Inteligência Artificial | Seres Artificiais
Uma bela manhã, você acorda e diz:
— Good morning, Alexa.
— Good morning, Reader — ela responde, enquanto você tira o pijama e segue interagindo.
— Alexa, play my favorite song, please.
Ela toca Ao Vivo e a Cores, do Mateus&Kauan. Então, você vai para a cozinha preparar o desjejum. Enquanto espera a cafeteira fazer o seu café, desbloqueia a tela do seu celular para consultar as principais notícias.
Isso parece normal para você?
Dez anos depois...
— Good morning, Demmy.
— Good morning, Reader — ela responde, flutuando ao lado da sua cama, enquanto você tira o pijama e segue interagindo.
— Demmy, play my favorite song, please.
O seu quarto é inundado de sons melódicos. Stand by Me, do Oasis, escapa da lâmpada, da cabeceira, do abajur, de todos os cantos, enquanto você vai para a cozinha preparar o café.
Demmy o segue, pairando ao seu lado e a música agora toca na geladeira, nos armários, enquanto o quarto já está em silêncio.
— Demmy, show me the news, please.
Demmy, planando a sua frente, projeta uma tela na qual você interage com seus olhos, varrendo as principais notícias.
Isso parece possível para você?
Vinte anos depois...
— Good morning, Hillary.
— Good morning, Reader — ela responde, enquanto a imagem dela se forma num holograma ao lado da sua cama. Você troca o pijama e segue interagindo.
— Hillary, play my favorite song, please.
O seu ouvido é inundado pelos acordes precisos da guitarra de David Gilmour, em Confortably Numb, mas você não usa nenhum fone de ouvido.
Quando chega na cozinha, ao preparar o café, você continua ouvido a música por meio de um pequeno equipamento, feito de grafeno, implantado no seu crânio.
Hillary transmite a música para este equipamento por bluetooth, que o reproduz no osso apófise mastóide, possibilitando ao som se propagar até os seus tímpanos.
— Hillary, show me the news, please.
Hillary projeta imagens na sua lente de contato, permitindo-lhe interagir com movimentos da retina para repassar as principais manchetes do dia.
Isso parece impossível para você?
Independente das respostas que você deu a este pequeno exercício de futurologia, não há como deixar de torcer para que a interação entre nós e essa Entidade, conhecida hoje pelo termo celular, seja cada vez maior.
Ao longo dos anos, a relação entre nós e nosso aparelhinho tão necessário só vai aumentar, até chegar o momento de encapsularmos parte dele.
Num futuro muito breve, seremos água, células, micro-organismos e algumas peças eletrônicas, formando um ser humano ainda mais complexo.
O ambiente recompensa vidas complexas. Lembra dessa máxima?
Quando Joseph-Mariae Jacquard, introduziu o primeiro tear totalmente automatizado, em 1804, visando automatizar processos de fabricação de tecidos.
Foi quando começou a fase de recompensas maravilhosas que as máquinas nos entregam, dando início a grande aventura, rumo a relação entre homem e máquina, que possibilitaram tantos avanços.
Ada Lovelace e Charles Babbage deram um impulso, mas foi Herman Hollerith que provocou a mudança mais drásticas nas máquinas. Em 1890, ganhou uma concorrência, com objetivo de melhorar os processos do censo dos EUA.
Hollerith usou cartões perfurados para processar as respostas em tempo recorde. Mais tarde, fundou a empresa que originou a criação da IBM.
Depois da primeira transmissão de imagens televisionadas ao vivo entre os Estados Unidos e a França, em 1962, ano em que foi inaugurada a era da comunicação global.
A televisão se tornou para o homem, o que o trigo significou para aquele homem primitivo há milhões de anos.
As máquinas de calcular de uso comum, causaram, em 1970, outro fenômeno interessante para estreitar a relação homem e máquina.
Fabricadas pela Texas Instruments, em parceria com a Japonesa Canon, a Pocketronic logo se tornou uma necessidade vital para o mundo dos negócios.
A partir daí, homem e máquina entraram num ciclo evolutivo sem precedentes da história humana.
Se a nossa relação com as máquinas é profícua, se isso nos torna seres humanos melhores, se somos recompensados pelo ambiente, a consequência natural é acelerarmos à evolução das máquinas com uso da Inteligência Artificial.
Estas máquinas fantásticas habitam todos os campos: da indústria à medicina, dos carros às geladeiras, inundando o nosso cotidiano com suas incríveis e geniais conveniências.
Assim como o trigo tornou possível ao homem se fixar e deixar de ser nômade, as máquinas tornaram possível ao ser humano alcançar horizontes jamais imaginados por Jacquard ou Lovelace.
