Hackear por um "bem maior" ou não?
O logotipo do grupo de hackers Cyberpartisans da Bielorrússia apresenta vermelho e branco, cores usadas pela oposição bielorrussa.
Eles se descrevem como hackers "apolíticos" que querem acabar com o regime "terrorista" da Bielo-Rússia e garantir direitos iguais para todos.
Os Cyberpartisans, um grupo de hackers bielorrussos, acessaram enormes quantidades de dados de arquivos em toda a Bielorrússia no começo do mês.
O objetivo declarado deles é "interromper" o trabalho dos órgãos de segurança e outros que eles veem como apoiando o governo de fato de Aleksandr Lukashenko, de 66 anos.
A esperança deles é que os dados apreendidos possam levar a um “Momento X”, uma onda de comícios que derrubaria o governo.
Mas quais são os motivos para derrubar o governo?
Foto: Reuters
Tudo começou em agosto do ano passado quando Lukashenko, que governa a Bielorrússia com punho de ferro desde 1994, conquistou seu sexto mandato depois de garantir 80% dos votos do país nas eleições de agosto passado.
Imediatamente depois, os apoiadores da candidata da oposição Sviatlana Tsikhanouskaya e alguns funcionários eleitorais alegaram que a eleição estava crivada de fraudes e rejeitaram os resultados.
Mas Lukashenko se recusou a renunciar, levando a protestos em massa por todo o país e manifestações que atraíram até 200.000 pessoas.
Seguiu-se uma dura repressão: Tsikhanouskaya fugiu para a vizinha Lituânia, e mais de 34.000 pessoas foram presas nos meses seguintes.
A polícia usou granadas de atordoamento, gás lacrimogêneo e cassetetes para dispersar as manifestações e vários manifestantes foram mortos, com centenas de outros condenados a longas penas de prisão.
Todo esse movimento, que perdura desde agosto passado, foi um dos motivos para que os Cyberpartisans atacassem e roubassem os dados do governo Bielorruso.
O que exatamente foi roubado?
Os hackers tiveram acesso a materiais do banco de dados AIS Pasport, que contém todos os detalhes pessoais de cada cidadão bielorrusso, incluindo fotos de passaporte, endereço residencial e local de trabalho.
Mais prejudicial, o AIS Pasport também incluiu a seção restrita contendo informações sobre a KGB e outros funcionários de serviços especiais.
Como prova, o grupo publicou informações sobre oficiais graduados da KGB, bem como sobre o deposto presidente do Quirguistão, Kurmanbek Bakiyev, que está escondido na Bielo-Rússia na última década.
Os Cyberpartisans, cujos membros e localização não são conhecidos, repassaram o material a jornalistas bielorrussos, que confirmaram a autenticidade do banco de dados.
O governo não admitiu esses eventos. No entanto, em 12 de julho, o Ministério do Interior da Bielorrússia divulgou um comunicado explicando que muitos de seus serviços haviam falhado “devido à onda de calor anormal” e que levaria pelo menos uma semana para restaurar suas operações.
De 8 a 16 de julho, muitos serviços do Ministério do Interior estiveram inacessíveis, incluindo o registro de carros e serviços de pagamento de multas.
Embora as declarações do governo fossem falsas, elas inspiraram os cyberhackers a nomear sua invasão digital como Operação Heatwave.
Os Cyberpartisans também tiveram acesso às chamadas de emergência dos últimos 10 anos, contendo todos os detalhes pessoais de informantes do governo que relataram sobre colegas de trabalho e vizinhos que organizaram reuniões locais, exibiram a antiga bandeira branca-vermelha-branca bielorrussa e cometeram outros crimes semelhantes contra o regime.
Os hackers também baixaram terabytes de chamadas grampeadas de todo o aparato de segurança - de um policial comum em uma cidade remota ao próprio ministro do Interior e até mesmo membros da KGB falando com suas fontes.
O grupo também alegou ter invadido todas as câmeras de vigilância e velocidade em todo o país e suspendido mais de 125.000 multas.
Isso se encaixa no modus operandi inicial do grupo no ano passado, quando assumiu o controle de sites de TV estatais bielorrussos e substituiu a transmissão ao vivo por imagens da brutalidade policial.
Além disso, os hackers entraram nos arquivos do departamento de pessoal do Ministério do Interior e tomaram posse dos dados pessoais e histórico de trabalho de cada funcionário, incluindo detalhes de quaisquer infrações disciplinares ou criminais cometidas.
O que pode emergir dessa montanha de material é difícil de saber, mas pode ser muito significativo com base nas primeiras indicações.
Jornalistas bielorrussos revisando o AIS Pasport já puderam provar que durante a pandemia covid-19, as autoridades bielorrussas não relataram mais de 32.000 mortes - 17 vezes mais do que sugerem as estatísticas oficiais.
É claro que existem preocupações válidas sobre esse volume de informações privadas nas mãos de hackers.
A única proteção está na ética dita por eles.
Os Cyberpartisans disseram: “Todos os dados obtidos serão usados apenas para a desotimização dos cúmplices do regime, as pessoas comuns não têm nada a temer. Temos a melhor proteção de dados e, após nossa vitória, deletaremos tudo”.
Hackear ou não, eis a questão
Ao abrigo do Código Penal da Bielorrússia, o acesso não autorizado a informações informáticas é punível com até 2 anos de prisão; o uso de malware acarreta pena de prisão de até 10 anos.
Mas os Cyberpartisans não parecem preocupados.
Referindo-se a Lukashenko, o grupo atribuiu a responsabilidade por "todas as consequências" de seus ataques cibernéticos ao "tirano e suas estruturas punitivas".
Os críticos de Lukashenko costumam ver esses ataques como uma forma de garantir alguma forma de justiça contra as forças de segurança violentas e os funcionários das prisões que geralmente escapam da acusação por abusos.
A oposição parece acreditar que os supostos fins de tais violações justificam os meios.
Eu pergunto então para você, caro leitor: hackear por um "bem maior" ou não?