Injustice – A ditadura do Superman
Quando eu era garotinho – lá nos anos de 1980 – eu gostava muito do Superman, pois era a figura imponente do homem (não era terrestre, mas era humano) que voava e lutava contra o que chamavam de mal. Eu cresci e comecei a ler e ver outras coisas que moldaram meu pensamento de hoje e me fizeram ver o mundo muito amplo e muito mais literário. Com a filosofia, vi um mundo muito mais racional e muito mais além do que todo mundo faz ideia. As coisas não são tão simples e entender isso requer muito estudo e dedicação.
Mas, com a sistematização dos estudos de filosofia – desde a Grécia clássica – dei de cara com a questão do mito. A visão do mito dentro da filosofia mudou por causa do rompimento com a filosofia iluminista – racional e antirreligiosa – onde o mito era um tipo de religião antiga e não existe nada disso.
Hoje, se diz que os mitos eram jeitos de explicar fenômenos. Na obra Paideia de Werner Jaeger, aparece a educação do homem grego antigo como uma educação através do mito, sempre fazendo as crianças e os jovens (a adolescência é uma visão recente) terem noção do que era ser um grego.
Biólogos e antropólogos – graças à descoberta do nosso parentesco como espécie dos primatas – nos colocam como animais imitadores.
Como animais imitadores somos educados com exemplos, e por isso, somos levados ao mito. Superman e outros heróis, são mitos educadores como sempre tivemos na história mas, hoje, achamos que são só uma questão mercadológica.
Claro, há uma questão mercadológica de se arrecadar ou ganhar aquilo que se produziu com a produção do produto, mas, é uma ingenuidade muito grande colocar os filmes de heróis (ou animações) no escopo da indústria cultural. Há um fator muito além do mercadológico, pois os pontos morais que os heróis colocam são pontos bastante interessantes e o ponto moral do Injustice (animação feita a partir de uma serie em HQs) é bastante interessante.
A história começa com o Clark Kent (Superman) tendo a notícia que ele vai ser pai porque ele ouve dois corações ao mesmo tempo. Corre para ajudar Batman (Bruce Wayne) e conta a novidade, mas ele sai e pede para o “homem de aço” arrumar tudo. A cena muda e mostra Lois Lane com o Jimi pagando uma transação indevida, aparece o Coringa (estereotipo muito mais velho e muito mais sombrio), dá um tiro em Jimi (matando-o) e sequestra Lane. Podemos dizer que entramos em universos paralelos, o que a DC e a Marvel costumam chamar de Multiverso.
A questão é: o Coringa faz morrer vários membros da Liga da Justiça e usa o gás do Espantalho (que também morre), para iludir o Superman e matar Lois e detonar uma bomba atômica - o que o Coringa chamou de A Grande Piada.
Superman se descontrola e encontra Coringa com Batman e mata ele com um soco. Toda a animação é sobre justiça e vale tudo para garantir a paz mundial, até que, num ápice de raiva, mata vários jovens que apoiavam o Coringa e ficaram o chamando de “fascista”. Será que Superman não estava sendo, realmente, fascista? Porque toda imposição é uma ditadura e uma violência do direito de escolha, que é a essência da liberdade.
Frase do tio do Homem Aranha – da Marvel, mas serve para o contexto – tio Ben dizia, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Uma frase típica kantiana, pois, se você tem poderes maiores que os outros, isso quer dizer que você é responsável por aquilo que você faz.
Immanuel Kant (1724- 1804) dizia em seu imperativo categórico que “Aja como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal", ou seja, nosso exemplo pode ser imitado e feito por todo mundo de maneira equivalente. Kant racionalizou a questão cristã do não fazer com os outros o que você não quer que façam com você.
Se, por um lado, o Superman deveria pensar antes – a meu ver, ele tinha sentimentos – por outro, a ação do Coringa desencadeou uma reação que ele não esperava. Aliás, levou à sua morte e ele previu – Batman duvidou – que o Superman não seria tão justo e certinho.
A questão seria: é justa a vingança pura e simples? Seria justo o Superman impor tudo isso em nome da paz e em nome da justiça? Nosso lado parcial diria que sim, mas nosso lado racional diria que iríamos nos igualar a quem nos fez mal. Superman, querendo ou não, era o guardião da justiça e não é humano, Batman era e raciocinou diante do ceticismo justo sem um utilitarismo barato que nos mostra que a morte de poucos, vale muito mais do que a de muitos. Isso traria a felicidade.
A que preço a felicidade? O que é a felicidade? Na concepção de felicidade grega, era o bem-estar e a questão da autonomia, mas, na concepção moderna, felicidade seria sermos libertos para fazer o que quisermos.
Exato, a liberdade tem um viés iluminista e não pode ser relativa – aliás, os iluministas fundaram o conceito usado na revolução francesa – que era fraternidade, igualdade e liberdade.
No modo clássico – a velha guarda da DC – o Superman era certinho, coerente demais. Na trilogia clássica – o primeiro até o dois era ótimo, mas o terceiro foi esquisito - com o ator Christopher Reeve, o Superman era certinho, até o segundo filme que mostra ele mais humano.
Na biografia não autorizada do Superman do Glen Weldon – comprei em uma feira do livro – o escritor mostra que, no começo, quando o inventor do herói fez o personagem, ele não era tão “bonzinho”. Na verdade, a ideia era que o Superman viesse para a Terra como um destruidor – como foi feito em várias histórias na época – e faria o caos nos governos e nas sociedades. Era uma espécie de jovem, que quer só curtir com grandes poderes e, quando a DC compra o personagem, modifica e ele fica com um ar de América para os americanos, uma coisa da justiça americana que educaria as crianças norte-americanas. E, por que não, educar as crianças mundiais com os ideais norte-americanos?
Agora eles mudaram e tática com as novas gerações – a minha já começou a ver essas mudanças nos anos 1980 – pois, colocaram os heróis muito mais humanos. Superman não esconde os seus sentimentos, Batman ficou muito mais sombrio. Se por um lado seria justo Clark Kent matar o Coringa (livrar o mundo dos vilões), também é justo Bruce Wayne querer que eles sejam julgados. Qual seria a pena do Coringa depois de milhões de mortos numa explosão nuclear? Seria justo matar jovens porque apoiam um vilão?
A felicidade de poucos não pode depender da liberdade de muitos. Boa animação e está na HBO Max.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.