Hotel Transilvânia 4 poderia ser bem melhor
Imagem: Divulgação/Prime Vídeo
Vampiros são imortais, suas franquias não. Hotel Transilvânia chegou com monstros gentis e tornou-se um sucesso instantâneo em 2012. Quase 10 anos depois, o Transformonstrão é anunciado como capítulo final dessa saga, que como basicamente qualquer outra produção (com ou sem vampiros) é uma história de amor melhor que Crepúsculo.
Começou como o amor improvável entre uma vampira e um humano. O segundo filme trouxe um bebê como materialização desse amor e o terceiro longa provou que mesmo depois dos 570 anos é possível encontrar um amor, então não desista de procurar. Depois de tudo isso, o que restou a Hotel Transilvânia: Transformonstrão nos mostrar?
O fim do blá-blá-blá?
Drácula pensa em se aposentar e deixar seu querido hotel aos cuidados da filha e do genro. Ele só desiste de fazer o anúncio no último minuto por receio que o Jonathan faria com o lugar pela percepção de que mesmo tentando, ele sempre faz bagunça com tudo. Ao inventar a desculpa de uma lei que afirma que hotéis de monstros não podem ser comandados por humanos, surge o problema que fará a história acontecer.
Jonathan, valendo-se de seu otimismo com relação a tudo e usando todos os esparsos neurônios em sua cabeça, tem a genial ideia de procurar Van Helsing para ser transformado em um monstro aleatório, ao invés de sua própria esposa, uma vampira que adoraria transformá-lo para passarem a eternidade juntos e jovens.
A saga até tenta ressignificar o termo “tchan”, mas como alguém que cresceu nos anos 90, me é impossível desassociar tchan de músicas com qualidade questionável. (imagem: Divulgação/Prime Vídeo)
Aí humano vira monstro, monstros viram humanos e é preciso ir para o meio de uma floresta na américa latina (acho que a amazônia colombiana, mas não deixam claro). O resultado infelizmente é o filme mais fraco da franquia.
Eu juro que o filme é até engraçado, mas fico feliz de ter saído direto para streaming, cinema tá caro e contagioso demais para se arriscar indo em produções que não são incríveis como a maior bilheteria da história da Sony, que estreou no final do ano passado.
Falhou pela falta de Tartakovsky?
Adam Sandler abandonou a dublagem de Drácula e até mesmo a produção do filme. Seu amigo Kevin James também não voltou como Frankenstein, mas duvido muito que a ausência deles seja responsável pelo resultado final do filme ser tão abaixo das expectativas.
Genndy Tartakovsky é um gênio. Conhecido por criar obras como: O Laboratório de Dexter, Samurai Jack e Primal. Como diretor dos três primeiros filmes, é graças a ele que tudo é muito bem amarrado e a narrativa flui bem nos filmes anteriores, mesmo os roteiros (que ele não escreveu) não sendo lá grandes coisas.
Apaixonado pelo que faz, Genndy costuma ser detalhista e cuidar muito bem de suas obras. Hotel Transilvânia não é originalmente uma criação sua — o projeto era rascunhado na Sony desde 2006 — ainda assim era Tartakovsky quem garantia o charme e a personalidade dos filmes.
Produtor, roteirista, diretor, animador ou desenhista de vários desenhos famosos, inclusive de As Meninas Superpoderosas, seu nome é sinônimo de qualidade no meio, pena que faltou sua presença nesse quarto e decadente filme. (imagem: Divulgação/Sony Pictures Animation)
Genndy não dirigiu o quarto filme. Foi somente após refazerem o roteiro de Transformonstrão diversas vezes sem chegar a um resultado satisfatório que decidiram chamar Tartakovsky para tentar dar uma melhorada no que já estava semi-pronto, para “acertar o tom” como ele mesmo disse em entrevista.
Errar é humano ou é monstruoso?
Daria para passar muito tempo falando mal das soluções que o filme encontra para os problemas, como na história tudo acontecer só porque tem que acontecer! Em vez disso, vou me focar em três pontos e deixar os demais para não ser um texto inteiramente negativo.
1º — Drácula usar seu poder de congelar o tempo no começo do filme e não usar o mesmo poder minutos depois quando teria evitado toda uma série de problemas, claro que ele já fazia isso em outros filmes, mas mostrar a solução para não usá-la logo na sequência não faz sentido.
