Homens sem rosto: de GOT para a realidade do Bruce Willis
Há alguns meses atrás, eu trouxe um artigo aqui na Prensa sobre como uma Inteligência Artificial foi criada a partir de mensagens de um falecido, e programada para ser um “bate papo” com o finado. (Macabro?)
Mas parece que não acaba por aí. A galera que ganhar dinheiro até depois da morte. (Herdeiros que se preparem).
The First One
Após se aposentar, Bruce Willis se tornou o primeiro grande ator de Hollywood a vender os seus direitos de imagem para uma empresa de deepfake (o que é isso? É uma tecnologia que se utiliza de IA para criar “imagens ou sons” fakes, mais usada para juntar uma fala qualquer a um vídeo pré-existente). A empresa se chama Deepcake (pergunto-me o que bolo tem a ver com isso…)
De direitos autorais até que a gente entende. Ceder sua utilização de imagem para uma marca, nada muito inovador, tudo bem até aí. O ponto nodal surge quando essa tecnologia permite colocar, digitalmente, o rosto de uma pessoa em outra para, assim, sincronizar seus movimentos e até a voz. Ou seja, um ator mais novo (ou talvez um dublê) vai ser só o corpo no filme, já que o rosto irá ser do doador dos direitos autorais.
Não se pode esquecer que a imagem que será criada dele também pode ser um “gêmeo digital”, ou seja, sem a necessidade de ter um ator contracenando (no mínimo diferente, não é mesmo?).
Machine Learning e o futuro no mínimo esquisito
Essa mistura de IA, com Machine Learning através de reconhecimento de padrões faciais e ajustes maquinários, com certeza, gerará diversos problemas. Só para começar, já existem as implicações de dados sensíveis post-mortem, e como englobar esses direitos autorais depois do falecido ter seguido sua jornada espiritual.
Atualmente, os direitos autorais possuem um “tempo de validade” (lembram, uns anos atrás, quando a Disney estava na correria em relação aos direitos autorais do Mickey pois já tinham passado mais de 70 anos da morte do fundador? Esse é o problema), ou seja: será que o rosto do morto, após ter passado esse lapso temporal, virará também domínio público?
Money, Fame, and Fortune
Claro que a família poderá continuar a receber o dinheiro do cachê pelo uso dos direitos autorais da imagem do ator depois que ele morrer, só que isso tem prazo de validade. Depois de um tempo, normalmente, virará igual às obras de Da Vinci, qualquer um poderá usar sem ter que pagar direitos autorais à família (o famoso domínio público). A única necessidade é informar que aquele rosto não lhe pertence, mas dinheiro, que é bom, não entrará mais. (Talvez um pouco de Arya de Game of Thrones aqui?)
Qual foi o motivo para esse homem aceitar isso?
Sinceramente, me pergunto isso. Contudo, o que ele afirmou é que se afastou da carreira depois de ter sido diagnosticado com distúrbio de linguagem, e obviamente, o acordo com a empresa permitirá ao artista ser colocado em qualquer projeto que a companhia quiser, sem a necessidade do mesmo ir lá, ou atuar. Em resumo: ele quer ganhar dinheiro mesmo doente.
O que vai ocorrer com o futuro?
Com certeza ele não será único. Os humanos possuem uma tendência de desejar realizar coisas e obras grandiosas ao ponto de seus feitos perdurarem por séculos, só que, sinceramente, isso pode gerar um grande caos.
Quando ele permite que uma empresa de se utilize de sua imagem, logo vem à minha mente a possibilidade de criar um holograma, ou colocá-lo em diversos anúncios e propagandas. Até chegar ao ponto que sua imagem vire domínio público, e qualquer um poderá utilizá-la, inclusive, abrindo diversos meios de cibercrimes. (Reconhecimento facial cresce a cada dia, e abrir contas digitais nos bancos está cada vez mais fácil). Seria necessário, no mínimo, um banco de dados governamental que checasse o reconhecimento facial com as certidões de óbito (bem difícil de se implementar, não?).
Isso é tão problemático não somente no ponto de vista jurídico como também social, que chega a aterrorizar o pensamento: como estará a humanidade daqui há 100 anos?
LGPD ataca mais uma vez
Fora a LGPD, e toda a preocupação com dados sensíveis, será que seria necessários englobar esse direito autoral à face (rosto) como direito inalienável e intransmissível, para que, assim, impeça as pessoas de venderem ou doarem seus rostos?
Direitos inalienáveis, como a vida, mesmo se o “possuidor” dele quiser vendê-lo, não poderá, será crime. Questiono-me como ficará o ordenamento jurídico, que, obviamente, não consegue acompanhar essas revoluções tecnológicas.
Concluindo…
Parece que Game of Thrones e “as pessoas sem rosto” não estão tão distantes assim da realidade. É curioso pensar que 1984 foi escrito quase 100 anos antes dos acontecimentos que o livro já previa, só que GOT não possui nem uma década de escrito, e suas projeções já estão acontecendo.
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Este artigo foi escrito por Maria Renata Gois e publicado originalmente em Prensa.li.