Olhe para o seu celular e diga, sinceramente. Você espera mais dele?
Eu espero. Assim como espero também viver para conhecer a Hillary. (rsrs)
Quando foi a última vez que você foi consultar um jornal ou telejornal para saber se ia chover no final de semana?
Qual foi a última vez que você recorreu a outra fonte, que não o celular, para saber como está o trânsito?
Há dezenas de perguntas como estas, todas com a mesma resposta: não sei.
Isso acontece, porque nós usamos esse artefato de modo tão intenso, que parece uma extensão do nosso corpo.
Agora, vamos compará-lo ao nosso carro. Mesmo a um Tesla. Qual dos dois está no estágio mais avançado? Agora compare com outras máquinas. A sua geladeira, o microondas e mesmo o seu notebook.
Propositadamente, vou excluir aqui os Assistentes Virtuais como Alexa, EchoDot e similares. Vamos voltar a eles um pouco mais à frente.
Certamente, você respondeu sim às perguntas. É fácil perceber que o celular é muito mais evoluído que todos eles juntos.
Isso nos permite afirmar: Temos um Ser Artificial dotado de Inteligência Estruturada.
Vamos combinar de usar o termo Ser Artificial para designar o celular daqui por diante, assim, vai ficar mais fácil entendermos a analogia.
Isso é prova de uma simbiose entre Seres Humano e estes Seres Artificiais?
Os tecnocéticos dirão: não, o celular simplesmente vem sendo evoluído por nós, os seres humanos, para responder a nossa necessidade de comunicação, o núcleo central das atividades humanas, assim como foi com o rádio e a televisão.
Então, como se explicam as novas linguagens corporais, surgidas dessa relação?
É nítido perceber mudanças gramaticais aceleradas em todo os idiomas do globo. Não são resultado da anatomia deste Ser Artificial?
Existe outro objeto ou criatura que tenha despertado um novo plano sensorial no corpo humano? Que tenha trazido uma nova forma de se comunicar? Não é nítida a convergência dos sentidos da fala e da audição para o tato?
Para entender melhor, vamos recorrer ao estágio de evolução dos Seres Biológicos.
Estes seres possuem Inteligência Amórfica, pois, o Ser Biológico conhece o ambiente. Hardware e Software são equivalentes e evoluem geração após geração.
Há milhares de Seres Artificiais que conhecem o ambiente. Até lâmpadas. Os sensores estão presentes na maioria dos dispositivos tecnológicos, justamente para cumprirem esta função: conhecer o ambiente.
Muito bem. O nosso raciocínio nos trouxe até um ponto aonde podemos concluir que este Ser Artificial (o nosso celular) vai muito além de conhecer o ambiente.
Podemos estar diante de um Ser Artificial com uma inteligência mais evoluída?
Vamos rever o conceito do próximo nível: a Inteligência Estruturada.
O Ser compreende o ambiente, mas mantém as mesmas características, evoluindo apenas de uma geração para outra.
Podemos afirmar que este Ser Artificial (o nosso celular) possui uma Inteligência Estruturada? Ele compreende mesmo o ambiente a sua volta? Quando deixamos o celular cair, ele sabe que caiu?
Existe informação disponível para que este Ser Artificial possa compreender esse tipo de evento? Antes de responder leia esse pequeno texto:
Alguns modelos de celular possuem sensor de queda. Se o idoso cair
e estiver com o celular no bolso, por exemplo, o movimento brusco é
detectado e o aparelho liga para um número pré-configurado.
O que você leu faz parte de um texto publicada neste site(1), mantido por um grande veículo de comunicação na internet, em 4/09/2012. A matéria apresenta uma inovação para o uso do celular: monitoramento de quedas dos idosos.
Perceba: há dez anos já possuíamos um Ser Artificial dotado de sensores capazes de conhecer o ambiente e compreender o que acontecia à volta. Algo típico de um Ser dotado de Inteligência Estruturada.
Esse Ser Artificial possui um Algoritmo mais ou menos assim:
Início do Loop
Realizar leitura do Sensor de Gravidade
Se o Sensor de Gravidade indicar queda
Iniciar contador de Tempo
Iniciar Loop do Tempo
Se Tempo for maior que 3 minutos
Iniciar Algoritmo de Ligação de Emergência
Senão
Continuar a contar o Tempo
Fim do Loop do Tempo
Senão
Voltar ao início do Loop
Fim do Loop
Note, o Ser Artificial vai aplicar o conceito do Argumento, um método de raciocínio pelo qual um ser dotado de inteligência analisa um conjunto ideias lógicas conectadas, utilizando uma delas, a premissa, para oferecer razões para a outra, a conclusão. Para se entender melhor, vejamos este exemplo:
Premissa1: o céu está escuro.
