A inflação do Brasil e a inflação dos brasileiros
Parece contraditório (dicotômico, diriam filósofos economistas): “Como assim? Há duas inflações no Brasil?”. Parece engodo (estratégia, diriam analistas de segunda linha reacionários): “Como assim? As autoridades econômicas estão enganando a gente?”. Parece balela (burrice, diriam economistas de porta de botequim): “Esse pessoal que se diz especialista não entende nada de economia, na verdade”.
Um dos problemas reais desse fato é que as estranhas da macroeconomia são compreensíveis apenas por quem as estuda academicamente, mas os efeitos delas são sentidos por quem jamais ouviu falar nem sequer no termo “macroeconomia”. O outro problema é que seu alcance chega a praticamente todos os campos das atividades de um país:
Político: macroeconomia mal dirigida destrói a imagem de qualquer governo
Sociológico: rumos econômicos incertos fazem sociedades incertas, aumentando índices de violência familiar e social e relações cidadãs conflitantes sem motivos fortes
de investimento: empresas potencialmente fontes de divisas se afastam de sistemas macroeconômicos deficitários
Infraestrutura: recursos para manutenção e melhoria das condições básicas de desenvolvimento se tornam improducentes por falta de esquema adequado de aplicação
Inflação do Brasil não percebida
A percepção do ministro da Economia, Paulo Guedes, parece não estar lado a lado com especialistas do setor. Nesta semana, a terceira de agosto de 2021, optou por criticar os pessimistas, lançando mão de um termo costumeiramente usado contra seu próprio chefe governamental. Então, procurou destacar que o brasileiro não pode se deixar levar por pessimistas que buscam discutir economia apenas por visão política e, assim, se mostram “negacionistas” em relação aos avanços do país.
O paralelo foi feito em ocasião organizada pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo - SBVC, cuja pauta foi mencionada pelo site UOL. O fato é que o tal “negacionismo” é produto justamente da distância entre a inflação do Brasil e a inflação dos brasileiros. Os segundos não sentem o estado dos preços que o primeiro divulga.
Em análise de conceito e não prática, pode-se concluir que essa disparidade se dá em razão de o país medir sua inflação por números e o brasileiro calcular a sua pela realidade.
Estranho, isso, não? Sim.
Por outro lado, a maneira como o cidadão comum sente sua inflação é explicável também por números. Não os números mostrados em planilhas oficiais de órgãos oficiais com motivos não tão oficiais assim.
Por que a percepção é diferente da realidade
Circuito econômico, fluxo monetário, produto interno bruto, hegemonia financeira, política monetária, níveis de preços, taxa de crescimento, renda nacional, variação cambial etc. É possível que 50% ou mais dos brasileiros jamais venham a sequer ouvir termos semelhantes. Certamente, 80% ou mais dos brasileiros que já os ouviram não têm a mínima ideia do que significam.
Esses termos fazem parte do universo da macroeconomia (outro termo alienável) e alteram a vida de todos que já ouviram ou que nunca venham a ouvir. Nesse contexto, há quatro tipos de brasileiros:
Leigo por alienação
Aquele que autoridades mantêm leigo
O ocupado com o próximo prato de comida
Aquele que usa esses termos para ludibriar os outros três
Esse último tenta explicar por que a inflação gira em torno de 5 a 7% se o preço do arroz e do feijão subiu 50, 60, 70%. Por mais explicações que deem, a realidade foge delas. E as contradiz.
Para os três primeiros tipos de brasileiros, não adianta saber que a inflação é medida pela média de preços; no meio deles, estão os preços dos alimentos. Se o valor dos alimentos está alto, mas o dos aluguéis, do vestuário, da eletricidade etc. não está (não é o caso do Brasil, aliás), a média puxa a inflação para baixo.
Fica mais fácil se minimizar a quantidade de itens: imagine que o kiwi custe 15R$, a tâmara 15R$ e a banana custe 10R$; a média de preços calculada seria de apenas 13R$, o que já indignaria o cidadão que precisa comer banana. Imagine ainda que, em certo período, o preço do kiwi suba 5%; o da tâmara suba 5% e o da banana avance 40%. Então, os órgãos oficiais diriam que a inflação foi de apenas pouco mais de 16%.
