Hiroshima, Nagasaki e Gen Pés Descalços: Uma mensagem de esperança
Pearl Harbor
O início do mês de agosto nos remete a um dos eventos mais trágicos da história recente da humanidade, o bombardeio das cidades de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente nos dias 06 e 09.
Japão e Estados Unidos travaram uma guerra a parte na II Guerra Mundial. Os japoneses haviam atacado a base naval americana localizada em Pearl Harbor em dezembro de 1941 e, a partir dessa ofensiva, os norte-americanos entraram oficialmente na guerra. Vale lembrar que os atritos políticos entre os dois países remetem ao fim da I Guerra Mundial, quando os Estados Unidos barraram os avanços imperialistas do Japão, sobretudo na China.
A partir de 1941 o clima entre ambos piorou com alguns embargos econômicos impostos pelos Estados Unidos e as pressões para um revide dos japoneses se tornavam cada vez mais fortes. Como resultado disso o Japão organizou sua ofensiva e, surpreendentemente, atacou os Estados Unidos em sua base. Militarmente falando podemos considerar o ataque à Pearl Harbor como um fracasso, afinal, o inimigo não foi neutralizado e se tornou uma grande ameaça para os interesses japoneses na Ásia.
O ataque à Pearl Harbor permitiu ao Japão largar na frente na guerra que se travou no Pacífico. Foram várias vitórias sobre americanos, ingleses e franceses na Ásia. Porém, à medida que o conflito avançava, a recuperação dos Estados Unidos era evidente não apenas no campo militar, mas, também, nas questões econômicas e de produção de armamentos e embarcações.
Os norte-americanos possuíam recursos em grande escala enquanto os japoneses tinham recursos mais limitados. Isso ficou nítido a partir de 1942, quando os Estados Unidos passaram a vencer as principais batalhas enquanto encurralavam os japoneses. A vitória definitiva se daria através de um ataque com armas jamais vistas antes: as bombas nucleares.
Hiroshima e Nagasaki foram os alvos escolhidos e o resultado dos ataques foram milhares de mortos e outros milhares de sobreviventes com sequelas das mais variadas. Em 14 de Agosto de 1945, cinco dias depois do segundo ataque, o Japão entregou a sua rendição. E é nesse contexto que se inicia a história de um dos mangás mais importantes já publicados até os dias de hoje: Hadashi no Gen, traduzido em português como Gen Pés Descalços.
Hiroshima e Gen Nakaoka
A obra foi escrita por Keiji Nakazawa e aborda em específico o bombardeio sobre a cidade de Hiroshima. O personagem central é Gen Nakaoka, e nesse personagem o autor espelha as suas vivências como um sobrevivente do bombardeio, ou seja, a obra é também autobiográfica (por exemplo, o autor perdeu o pai, a irmã e um irmão no bombardeio). Além disso, o autor colheu inúmeros depoimentos de outros sobreviventes para compor sua história, procurando dar voz a todos os envolvidos neste triste episódio da história do século XX.
Nakazawa não poupa críticas ao governo japonês, tampouco ao governo americano e essas críticas podem ser vistas claramente no decorrer da história. A família de Gen Nakaoka é uma família pobre e seu pai, por ser um opositor à guerra, sofre nas mãos de todos ao seu redor e é considerado um antinacionalista. Os filhos são apedrejados por onde passam e sofrem humilhações diversas em seus afazeres.
A vida no Japão de Hirohito não era fácil, mas, o sentimento nacionalista havia criado uma imagem única de desenvolvimento e poder que mascarava a realidade, algo que Nakazawa não fez. Através das páginas de sua história ele aponta os problemas desse Japão, a extrema violência com que todos eram tratados, dentro e, principalmente fora do país.
O mangá também não poupa o leitor de imagens fortes e impactantes. Ao mesmo tempo que temos cenas cômicas e exageradas, somos confrontados com a dura realidade de uma guerra com cenas pesadas de destruição, explosões, corpos dilacerados e mortos. A ideia, muito bem executada, é chocar o leitor e abrir os olhos para o que foi a guerra e a destruição causada por uma bomba nuclear. Não há censura.
Uma mensagem de esperança
Art Spiegelman, autor de Maus, outro clássico daqueles que devem ser lidos e relidos várias vezes, escreveu em seu prefácio da primeira edição da Conrad: “A fé de Nakazawa na possibilidade da bondade pode tachar o trabalho, sob alguns olhos cínicos, como simples literatura para crianças. Mas o fato marcante é que o artista está relatando a própria sobrevivência. Seu trabalho (…) enfatiza a necessidade de empatia entre os homens para que possamos sobreviver a outro século”.
Em um dos momentos mais tocantes do começo da história, temos o senhor Nakaoka conversando com Gen. Ele o ensina a ser como o trigo, que deve ser pisoteado várias vezes para depois crescer alto e resistente, capaz de suportar qualquer adversidade. É aqui que o caráter de Gen é formado, um menino que, apesar de tudo, foi criado para ser honesto, bom, justo e que não se abate em meio às dificuldades. Esse é também um dos pontos centrais para uma das mensagens contidas nessa obra. Embora seja uma obra realista, a mensagem deixada por Nakazawa é sobre humanidade e esperança.
Assim como Maus, Gen Pés Descalços é uma obra que deveria ser lida ao menos uma vez na vida. É uma história que te leva ao riso e às lágrimas com a mesma facilidade. É uma história envolvente, tocante e necessária para nos lembrar de Hiroshima e Nagasaki como um evento que jamais deve ser repetido na história.
Este artigo foi escrito por Edu Molina e publicado originalmente em Prensa.li.