Hunters, quando a vingança é um prato que se come quente
Capa da série Hunters (Imagem/reprodução: Amazon Prime Video)
(Atenção: contém spoilers)
Um grupo de judeus, armado até os dentes e cheio de habilidades de combate, está literalmente caçando nazistas para lhes dar um destino sem volta, o mesmo que os próprios nazistas desejam e realizam para suas vítimas.
Não, não estou falando de Bastardos Inglórios.
Trata-se da série Hunters, produzida pela Amazon Prime Video e estrelada por Al Pacino. Sua primeira temporada, de 2020, trouxe uma narrativa em 10 episódios que conta a história de Jonah Heidelbaum (Logan Lerman), um jovem que vive o luto recente da morte de sua avó, nos idos anos 1970.
Ao pesquisar a fundo aquilo que se revelaria um assassinato, o rapaz é tragado por uma teia de conspirações em torno da presença de ex-oficiais nazistas vivendo tranquilamente nos EUA.
Nesse meio tempo, somos apresentados a Meyer Offerman, vivido por Al Pacino, que lidera uma equipe de caçadores judeus com um único propósito: caçar os seguidores de Hitler, que querem instaurar o 4o Reich em solo norte-americano.
Entre cenas de lutas, mortes e perseguições, acompanhamos as histórias de vida de personagens que viveram nos campos de concentração nazistas. Baseados em histórias reais, as narrativas ficcionais representam a dor e o terror vivido pela população judia durante a dominação hitlerista na Alemanha.
Histórias que entrelaçam ficção e realidade.
Uma história de sobrevivência
Ela passou três dias em um trem até chegar ao complexo Aushwitz-Birkenau, um dos maiores campos de concentração e extermínio do governo nazista. No vagão em que viajava, dezenas de pessoas também rumavam para o mesmo destino. Detalhe: apenas um balde era utilizado para as necessidades fisiológicas de todos ali.
Ninguém sabia o que iria acontecer, como ela mesma diria, anos depois, ao recordar os eventos traumáticos daquele período.
No momento em que desembarcaram, porém, ela soube exatamente onde estava. Gritos de guardas causavam temor e criavam um ambiente de medo e tensão. Mas, o pior ainda estaria por vir: ela encontraria uma montanha de cadáveres à sua frente.
Esta é a história de Edith Baneth, judia, nascida na Tchecoslováquia em 1926. Sobrevivente do holocausto, ela contaria suas memórias anos depois ao jornal britânico The Daily Mail.
Edith Baneth (Foto: Christopher Furlong/The Daily Mail)
Como ela, milhares de vítimas judias que fugiram dos horrores do nazismo puderam encontrar refúgio em outros países, reconstruindo suas famílias e seguindo adiante.
As narrativas destes sobreviventes, tempos depois, vivendo sua velhice em paz, são a melhor expressão da vitória sobre o mal encarnado na ideologia hitlerista e sua solução final pautada no extermínio dos judeus.
Teriam essas pessoas algum desejo de vingança por tudo o que aconteceu? Eu, sinceramente, não os julgaria por isso. Perdendo entes queridos, sendo sequestrados de toda a dignidade humana, motivos não faltam.
Há, porém, um provérbio do Talmud, coletânea de livros sagrados dos judeus, que diz que “viver bem é a melhor vingança”. É uma forma de dizer que, para seus inimigos, ver você feliz e vivendo uma vida boa e tranquila é a melhor forma de vingança. Sem sujar as mãos de sangue, sem maior sofrimento.
Reparação histórica
A estética de Hunters passeia pelos filmes B dos anos 1970, com referências às películas de guerra, que exploram ao excesso cenas de violência, sexo e absurdos.
Para além dos recursos filmográficos, contudo, podemos notar que o objetivo, além de entreter, claro, é contribuir numa espécie de reparação histórica, muito presente nos filmes de Quentin Tarantino.
O Hitler fuzilado em Bastardos Inglórios ou o escravagista morto por um negro em Django Livre são paralelos que encontram reflexo nos nazistas castigados por judeus da série da Amazon.
E é preciso ressaltar que há claras insinuações em Hunters sobre como o esquecimento e a impunidade podem trazer de volta antigos monstros. O personagem Meyer diz uma das frases mais interessantes da trama ao jovem Jonah: “Só existe o passado se repetindo, com novos jogadores esperando que os resultados sejam diferentes”.
Meyer (Al Pacino) e Jonah (Logan Lerman) conversam durante jogo de xadrez (Imagem/reprodução: Amazon Prime Video)
Hoje, convivemos com menções e referências ao nazismo partindo de diversos locais da sociedade. De deputados e youtubers que defendem a existência de um partido nazista a membros do governo federal que escancaram sua simpatia à supremacia branca. Falamos sobre isso em texto anterior nesta coluna.
Por mais que a crítica mundial tenha se mostrado dividida sobre a qualidade da série, Hunters é, para este que vos escreve, uma excelente oportunidade para relembrar ao público que nazismo não se tolera, muito menos se esquece.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.