A esmagadora maioria dos cidadãos consome banana. Nesse cenário, quem gosta dessa fruta (maioria) vai estranhar a média de preços. Afinal, pelos números apresentados, o preço da banana deveria ser de 11,60R$ e não 14R$, que é a realidade.
Números da Inflação X Realidade dos Preços
E a realidade permanece consumindo as noites dos brasileiros pela preocupação e sua dignidade por se sentirem enganados, ludibriados. Para tornar “a coisa” mais compreensível, os inteligentes da economia criaram o conceito - abstrato, portanto - de “Cesta Básica”. Nela, incluem-se transporte, vestuário, moradia, alimentos, higiene pessoal e domiciliar, que compõem conjunto de 39 itens.
O problema é que as autoridades “acham” que a comida é barata. Em setembro passado, o diretor do Departamento de Comercialização e Abastecimento, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa, Silvio Farnese, chegou a dizer que “comida no Brasil ainda não é cara”. Segundo ele, o brasileiro correu ao supermercado assim que começou a receber auxílio emergencial.
Trata-se do tal “custo de demanda”. Outro termo usado para explicar o inexplicável. Coisas de autoridades que passam três meses de férias na Europa.
Uma realidade intragável: commodities
Ivanilda Rangel, articulista do Prensa, em seu texto Economia no Brasil, destaca que “...a dívida pública externa cresce e este fator impacta a entrada de investimentos”. Assim, o que já se mostra intratável passa a se apresentar como intragável. Ela continua: “Além disso, o custo-país, que é um conjunto de problemas estruturais, burocráticos, financeiros e políticos que encarecem o investimento no Brasil, também impacta o crescimento da economia”.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea divulgou recentemente dados que indicam - mas não convencem - alguns motivos para pressão inflacionária. Os custos do botijão de gás e da eletricidade foram algozes entre junho e julho. Assumiram toda a culpa pela queda de 30% maior no poder de compra do contribuinte mais pobre em relação aos mais ricos.
Por outro lado, o desempenho da economia em si tem sido exaltado por aquelas autoridades e especialistas. E usado como escudo para uma série de maus passos e péssimas decisões, segundo outros especialistas, mas da ala adversária. Em verdade, trata-se mesmo de bom desempenho… ainda que em nível à parte do brasileiro comum.
O que são commodities
Considera-se commodity (mercadoria no sentido profundo e abrangente do termo) todo produto com característica de matéria prima. Além disso, é preciso que sua essência se mantenha inalterável independentemente da região e a qualidade se alongue por tempo razoável. Dessa maneira, assume atributos especiais e importância no mercado mundial, passa por raros passos de industrialização e obtém forte apelo comercial naturalmente.
É o caso do café, soja, trigo, milho etc., tipo agrícola; minérios nobres e seminobres, gás natural etc., tipo mineral; água, madeira, geração de eletricidade etc., tipo ambiental, entre outros.
Ocorre que as commodities principais estão com o preço elevado; dentre elas, as produzidas pelo agronegócio brasileiro. Nesse horizonte, as exportações têm crescido porque a demanda por alimento se intensificou durante a pandemia. E isso, apesar de se mostrar excelente para o Brasil, pode ser um tiro no pé.
Os preços das commodities são coordenados pelo mercado internacional. Ou seja: o Brasil, não obstante produzir muito, e outros produtores não têm poder para compor seus preços. Nem mesmo sugerir. A depender da demanda, o preço vai oscilar a bel-prazer dos compradores. No momento atual, a “coisa” está boa para o Brasil.
Mas e quando a onda, vulgo pandemia, passar?
A economia que o brasileiro não vê
Dessa maneira, diz-se que a economia está em patamares aceitáveis perante parâmetros ditados pela Covid-19. Os índices de inflação do Brasil são recalculados constantemente - para cima; o desemprego anda tocando os cumes; o PIB tem sido projetado para baixo. Mas as commodities estão se comportando bem e, por isso, a economia está boa.
É essa boa economia não percebida que deixa o brasileiro de queixo caído. É aquela economia registrada em números - apenas em números, que não representa a realidade do brasileiro comum - que arranca sorrisos de autoridades.
Você pode compreender melhor essa disparidade acompanhando os diversos artigos sobre Economia na Prensa.
Esteja por aqui.
Imagem de capa - A gritante diferença números e realidade inflacionária (Imagens - Flickr e Jornal do Comércio; montagem - Smigg
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Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.