Há um golpe em andamento?
(Reprodução: Correio - Foto: Evaristo Sá/AFP)
As constantes tensões entre os poderes no Brasil atingiram seu nível mais alto (até o momento) com o caso Daniel Silveira. Em decisão de 10 a 1, o Supremo Tribunal Federal decidiu por condená-lo a 8 anos e 9 meses de prisão pelo plenário do STF pelos crimes de atentado ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo, ao incentivar a violência com ataques à Justiça e a ministros da corte.
O caso é que o presidente Jair Bolsonaro (PL), por meio de decreto, concedeu o indulto presidencial a Silveira, escancarando a rivalidade com os ministros do Supremo, em especial Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, este último em relação à suspeição sobre o processo eleitoral.
Bolsonaro, que é também candidato à reeleição neste ano, já teria firmado com seu partido uma auditoria paralela dos votos, além de desconvidar as instituições internacionais responsáveis por acompanhar, de modo isento, o processo eleitoral em diversos países.
Enquanto isso, o presidente costura apoios com os partidos do Centrão e com militares para respaldar suas decisões e desmandos. Alguns analistas políticos apontam um sério risco à democracia e uma aproximação escandalosa com um golpe de Estado.
Seria isso possível?
O deputado Bolsonaro
Bolsonaro em entrevista no programa Câmera Aberta (Imagem/reprodução: TV Bandeirantes)
Qualquer pessoa que acompanha a política há, pelo menos, 30 anos, conhece as pretensões do atual ocupante da cadeira presidencial.
Enquanto ainda deputado, ocupando o lugar obscuro destinado aos políticos sem expressão, chamado de baixo clero, o agora presidente do Brasil já explicitava uma série de ideias estranhas ao dia-a-dia sereno da democracia nacional.
Em 1999, por exemplo, declarou de forma enfática que sonegava impostos, fuzilaria Fernando Henrique Cardoso (presidente à época) e daria um golpe no mesmo dia em que assumisse o cargo mais alto do executivo brasileiro. Essa entrevista, concedida ao programa "Câmera Aberta", da TV Bandeirantes, pode ser assistida aqui.
A questão é que, passados 23 anos, o deputado com ideias estapafúrdias e mesmo caricatas, agora é presidente da república, e constrói dia após dia um ambiente de golpismo que alarma diversos setores da sociedade civil, e até mesmo instituições internacionais
A aproximação de um possível golpe possui, obviamente, muitas fragilidades. Kennedy Alencar, colunista da Folha de São Paulo, não enxerga a realização de fato desse plano, e acredita que as eleições não estão ameaçadas.
Segundo ele, Bolsonaro não congrega elementos essenciais para um golpe, como o apoio da elite econômica brasileira e mesmo da imprensa, recorrentemente atacada pelo presidente.
No cenário internacional, o candidato à reeleição ao Palácio do Planalto é visto como um pária, isso decorrente da péssima diplomacia feita, até pouco tempo, pelo terraplanista caçador de comunistas de vento, Ernesto Araújo. E, claro, com méritos do próprio presidente, com aparições fracas e por vezes ridicularizada pela imprensa internacional.
Mas, se não há meios, por que a sombra de um golpe permanece tão assustadora?
A CIA e as eleições
Recentemente, a notícia de uma reunião até então secreta vazou para veículos de comunicação. Do jantar, em Brasília, participaram os generais Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e Luiz Eduardo Ramos, ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência, tendo como convidado William Burns, diretor da CIA (agência de inteligência dos EUA).
O recado dado pelo agente norte-americano foi direto: Bolsonaro não deveria questionar as eleições. À agência Reuters, uma fonte em Washington revelou que foram dadas orientações a assessores do presidente para que ele parasse de "subestimar o sistema de votação no Brasil".
De longe, a CIA é a última instituição que poderia falar em eleições justas, haja vista a longa história de interferência estadunidense nos assuntos políticos da Latinoamérica.
Contudo, o posicionamento dos Yankees é sintomático: mesmo eles estranham o modo como o presidente se refere às eleições.
Enquanto isso, nas eleições…
Novo balanço sobre as intenções de voto foi divulgado. Segundo a pesquisa XP/Ipespe, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece com 44%, enquanto Bolsonaro, após a saída do ex-juiz Sérgio Moro, pontua 31% do desejo do eleitorado. O terceiro colocado, e que demonstra alguma chance, é Ciro Gomes (PDT), com 8%.
Num possível segundo turno, nova vitória do petista: 54% a 34% do atual presidente.
O que esses números revelam: que a alta rejeição a Bolsonaro não lhe dá qualquer chance de fazer frente a Lula, nem no 1º, muito menos no 2º turno.
E é justamente isso que vem tirando o capitão reformado do sério. De modo irônico, ele chegou a justificar em live transmitida direto de João Pessoa (PB) que a auditoria que ele e seu partido fariam durante as eleições serviriam para “garantir a eleição de Lula”.
Live de Bolsonaro em João Pessoa (PB) (Imagem/reprodução: Jornal MaisPB)
Se o risco é pequeno ou grande, não podemos dizer, mas que há risco de golpe no ar, isso é certo.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.