O Judô cometeu um erro parecido com o futebol, mas também pode corrigir
O motivo das mudanças parecia nobre, mas o efeito foi justamente o contrário: as novas regras do judô olímpico aplicadas pela Federação Internacional de Judô prejudicaram o espetáculo nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
A intenção, ao eliminar o yuko, pontuação mais baixa, mantendo apenas o wazari e o ippon, esta a mais alta, era de tornar as lutas do esporte mais agressivas, ainda mais com o tempo normal sendo reduzido em um minuto. Do mesmo modo, o tempo extra, em que a primeira pontuação dá vitória, tornou-se ilimitado (antes havia decisão dos jurados) e o número de shidôs (punições) para eliminar lutador caiu de quatro para três.
No entanto, o resultado prático foi inverso. Lutas tornaram-se mais burocráticas, com atletas tendo dificuldades para pontuar, em parte por não haver mais pontuação para alguns movimentos, mas também pelo receio de se expor demais e tomar um ippon inesperado. Sem limite de tempo no tempo extra, não foi raro ver lutas durarem mais que o dobro do previsto com a prorrogação ultrapassando a luta regulamentar.
As novas regras acabaram também gerando polêmicas como no wazari não dado para judoca brasileira Maria Portela após revisão de árbitro de vídeo. Se houvesse yuko, talvez o golpe se enquadraria e a luta ficaria mais franca com a adversária tentando reagir.
Para deixar o episódio mais amargo, Portela foi punida com três shidôs por falta de combatividade, o que é um tanto subjetivo e alvo de discussões, tendo em vista que a adversária, a russa Madina Taimazova, foi acusada por alguns comentaristas da modalidade, de tentar entradas falsas (alvo de punição), mas sem ser punida pela arbitragem.
Futebol também mudou regras, viu efeito contrário e voltou atrás
Após a Copa de 1994, decidida em pênaltis após 0 a 0 no tempo normal e prorrogação, a Fifa, entidade máxima do futebol, resolveu, como modo de decidir partidas eliminatórias de modo mais rápido, instituir o gol de ouro. Quem fizesse gol primeiro, ganharia a partida. Se os dois tempos de 15 minutos da prorrogação se encerrassem zerados, aí teriam as cobranças de pênaltis. Isto começou a valer em 1996.
Tudo muito bonito na intenção, mas há aquele ditado que diz que o inferno está cheio de boas. Na prática, duas partidas nas duas Copas masculinas foram decididas deste modo: França x Paraguai em 1998 e Senegal x Suécia em 2002. A primeira um jogo em que uma equipe amassou outra e a segunda em um duelo de equipes mais destemidas. Foram exceção, como na semifinal olímpica de 1996, com a Nigéria de Kanu (ele é perigoso) eliminando o Brasil.
Na prática, com receio de um erro jogar tudo fora, as prorrogações tornaram-se protocolares e enfadonhas com as duas equipes encostadas em suas defesas torcendo por alguma bola vadia que raramente vinha.
Pior que isso foi quando um erro de arbitragem ganhou peso gigantesco, como o pênalti crasso, toque de mão na área, não marcado a favor do Brasil na decisão olímpica feminina de 2004 e que poderia dar o ainda inédito ouro às brasileiras. Alguns minutos depois, Wanbach marcou em escanteio os Estados Unidos foi ouro em Atenas.
Diante desse diagnóstico, a Fifa teve a humildade de admitir que o efeito das mudanças não foi o esperado e sepultou o gol de ouro, voltando ao formato antigo, que vem desde o fim da Eurocopa de 2004, logo depois dos Jogos de Atenas.
Agora espera-se que a FIJ também tenha esta humildade e faça ao menos voltar o yuko para que as lutas tenham maior chance de serem decididas com pontuação e não apenas com punições ou pelo cansaço de atletas e espectadores. A história é muito parecida e as boas intenções na teoria foram desmentidas pelo mundo real.
Mas também é preciso elogiar
Se a extinção do yuko foi um erro, a competição por equipes mistas do judô foi um grande acerto. O formato é divertido para os espectadores e também dá chances de mais medalhas para os atletas, confrontando diferentes escolas da modalidade. É para se aplaudir de pé.
Este artigo foi escrito por Leonardo Bonassoli e publicado originalmente em Prensa.li.