IPs podem ser responsabilizadas por aumento do limite de cartão, de acordo com o Bacen e a Lei do Superendividamento
As instituições de pagamento (IPs) são empresas que possibilitam a serviços de compra e venda e movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, e diferenciam-se das instituições financeiras por não poderem conceder empréstimos ou financiamento aos seus usuários.
Elas podem ser classificadas em diversos tipos, podendo atuar em uma ou mais modalidades, tais como (i) emissoras de moedas eletrônicas; (ii) emissoras de instrumento de pagamento pós-pago; (iii) credenciadoras; e (iv) iniciadoras de transações de pagamento.
No que diz respeito à regulação das IPs, apesar de não comporem o Sistema Financeiro Nacional, são reguladas e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, conforme as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
Quando se trata das principais normas que regulamentam as IPs, podemos mencionar a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, que dispõe sobre os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), a Resolução BCB n° 81, de 25 de março de 2021 que disciplina os processos de autorização relacionados ao funcionamento das instituições de pagamento e à prestação de serviços de pagamento por parte de outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e Resolução BCB n° 80, de 25 março de 2021 que disciplina a constituição e o funcionamento das instituições de pagamento, estabelecendo os parâmetros para ingressar com pedidos de autorização de funcionamento por parte dessas instituições e dispõe sobre a prestação de serviços de pagamento por outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
Entretanto, neste artigo, vamos abordar a responsabilidade das IPs enquanto emissoras de instrumento de pagamento pós-pago, que é o dispositivo utilizado para comprar produtos/serviços ou para transferir recursos, como o cartão crédito pós-pago.
Enquanto emissora de instrumento de pagamento pós-pago, a IP gerencia conta de pagamento do tipo pós-paga, na qual os recursos são depositados para pagar dívidas previamente assumidas, desta forma, a IP, como emissora de cartão de crédito (o cartão de crédito é o instrumento de pagamento), assume a obrigação de pagar à instituição de pagamento credenciadora (que habilitou o usuário final recebedor a aceitar o cartão de crédito) o valor da transação de pagamento, deduzida a remuneração do emissor do cartão, em prazo definido pela bandeira.
Desta forma, de acordo com a cadeia de pagamentos, o emissor é o responsável por aprovar ou não a compra, conforme se pode verificar na imagem abaixo:
https://cappta.force.com/ajuda/s/article/Adquirentes
Ademais, nos Resolução BCB n.º 96, de 19 de maio de 2021, a definição do limite do cartão de crédito deve ser compatível com o perfil de risco do cliente e, apesar da sua redução poder ser realizada de forma unilateral, por parte da IP, desde que comunicada com 30 dias de antecedência, a sua majoração depende de prévia concordância do titular da conta, que pode ser obtida por meio de cláusula contratual que disponha de opção de anuência, observada ainda a necessidade de comunicação do reajuste do limite ao titular até o momento de sua realização.
Desta forma, as IPs, enquanto emissoras de cartão e aprovadoras da compra, devem se atentar ao permitir aprovação de transação em valor superior ao limite contratado, sem qualquer autorização ou comunicação prévia.
Ademais, por medidas de segurança, as IPs devem, por questões de segurança e a fim de se resguardarem no sentido de eventuais questionamentos futuros, bloquear a operação e contatar o usuário a fim de validar a compra realizada, ainda mais quando esta está fora do seu padrão de consumo e média de gastos mensais no cartão.
Inclusive, na hipótese de descumprimento das diretrizes estabelecidas pelo Banco Central, as IPs estão sujeitas às penalidades previstas na Lei n.º 13.506, de 13 de novembro de 2017, que incluem, mas não limitam, censura pública, multa, proibição de prestar determinados serviços, proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação e cassação de autorização para funcionamento.
Além das penalidades que podem ser aplicadas diretamente pelo Banco Central, as IPs, enquanto fornecedoras de produtos e serviços, e enquadradas no conceito de fornecedoras, devem se atentar ao Código de Defesa do Consumidor, principalmente às novas inserções trazidas pela Lei do Superendividamento.