2º — Mavis resolveria o filme inteiro com facilidade, além da óbvia capacidade de transformar o marido e retransformar o pai em vampiros, ela sequer precisaria do celular (que nem deveria pegar numa floresta densa) para localizar os outros, podendo resolver tudo com seu apurado sonar.
Casado com uma vampira, tem um filho vampiro, até o sogro é vampiro. Mas vai pedir ajuda ao tatatatataravô da sogra humana para virar um monstro! (imagem: Divulgação/Prime Vídeo)
3º — Van Helsing ter uma arma que transforma monstros em humanos anula a história dos filmes anteriores, especialmente do terceiro, afinal, se dava para, com muitas aspas, salvar os monstros, por que ele e seus descendentes se esforçaram tanto para matar todos os monstros?
Temas familiares ou casos de família?
Quanto menos você pensar, mais se divertirá assistindo. Deixe suas reflexões para logo após o filme onde, além dos defeitos, você poderá constatar que de fato, temas importantes foram (mal) tratados ali.
Relações familiares é um assunto que permeou todos os quatro filmes, em geral víamos os personagens terminando cada longa melhores do que começaram. Nesse, já não tenho tanta certeza.
Mavis e Ericka aparentemente se entenderam após o cruzeiro, mas recebem pouco destaque e poucas falas aqui, talvez com a desculpa que o foco seria a relação entre Drácula e Jonathan, talvez porque pensaram nas duas apenas como piadas a serem feitas. É lastimável constatar que com ajustes mínimos, ambas poderiam ser removidas da trama sem prejuízo a história.
Drácula aceita que sua filha tenha se casado com um humano e adora o novo neto, mas isso não quer dizer que se entenda ou confie em Jonathan para cuidar do hotel. Saber que o jovem de vinte e poucos anos tem bom coração, ele sabe, o problema está nos gestos desengonçados que tendem a resultar em itens quebrados e lugares bagunçados após a ação do genro.
Se era mesmo para ser um filme em que os dois se entendessem, limitar-se ao Drácula vendo a determinação de seu genro em ajudar sem querer nada em troca é pouco, é o mesmo visto nos filmes anteriores. Drácula foi transformado em humano e destransformado sem entender melhor e ter mais empatia pelos humanos. Fica parecendo que no final ele só entregou o hotel porque tudo ficou em ruínas durante sua ausência.
Já do lado do genro, é bonito ver seu esforço para melhorar a imagem que Drácula tem dele. Estamos falando de um humano que busca a aprovação do sogro, que quer ser reconhecido como alguém que faz parte da família, independente dos parentes serem da mesma “espécie” ou não.
É um dilema de fácil identificação, especialmente para os adultos assistindo ao filme, afinal, o que não falta são relatos de sogros e sogras que tentam complicar a vida de genros e noras por não acreditarem que estão à altura dos seus descendentes. Não é atoa que piadas de sogra são tão corriqueiras, são quase uma vingança coletiva dos que já sofreram para fazer parte de uma nova família.
O que poderia ser uma versão animada do Ben Stiller tentando ser aceito como genro do Robert de Niro em Entrando Numa Fria (2000), acaba sendo um filme sobre dois homens que vão em uma missão na floresta e voltam com basicamente os mesmos pensamentos de um sobre o outro, o filme não traz progressão, ele termina revertendo tudo quase ao status inicial em termos de relacionamento entre os personagens.
Você não precisa virar um vampiro para ser aceito por sua família, mas é uma ótima sugestão caso queira passar alguns séculos com sua esposa e seu filho.
Jonathan terminar a história como humano faz um certo sentido narrativo dentro da temática de aceitação e tudo, mas se o filme não tivesse focado tanto nesse ponto dele como humano e como monstro, a história chegar ao fim com ele sendo um vampiro faz bem mais sentido avaliando a franquia como um todo.
E foi assim, com uma história incapaz de sustentar-se, que chegou ao fim mais uma franquia dentre as tantas existentes na cultura pop. Particularmente, vou fingir que acabou no terceiro filme se um dia vier a revê-la.
A expressão facial de quem assiste ao filme deve passar por todos os rostos acima. Não sei a minha ficou mais parecida com do Wayne (no canto direito) ou a do Griffin (no canto esquerdo) (imagem: Divulgação/Prime Vídeo).
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.