Hamilton, o imigrante por trás da nota de 10 dólares
Três meses após o lançamento do serviço de streaming Disney+ no Brasil, o musical Hamilton finalmente ganhou legendas em português. O atraso foi alvo de críticas, pois a falta de legendas formava uma barreira no consumo do musical.
A justificava de Lin-Manuel Miranda, compositor, letrista e diretor da obra, foi falta de tempo e uma decisão criativa tomada pela própria Disney.
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Atrasos à parte, o longa-metragem apresentada pelo streaming é composto por uma edição de três apresentações, feitas em junho de 2016 na cidade de Nova York, junto a algumas cenas extras gravadas sem a presença de público no teatro.
A Disney desembolsou U$ 75 milhões, cerca de R$ 404 milhões, pelos direitos de distribuição exclusiva da filmagem oficial de Hamilton. A ideia inicial da Disney era lançá-lo nos cinemas, mas a pandemia não mais uma vez tornou o feito impossível.
Se olharmos para o outro da moeda, Hamilton fora das telas dos cinemas reforçou ainda mais a força do musical dentro da plataforma Disney+.
Isso sem colocarmos em questão quantas pessoas teriam condições de bancar um ingresso para a apresentação na Broadway e quantas poderiam ver o longa no conforto de sua casa.
Da esquerda para direita, os atores Anthony Ramos, Lin-Manuel Miranda, Daveed Diggs e Okieriete Onaodowan - Imagem de reprodução
A peça retrata a vida de Alexander Hamilton (1755-1804), primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, um “bastardo, órfão, filho de uma meretriz e um escocês”, um imigrante órfão que partiu da Ilha de St. Croix, no Caribe, aos 17 anos e chegou aos mais altos escalões do poder.
Hamilton teve um papel essencial na política e independência dos Estados Unidos. Ele também influenciou as bases do capitalismo no país, podendo ser considerado um dos “pais fundadores” da nação. Tudo isso na vida de um mero imigrante. Sua importância é tamanha que ele é o rosto presente na nota de 10 dólares.
Miranda se inspirou na biografia de Hamilton, escrita por Ron Chernow em 2004, sendo que sua adaptação demorou seis anos. Os dois primeiros foram dedicados a criação das músicas “Alexander Hamilton” e “My Shot”.
O projeto de Miranda contou com um apoiador de peso: o então presidente Barack Obama. Em 2009, o ator foi convidado a se apresentar no White House Poetry Jam, um evento cultural na Casa Branca. Tempos depois, Michelle Obama ainda chamou o musical de “a melhor obra de arte que eu já vi na vida”
Imagem de reprodução
O musical não foi escrito tão prontamente. Miranda levou cerca de seis anos para escrevê-lo, sendo que os dois primeiros foram dedicados a criação das músicas “Alexander Hamilton” e “My Shot”.
A história americana com muito hip hop
A história do político é narrada por meio de canções nada tradicionais, dos gêneros hip hop, R&B e soul. São no total 46 para transmitir a vida, morte e relacionamentos de Hamilton durante a Guerra Revolucionária e os momentos de fundação da América. Mas não é apenas o gênero musical que chama atenção. As letras de cada canção carregam mensagens fortes, de luta e revolução.
Em 2017, cartazes em manifestações contra o recém-empossado presidente Donald Trump continham frases da narrativa de Hamilton, como “a História está voltada para você” (da música “History Has Its Eyes On You”) ou “Amanhã haverá mais de nós” (de “The Story of Tonight”).
As menções voltaram a ocorrer na Marcha das Mulheres, movimento feminista internacional que luta por causas das minorias.
Após a morte de George Floyd, afro-americano assassinado por policiais brancos em Mineápolis, em 2020, as letras de Hamilton ecoaram nos protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), como partes da canção “My Shot”. “Não é um momento, é um movimento”.
Além do estilo musical, a escolha de elenco deu o que falar. Na peça de Miranda, atores negros, em sua maioria, dão vida a personagens históricos brancos e muitas vezes, conhecidos racistas.