A Lei n.º 14.181, de 1º de julho de 2021 que disciplina o crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento, traz algumas diretrizes, que devem ser observadas, principalmente quando da majoração do limite do cartão sem autorização do cliente e sem estudo prévio da capacidade financeira deste, quais sejam:
· prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor (art. 4º, X, CDC);
· garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas (art. 4º, XI, CDC); e
· preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito (art. 4º, XII, CDC).
Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial (art. 54-A, CDC).
Ademais, é vedado, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não, indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor (art. 54-C, II, CDC) e avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito (art. 54-D, CDC).
O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput do art. 54-D e nos arts. 52 e 54-C do CDC poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
Ademais, o CDC também prevê que:
Art. 54-F. São conexos, coligados ou interdependentes, entre outros, o contrato principal de fornecimento de produto ou serviço e os contratos acessórios de crédito que lhe garantam o financiamento quando o fornecedor de crédito:
I - recorrer aos serviços do fornecedor de produto ou serviço para a preparação ou a conclusão do contrato de crédito;
§ 1º O exercício do direito de arrependimento nas hipóteses previstas neste Código, no contrato principal ou no contrato de crédito, implica a resolução de pleno direito do contrato que lhe seja conexo.
§ 2º Nos casos dos incisos I e II do caput deste artigo, se houver inexecução de qualquer das obrigações e deveres do fornecedor de produto ou serviço, o consumidor poderá requerer a rescisão do contrato não cumprido contra o fornecedor do crédito.
§ 3º O direito previsto no § 2º deste artigo caberá igualmente ao consumidor:
II - contra o administrador ou o emitente de cartão de crédito ou similar quando o cartão de crédito ou similar e o produto ou serviço forem fornecidos pelo mesmo fornecedor ou por entidades pertencentes a um mesmo grupo econômico.
Este artigo do CDC é de extrema importância, visto que, diante da característica de ecossistema que as instituições têm adotado, com o fornecimento de vários produtos e serviços em conjunto, se verificada a existência de contratos conexos relacionados ao crédito, o consumidor pode ver garantido o seu direito de rescindir estes contratos de pleno direito.
O CDC ainda traz requisitos de cobrança de compras em chargeback, ou seja, compras que foram contestadas pelo consumidor, quando não reconhecidas por motivos de fraude, desacordo comercial ou lançamento de valor equivocado.
Art. 54-G. Sem prejuízo do disposto no art. 39 deste Código e na legislação aplicável à matéria, é vedado ao fornecedor de produto ou serviço que envolva crédito, entre outras condutas:
I - realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez) dias contados da data de vencimento da fatura, vedada a manutenção do valor na fatura seguinte e assegurado ao consumidor o direito de deduzir do total da fatura o valor em disputa e efetuar o pagamento da parte não contestada, podendo o emissor lançar como crédito em confiança o valor idêntico ao da transação contestada que tenha sido cobrada, enquanto não encerrada a apuração da contestação;
III - impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos.
Desta forma, sendo verificados impactos econômicos negativos, tais como: (i) lançamento e cobrança de uma compra irregular, que se encontra contestada; e (ii) liberação de um limite não contratado pelo consumidor ou em desacordo com a sua capacidade financeira; situações estas que podem tornar o consumidor insolvente, as IPs podem ser responsabilizadas, tanto pelo Banco Central, como pelo judiciário, pelo fato de:
· serem emissoras de instrumento de pagamento pós-pago, e responsáveis por autorizar a compra e realizar o pagamento ao estabelecimento comercial;
· não comunicarem ao cliente ou obter a aprovação deste para a alteração do seu limite contratado;
· não realizarem pesquisas em seu banco de dados com base no perfil financeiro, comprometendo o mínimo existencial dos consumidores;
· não cumprir todas as regras contratuais e previstas no CDC, infringindo as premissas da Lei do Superendividamento, comprometendo a vida financeira dos seus clientes; e
· mediante contestação de compra (chargeback), por parte do cliente, proceder com a cobrança da compra contestada, infringindo o art. 554-G, I do CDC.
Em se tratando de aplicação do CDC, deve ser levado em consideração todo o caso concreto, entretanto, diante da regulamentação mencionada, enquanto fornecedora de produtos e serviços, as IPs podem responder de objetivamente pelos atos praticados contra o consumidor.
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Este artigo foi escrito por Juliana de Jesus Cunha Chiose e publicado originalmente em Prensa.li.