Isto é só o fim
Via de regra, estações de TV mundo agora, e especialmente no Brasil, eram inauguradas com grandes espetáculos, marcados por gerações na história da imprensa e dos meios de comunicação. Mas, e quando as coisas dão miseravelmente errado?
Recentemente, tivemos o caso da Loading, canal que explodiu no mundo geek, mas bastou seu principal investidor desistir do negócio para a emissora definhar até desaparecer. Pior: deixando à mostra uma negociata fora dos trâmites oficiais que só deixou um gosto mais amargo.
Outras emissoras, como a TV Jornal do Brasil e a primeira versão da TV Jovem Pan desapareceram dos controles remotos quase sem serem percebidas.
Mesmo a TV Manchete, que teve um início e uma história retumbantes, teve um final confuso e melancólico, apenas deixando de existir de um dia para o outro, faltando menos de uma semana para ser legalmente extinta. Segundo o pesquisador Elmo Francfort, no livro Rede Manchete: Aconteceu, virou História, “como dizem os espíritas, não houve agonia ou morte. Houve a passagem”.
Entretanto, há os casos de três emissoras brasileiras que terminaram seus dias de modo inusitado. E são estas histórias que vamos trazer hoje.
Os agentes chegaram
A primeira delas, a poderosa Excelsior, emissora que implantou o conceito de uma rede de televisão profissional que temos hoje, estava metida em um imbróglio falimentar imenso, e para ajudar, batia de frente contra o governo da época, comandado pelo não menos poderoso General Emílio Garrastazu Médici.
No final de tarde de 30 de setembro de 1970, enquanto o humorístico Adélia e Suas Trapalhadas era transmitido ao vivo, o jornalista Ferreira Netto interrompeu o programa, ladeado por agentes do Dentel (órgão regulatório das emissoras de rádio e tevê na época). Coube a ele avisar aos telespectadores que a Excelsior estava saindo do ar naquele momento. É bom lembrar que o país vivia sob uma ditadura militar, e opor-se a ela não era uma ideia razoável.
O fim de um império
Dez anos depois, foi a vez da Rede Tupi fechar as portas. A história da emissora de tevê pioneira na América Latina é famosa, mas pouca gente conhece (ou lembra) como tudo terminou.
Faltando exatos dois meses para completar três décadas em atividade, o então presidente da República, João Figueiredo, decretou o cancelamento de suas concessões, colocando o ponto final numa crise administrativa que se arrastava há pelo menos dez anos. Em uma canetada, as quase trinta emissoras próprias da rede foram declaradas peremptas. Um nome técnico bonitinho pra dizer que a festa estava terminada.
Agonia, ao vivo
O que veio a seguir foi um dos espetáculos mais impressionantes e deprimentes da televisão mundial. Dezenas de funcionários da Tupi do Rio de Janeiro, sem receber seus salários há meses, passaram a se revezar na frente das câmeras, numa vigília em rede nacional, implorando ao presidente que voltasse atrás em sua decisão, mantendo a tevê no ar a fim de evitar o desemprego de centenas de profissionais em todo o país. Prometiam até mesmo gerir as emissoras por conta própria e honrar com os compromissos dos patrões.
Estas imagens podem ser conferidas hoje em dia num vídeo postado no YouTube, e é praticamente impossível não se solidarizar com a equipe que lutou bravamente naqueles últimos minutos, tentando se segurar em um fio de esperança.
Mas o apelo não surtiu efeito. Na mesma tarde, agentes do Dentel (olha aí eles de novo) retiraram os cristais do transmissor, equivalente a um tiro de misericórdia em um condenado agonizante. Meses depois, o espólio dos canais da gigantesca rede foi dividido entre os grupos Bloch e Sílvio Santos, dando origem à Manchete e ao SBT.
Chorar pra quê?
Mas nada, e até onde sabemos nada mesmo, se compara ao final pitoresco daquela que foi a proposta mais inusitada da TV brasileira, durante cerca de vinte e três anos: a MTV Brasil.
De propriedade do Grupo Abril, outrora um dos mais importantes conglomerados de mídia das Américas, a versão brasileira da MTV era paulatinamente corroída por uma crise que vinha derretendo o grupo, que fechava ou vendia suas empresas e títulos a preço de banana para tentar sobreviver.
A MTV Brasil ainda era uma das empresas mais lucrativas da holding, mas por ser um brinquedo caro, era esperado que a operação do canal de tevê fosse uma das próximas a ser encerrada.
Em 2013, a MTV Brasil deu seu último suspiro. Em um lamento? Não, em uma festa de arromba, movimentando centenas de artistas, funcionários e ex-funcionários, que se juntaram em uma grande homenagem à casa que fecharia as portas. Um dia inteiro de transmissões.
“Valeu. Foi bom. Inté!”
Gente que esteve na frente e atrás das câmeras desde a inauguração em 1990 entravam e saíam do vídeo, anunciando atrações especiais. Por volta da meia noite, os transmissores foram desligados, numa despedida em altíssimo astral.
E se sabe, a festa no prédio sede da emissora, que coincidentemente havia abrigado no passado a Tupi paulista, avançou madrugada adentro, terminando só depois do raiar do sol. Muita gente ainda esticou as comemorações na famosa lanchonete Real, ao lado da emissora, durante a manhã e tarde. Apesar do momento difícil para os funcionários e para o público, foi um adeus no melhor estilo da MTV.
Fechando o círculo
E aqui, voltamos ao começo da nossa história. A Loading, recém encerrada, funcionava justamente no mesmo endereço, nas mesmas instalações, com os mesmos equipamentos e com muitos dos profissionais que eram da MTV Brasil. Boa parte do público e da crítica justamente a comparou, logo em que foi inaugurada, com a antiga ocupante do canal e do endereço. Diziam que estava ali o espírito da MTV.
Neste caso, infelizmente.
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.