Inteligência Artificial: quais os impactos do Stable Diffusion para o Direito?
Nesta semana, o influencer Brunno Sarttori anunciou no seu Instagram a abertura do seu canal no OnlyFans de fotos criadas utilizando somente inteligência artificial no modo Stable Diffusion. Segundo o influencer, este é o primeiro OnlyFans do mundo criado com inteligência artificial.
O Stable Diffusion, lançado em agosto deste ano (2022) pelos desenvolvedores CompVis Group LMU Munich, Runway e Stability AI é utilizado principalmente para gerar imagens por meio de descrições de texto (prompts).
Sua forma de treinamento consiste no aprendizado de dados disponíveis publicamente na web, consistindo em pares de imagem e texto de sites como o Pinterest, Wordpress, Blogspot, Flickr, dentre outros.
A plataforma é disponibilizada gratuitamente aos usuários e não reivindica qualquer direito sobre as imagens geradas, porém estabelece algumas normas de utilização, tais como proibição de criação de imagens que configurem crimes, difamação, assédio, exploração de menores e discriminação, por exemplo.
O Direito, como ciência que trabalha os fenômenos sociais, não deve se abster de observar as novas tecnologias e os possíveis impactos que elas podem causar – sejam positivos, sejam negativos – para os envolvidos e a sociedade.
É inegável que o surgimento do Stable Diffusion traz uma inovação imensurável ao mundo criativo, principalmente relacionado às artes gráficas, porém, junto com esta inovação, surgem alguns dilemas que merecem destaque.
O primeiro que podemos enxergar de imediato é a questão da propriedade intelectual envolvida no processo criativo.
Considerando que o machine learning se dá por meio de captação de dados disponíveis na web de criações realizadas por pessoas reais, que podem ter direitos sobre o processo criativo das suas obras originais, fica a questão se as artes criadas a partir da inteligência artificial ferem alguma norma jurídica referente à propriedade intelectual.
Defensores da plataforma afirmam que não há qualquer ilegalidade, visto que a máquina se utiliza da aprendizagem do “estilo” da imagem paradigma, mas não cria cópias, sendo que o “estilo” não estaria abarcado pela propriedade intelectual, já que padrões e conceitos se recriam e repetem com o tempo.
Entretanto, artistas que encontram suas imagens disponíveis na web e alimentam a inteligência artificial sem qualquer remuneração ou consentimento, questionam o dilema ético envolvido na criação de uma nova arte pela máquina, por meio de um processo criativo de um ser humano.
Considerando que o Direito reflete o que a sociedade reproduz, e não o inverso, os tribunais e legisladores deverão analisar estas novas questões a fim de encontrar um ponto de equilíbrio acerca da inovação e os direitos criativos dos artistas.
Outro ponto polêmico sobre a plataforma é que, por meio de estudos realizados, verificou-se que os algoritmos do Stable Diffusion tendem a trabalhar melhor com imagens com descrições em inglês. A utilização de descrições de imagens oriundas de países de cultura branca reforça estereótipos padrões e ocidentais, afastando culturas diversas, o que pode acarretar um aprendizado de máquina estereotipado e preconceituoso, podendo ser um dilema ético a ser estudado nos casos concretos pelos operadores do Direito.
Considerando a gratuidade da plataforma e a relativa facilidade de sua utilização em face de um processo criativo do zero, há o dilema relacionado à perda de empregos de artistas, fotógrafos, diretores de arte, modelos, dentre outros profissionais que alimentam a indústria gráfica.
Seriam então mais profissões fadadas à extinção? Entusiastas da plataforma afirmam que não. Assim como a chegada da tecnologia em outras áreas no passado, os profissionais desta (e de tantas outras) área irão precisar se inventar.
Assistindo a série Telefonistas, que passa na Netflix, um ponto da trama é a implementação de uma tecnologia que deixaria de se utilizar das figuras charmosas e femininas daquela época e passaria para um sistema de ligação automática.
Àquela época poderia parecer uma crueldade deixar tantas pessoas desempregadas, mas hoje não podemos ser hipócritas que a presença de uma figura humana somente para repassar uma ligação seria no mínimo obsoleto.
Então qual seria a solução para os tantos artistas que se sentem ameaçados pelo Stable Diffusion? Especialistas da ferramenta afirmam que corre o risco sim de diminuição de postos de trabalho relacionados ao design gráfico, porém haverá o surgimento de uma nova figura: o técnico de AI, ou seja, um profissional especialista nos comandos da máquina, que criaria a arte com base em conceitos básicos e que posteriormente seriam revisados por um diretor de arte ou profissional de edição.
Desta forma, é inegável que mais um impacto que podemos observar com o surgimento e escalada do Stable Diffusion é o trabalhista!
Outro impacto que se pode verificar é a responsabilidade da plataforma quanto ao conteúdo criado em sua base.
Em seus termos e condições, o Stable Diffusion se abstém de qualquer responsabilidade quanto ao conteúdo criado por meio de seus algoritmos, entretanto é necessário ponderar o que está previsto em contrato e o que é praticado no mundo real.
Um exemplo é o das redes sociais. Analisando os seus termos e condições e posicionamento de mercado, vemos que com o passar dos anos elas passaram de simples repositório de conteúdo e mecanismo de comunicação entre os usuários, para uma posição mais moderadora do conteúdo ali postado, inclusive com a suspensão de contas como o do ex-presidente dos estados unidos, Donald Trump, por “risco de prolongamento da incitação à violência”, no início de 2021.
Desta forma, com a escalada de sua utilização e início dos questionamentos acerca da tecnologia vão se iniciar os debates sobre a responsabilização da plataforma e seu papel como mero sistema ou perfil atuante e moderador.
Portanto, o intuito deste texto não é demonizar o Stable Diffusion, mas iniciar o debate de maior integração do Direito às novas tecnologias e os impactos que elas podem trazer, buscando um equilíbrio entre inovação e o momento atual da sociedade.
Se quiser saber mais sobre Direito Digital, LGPD, Startups & Finanças, me acompanhe nas redes sociais para trocarmos ideias sobre estes temas.
Este artigo foi escrito por Juliana de Jesus Cunha Chiose e publicado originalmente em Prensa.li.