Jacuí ontem e amanhã
Desde a infância buscava seu lugar, se escondia a cada trovão que tocava atrás das montanhas de Minas.
Viveu parte da infância no interior do Estado, numa cidade pequena, onde ainda passa um trem que leva minério até o porto no litoral para o outro lado do mundo, levando as riquezas da terra para serem transformadas em nossas dívidas.
Ao lado da linha do trem, uma barragem no rio que chega até a cidade; existia um estádio de futebol, mas ele se foi para tirar uma curva que diminuía a quantidade de vagões. Em dia de jogos, ele vendia pastel ou picolé de saquinho para ajudar em casa. Outro campo foi construído pela população local.
Em volta, uma mata cerca todo o bairro por todos os lados. Uma escola, que virou centro comunitário, uma igreja católica e um bar completam o lugar. Uma estrada corta o bairro, segue por um lado para o centro da cidade - no caminho, existe uma pequena usina hidrelétrica. No sentido contrário, vamos chegar até a ponte torta, que fica na rodovia que vai para o litoral capixaba. Uma outra cidade pequena fica no fim na estrada.
Ao longo da estrada temos uma grande caverna, que já abrigou pessoas escravizadas, no passado. Hoje, essa caverna é um espaço largado, sem qualquer cuidado ou limpeza. Todo esse cenário foi um dos ambientes da infância, sempre quando estava de férias ou sem aula corria para esse refúgio, onde, junto com os primos e amigos, brincava e jogava bola o tempo todo.
O fogão de lenha era onde se fazia a comida, o café sempre estava quente, a manga e o abacate eram as frutas mais comum do lugar, também tinha muita banana e mexerica ou tangerina, subir no pé de abacate era um dos esportes.
Na cidade tinha várias casas que o acolhiam, casa da avó paterna, caso do avô e avó materna, casa dos tios dos dois lados, mas todas em bairros diferentes. Assim, caminhava entre as casas durante o dia, de ônibus somente para ir para escola, ensino fundamental, naquela época.
Nasceu na Cidade Alta e foi morar no Acampamento do Anjo - o lugar não existe mais. Ele o chama de "Já Teve", pois o cinema, a escola, o mercado, as casas dos moradores e tudo o mais foram desativados ou demolidos para expansão da Companhia.
Morava agora em duas ou até três casas, a casa de vô e vó, pais de minha mãe, na casa de vó, mãe de seu pai e na casa de uma tia, onde doze primos viviam - os seis primeiros eram homens e, depois, nasceram as primas.
Na cidade, outros tios e tias, onde sempre passava algum tempo. A cidade, naquele momento, era sua casa. Andava por todo lado, sempre a pé, menos para ir para a escola. Sempre pela manhã corria pra não perder o ônibus, não tinha outro, na classe tinha uma prima, filha de um tio, irmão de sua mãe. Ela era uma loirinha cheia de graça, como suas irmãs. Ao término da aula, passava na casa desta minha prima muitas vezes para almoçar antes de voltar para o bairro em que dormia.
Na escola, muita coisa diferente, oficina de metal, aula de culinária, técnicas comerciais, além de um campo de futebol grande e gramado. Assim, além das aulas pela manhã, várias vezes à tarde, futebol e outros esportes, como handebol, onde adora tentar fazer gols de cabeça nos treinos. O futebol não evoluiu; apesar do gosto, muitos meninos jogavam muito mais, mas um professor de educação física disse, "você não precisa ser craque para jogar, precisa, sim, cumprir o combinado", e foi isso que tentou.
Ao lado do estádio, um campinho era outra diversão. Sempre antes do sol se pôr, o catado era separado por amizade e vizinhança, o jogo só terminava quando a lua aparecia e não mais se enxergava a bola. Ele nunca conseguiu fazer um gol naqueles jogos, por isso sofria com a piada dos primos e amigos.
À noite, quando na casa do seu avô materno, ficava no fundo da casa, no quintal ou na rua Leão XIII. Junto com os amigos, brincava de esconde-esconde. Numa destas vezes, foi para o quintal e subiu num pé de abacate para se esconder e ver todos procurarem. Lá de cima, olhando os meninos correr de um lado pro outro, um bicho lhe assustou e, com um galho da árvore, tentou espantar o bicho; era um morcego. Foi aí que ele se desequilibrou e caiu atrás do pé de abacate, numa bananeira. Com as costas arranhadas e doendo muito, ele ficou deitado em silêncio, a dor o inibia de gritar. Foram muitos minutos, ou até uma hora; a busca do esconde-esconde terminou sem encontrar ele, seu nome começou a ser gritado e seu tio, irmão mais novo de sua mãe, que havia chegado da Companhia, saiu pra saber o que aconteceu.
Após algum tempo, seu tio foi no quintal e achou ele atrás da bananeira, levantou ele e lhe deu uma bronca, algo comum naquela época. Levou pra sala de estar, sua avó e sua tia foram acudir ele, os arranhões estavam por todas as costas. Um remédio ardido, naquela época chamado Mertiolate, que ardia como nunca, foi passado e depois fizeram uma faixa em volta.
No dia seguinte, ele queria ficar deitado, mas seu tio, que iria sair cedo o chamou, lhe deu outra bronca e disse que ele teria que ir para a escola mesmo com dor, e ele foi.
Naquela escola, estudou o sexto e o sétimo ano do ginásio. Teve aulas normais e outras que ensinavam técnicas comerciais e industriais, além de culinária, uma concha de ferro e um bife a milanesa foram seus trabalhos no último ano. Mas gostava mesmo era de jogar handebol na quadra da escola e futebol no campo ao lado.
Num dia de muita chuva estavam ele e os outros alunos prontos pra jogar, mas o professor que os acompanhava disse que não era seguro e foi embora. Como todos os meninos queriam jogar, pegaram uma bola e montaram dois times, escolhidos no par ou ímpar. A chuva foi longa, o campo virou um mar de lama e, às vezes, nem a bola se enxergava. Carrinhos e chutes para todo o lado. Os goleiros eram os que mais sofriam pois, na frente dos gols, as poças de água dificultavam quando vinham os chutes. Não se sabe o placar do jogo, foi interrompido quando começaram os trovões, e ele foi o primeiro a correr.
Foi um período de muitas aventuras que ele traz até hoje na lembrança, e sonha em voltar e terminar lá em Jacuí.
Se deixei aqui algo não bem explicado ou que causou dúvidas, vou deixar aqui um e-mail específico para responder às mesmas, joseleitecoura@outlook.com
Este artigo foi escrito por Jose Leite Coura e publicado originalmente em Prensa.li.