Lin-Manuel Miranda, autor e estrela o musical, tem origem porto-riquenha. Leslie Odom Jr, ator nova-iorquino negro, interpreta o vice-presidente Aaron Burr, narrador e antagonista do musical. Já a Eliza Schuyler, esposa de Hamilton, é interpretada por Phillipa Soo, atriz de ascendência chinesa.
Não só os papéis principais, bem como o coro, são interpretados por atores e atrizes não-brancos, imigrantes ou descendentes de imigrantes. Esse era um requisito de Miranda para a realização da obra.
A exceção à regra é o Rei George III, interpretado por Jonathan Groff. O único ator branco no musical serve de alívio cômico, ironicamente contrapondo o cenário atual de cultura pop, e cantando uma das canções mais grudentas do musical todo.
Performance de Jonathan Groff como Rei George III - imagem de reprodução
Immigrants, we get the job done
"Nosso elenco se parece com a América agora, e isso é certamente intencional", disse Miranda em entrevista ao New York Times em 2015. "É uma maneira de puxar você para a história e permitir que você deixe qualquer bagagem cultural que você tenha sobre os pais fundadores na porta."
“Immigrants, we get the job done” (“Imigrantes, a gente dá conta do trabalho” em tradução livre), umas das frases da peça começou a ganhar força com o tempo, assim como um motivo de aplausos nas apresentações. Podemos até afirmar que não é mais uma frase, e sim um lema.
Em Hamilton, temos uma exaltação explícita aos imigrantes, não apenas por causa de seu protagonista, mas também pelo francês Marquês de La Fayette, um dos protagonistas do primeiro ato.
Coincidência ou não, de uma forma irônica, mas certeira, o primeiro debate presidencial republicano para a campanha presidencial de 2016 ocorreu na mesma noite de estreia de Hamilton na Broadway.
Enquanto na peça de Miranda ecoavam músicas sobre a força dos imigrantes e aproveitar as oportunidades, o candidato republicano Bobby Jindal declarava que “imigração sem assimilação é invasão”.
Para o republicano, os EUA “devem insistir que imigrantes façam um trabalho melhor de assimilação à cultura americana para evitar os mesmos problemas que a Europa”. Jindal é filho de imigrantes e sua mãe deu à luz a ele três meses após sua chegada aos EUA. Talvez isso explique por que Jindal se adaptou tão bem a cultura americana.
O musical não perde nenhuma oportunidade de nos lembrar que Hamilton é um imigrante querendo impactar a sociedade de seu país adotivo. No fim das contas, o elenco apenas evidência uma América que cresceu e se expandiu sob o trabalho dos imigrantes.
Hamilton foi indicado a 16 Tony Awards e levou 11 estatuetas pra casa. O musical também conquistou o Prêmio Pulitzer de Drama de 2016 e um Grammy na categoria de Melhor Álbum de Teatro Musical.
Com a corrida pelo Oscar, lembramos que a adaptação em forma de longa-metragem de Hamilton não foi indicada a nenhuma categoria. Isso não impediu de ter recebido duas indicações ao Globo de Ouro, não levando nenhuma.
Mesmo com a adaptação fora do páreo, Leslie Odom Jr, nosso Aaron Burr, recebeu indicação ao Oscar tanto de Canção Original quanto de Melhor Ator Coadjuvante, por seu trabalho no drama baseado em fatos reais, “Uma Noite em Miami”.
Além de prêmios, a peça Hamilton, em cartaz desde 2016, lançou novos olhares a estrelas como Lin-Manuel Miranda, que está em um relacionamento cada vez mais sério com a Disney. Sua presença vem na forma do carismático acendedor de lâmpadas de rua no filme “Mary Poppins Returns” (2018) e nas canções de “Moana”, das quais foi responsável pela composição.
Agora só nos resta esperar para ver Daveed Diggs, interprete de Marquês de Lafayette e Thomas Jefferson no musical, será premiado como melhor ator em minissérie/telefilme no SAG Awards 2021.
E já que mencionamos o Oscar 2021, acompanhe neste artigo nossas reações, surpresas e previsões para o tapete vermellho mais aguardado ano.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.