está como planejado.
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.