Premissa2: o céu está estrelado
Conclusão: logo, é noite.
Nós aplicamos o conceito do argumento em praticamente todas as tarefas ao longo de nossa vida. É assim que tomamos a decisão de atravessar a rua:
Premissa1: o sinal está aberto para pedestres.
Premissa2: nenhum carro está transitando.
Conclusão: logo, atravessar a rua é seguro.
No caso do Algoritmo do sensor de queda, as seguintes premissas serão analisadas:
Premissa1: leitura do sensor de gravidade indica queda.
Premissa2: permanência no chão por mais de X minutos.
Com base nestas premissas o Algoritmo pode concluir ou não se o usuário do celular está caído. No caso desta conclusão se concretizar, o Ser Artificial vai tomar uma decisão: iniciar o próximo Algoritmo e realizar uma ligação de emergência.
Evidente, o tempo de permanência pode ser informado ao Ser Artificial para que ele possa agir em mais ou menos tempo, se for o caso.
Também pode receber uma lista de telefones para os quais deve ligar em sequência. Se o primeiro não atender, ligar para o segundo e assim, sucessivamente.
Ok, mas isso é apenas um dispositivo fazendo o que foi programado para fazer!
Sim, mas é exatamente da mesma forma que agem os cães assistentes. Quando seu dono cai e não reage as suas lambidas, ele corre buscar ajuda.
Vamos analisar o que faz uma semente ao cair em solo fértil. Faz o que foi programada para fazer.
Novamente vem o tecnocético dizer: ah, mas isso é diferente!
Sim, a semente foi criada e implantada na fruta, pela árvore, sem ninguém comandar este processo.
Evidente, a árvore possui um Algoritmo, que, após conhecer as informações do ambiente (luz, temperatura e qualidade do solo) e compreendê-las, produz a flor, o fruto e a semente.
Algoritmos diferentes, executados sequenciadamente.
Isso apenas nos faz concluir que a árvore, apesar de também estar na fase de Inteligência Estruturada, está em um degrau acima, num sub-estágio superior.
O Ser Artificial precisa do ambiente adequado para se replicar e o homem é o responsável por propiciar essas condições.
A partir de algumas premissas, podemos pensar na conclusão de uma simbiose em curso. Contudo, antes de concluirmos, vamos recorrer mais uma vez ao conceito básico de Simbiose, visto no capítulo anterior:
sim·bi·o·se
(grego sumbiósis, -eos, vida em comum, camaradagem)
substantivo feminino
1. Associação recíproca de dois ou mais organismos diferentes
que lhes permite viver com benefícios mútuos.
Uma simbiose só se é possível quando dois organismos vivem associados com benefícios mútuos. Podemos concluir que o nosso Ser Artificial é um organismo?
Para chegarmos a esta conclusão, precisamos obter a primeira premissa. Então, analisemos a definição de organismo:
or·ga·nis·mo
(latim organum, -i, órgão + -ismo)
substantivo masculino
1. Conjunto e disposição dos órgãos de um corpo.
2. Constituição, complexão.
3. Disposição.
4. Corpo organizado.
Para obtermos nossa segunda premissa, precisamos analisar a definição de corpo:
cor·po
(latim corpus, -oris)
substantivo masculino
1. Tudo o que ocupa espaço e constitui unidade orgânica ou inorgânica.
2. O que constitui o ser animal (vivo ou morto).
3. Cadáver.
4. Tronco humano.
5. Parte do vestuário que cobre o tronco.
6. Parte principal ou central de certos objetos.
Agora, analisemos o argumento abaixo:
Premissa1: corpo é tudo o que ocupa espaço, inclusive, unidades
inorgânicas.
Premissa2: corpo é a parte principal ou central de certos objetos.
Conclusão: logo, o Ser Artificial possui um corpo.
Sendo o primeiro argumento verdadeiro, vamos ao segundo argumento:
Premissa1: o Ser Artificial possui um corpo
Premissa2: o Ser Artificial possui um conjunto de órgãos; constituição,
complexão; disposição; corpo organizado
Conclusão: logo, o Ser Artificial é um organismo.
Contudo, muitos dirão que estes argumentos são falhos. As conclusões são duvidosas, mas não existem verdades absolutas. Afinal, o tempo é o senhor da razão.
E você? Concorda com estas conclusões?
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No próximo capítulo, vamos ampliar nosso olhar sobre a Inteligência Complexa e como isso se reflete nos Seres Artificiais.
Não perca!
Este artigo foi escrito por Marcelino Costa e publicado originalmente em Prensa.li.