HP Lovecraft e o preconceito acerca do desconhecido
HP Lovecraft é um escritor de renome e mundialmente conhecido por seus contos de terror.
As obras de Lovecraft são consideradas clássicos da literatura mundial e há algum tempo se tornaram polêmicas. Mas por quê?
Se tu acompanhas o meio literário, provavelmente já te deparaste com duras críticas ao famoso escritor e acusações que vão de xenofobia a racismo.
Não é necessário que se estude os hábitos de vida e os pensamentos do autor para perceber que essas acusações trazem verdades, e é isso que vou esclarecer.
O medo do desconhecido
O maior recurso dos contos de Lovecraft é o medo do desconhecido. A trama de suas histórias sempre gira em torno de ameças ocultas no inexplorado.
Em O Chamado de Cthulhu, sua obra mais conhecida, o terror se esconde no fundo do oceano.
Cthulhu, conhecido e cultuado por poucas pessoas, dorme no fundo do oceano à espera do dia em que será despertado para trazer caos e horror à humanidade.
A humanidade sempre há temido o desconhecido. É uma medida evolutiva de sobrevivência. Não podemos nos proteger do que não conhecemos.
Usufruindo desse detalhe, o escritor transforma os protagonistas de suas histórias em incapazes. Eles não podem fazer nada para impedir o fim.
A humanidade sempre está por um fio no universo lovecraftiano, e ninguém pode fazer nada para impedir isso.
O terror está bem à tua frente. O sentimento de ansiedade e impotência aparece, e é como um jumpscare que nunca chega.
Mas o que isso tem a ver com preconceito?
O preconceito é uma ideia pré-concebida a respeito de uma pessoa ou um grupo baseada em estereótipos e generalizações.
E nesse contexto, as idéias levantadas por essas generalizações são hostis e desrespeitosas.
O preconceito não é fundamentado por dados objetivos ou sólidos, sendo apenas uma crença deturpada e ignorante.
Uma pessoa preconceituosa irá criar ideias irracionais e agressivas sobre o que é diferente dela — do que ela não participa e não conhece.
Ela ataca o que é estranho à ela, o que é desconhecido. E é exatamente esse o ponto no qual os contos de Lovecraft se assemelham a ele.
Onde o preconceito se manifesta
Nos últimos anos, ouvi muito sobre o preconceito de HP Lovecraft. Vi, inclusive, fãs que admitiam realmente haver tal conteúdo em seus livros.
Ouvi pessoas dizerem que bastava ler suas histórias para perceber claramente seus ideais.
Pensava ser um exagero até ver com meus próprios olhos. Podia realmente ser preconceituoso, mas não acreditei que seria tão claramente.
É muito comum que o autor ligue etnias e nacionalidades ao mal. Não apenas em descrições, mas também colocando uma quantidade estúpida de vilões estereotipados.
Como se o mal estivesse ligado a uma cor de pele, Lovecraft faz questão de ressaltar bem a etnia de seus vilões.
Sobre indígenas, o escritor mantém uma estereotipização absurda e os liga frequentemente a forças malignas.
Em uma passagem de O Chamado de Cthulhu, podemos ler o trecho "...negros e mulatos, em grande parte índios ocidentais ou portugueses de Brava, em Cabo Verde, davam uma cor de vodu para o culto heterogêneo".
Em algumas culturas, albinos são relacionados à bruxaria, e o autor de O horror de Dunwich não podia deixar isso passar.
Sendo uma das vilãs, Lavínia cultua forças malignas e tem um filho com uma entidade cósmica. De forma pejorativa.
Ao longo do texto, Lavínia é chamada de "albina desmazelada", "albina disforme", "albina, meio deformada" e "albina retorcida", em ordem.
Também vale lembrar de Abdul Alhazred, que é descrito como um "árabe louco" em todas suas aparições.
A genialidade de seus contos
Para Coelho Branco, influencer, "os contos de Lovecraft são geniais não porque ele era um gênio, ele é o espelho do pior que existe em toda alma humana".
Então por que seus contos são geniais? Porque eles refletem os pensamentos e a mente de uma pessoa preconceituosa em sua forma mais sarcástica.
Sem querer, o escritor desenha um quadro de seus pensamentos intolerantes. Quase como uma piada de mal gosto, ele é exposto por si mesmo.
Eu devo ler HP Lovecraft?
Sim!
Em uma análise crítica, podemos aprender muito com sua leitura. Conhecer a mente desse tipo de pessoa é uma experiência mais que válida.
As reflexões e interpretações que a obra nos permite são inúmeras. Avaliar seu conteúdo fugindo do ódio irracional nos traz outros sentidos e caminhos novos em relação a trama.
Pensar em quão deturpada é a visão de uma pessoa preconceituosa e em como isso reflete em seus textos é interessantíssimo.
Tu podes aprender muito com a ignorância alheia. Então sim, leia HP Lovecraft.
Imagem de capa - Cthulhu repousa no fundo do oceano — Sigmund via Unsplash
Este artigo foi escrito por Jhully Gabriele Barros e publicado originalmente em Prensa.li.