Jungle cruise: o cruzeiro está perdido
Ao longo dos anos, várias atrações dos parques temáticos da Disney serviram de inspiração para filmes: Beary e os Ursos Caipiras (2002), Mansão Mal-Assombrada (2003) e, mais notavelmente, a série Piratas do Caribe. Jungle Cruise é a mais recente adição a este subgênero.
Dirigido por Jaume Collet-Serra, o filme - lançado nos cinemas e na Disney + com Premier Access em 30 de julho, e liderando a bilheteria do fim de semana com $90 milhões globalmente, e mais de $30 milhões em streaming - é baseado na atração do mesmo nome.
A história segue o experiente capitão de barco Frank Wolff (Dwayne Johnson), que leva a excêntrica cientista Dra. Lily Houghton (Emily Blunt) e seu relutante irmão MacGregor (Jack Whitehall) em um perigoso passeio pelas selvas do Rio Amazonas.
O trio percorre a selva para encontrar a Árvore da Vida, que é lendária por ter poderes de cura e que Dra. Lily espera que venha a revolucionar o campo da medicina.
A mistura que não deu certo
Imagem: Disney/Divulgação
Imagine o filme “Uma aventura na África” (1951) misturado com “Piratas do Caribe” (2003).
Como em Uma aventura na África, Jungle Cruise apresenta um capitão experiente e uma mulher britânica perfeita subindo o rio Amazonas em direção ao coração da selva.
Até aí tudo bem. Mas então entram os elementos sobrenaturais de Piratas do Caribe que em nada combinam com o roteiro de um filme despretensioso.
Também há níveis surpreendentes de horripilância sobrenatural dos conquistadores amaldiçoados, assim como em A Múmia ou, o que é mais surpreendente, a tripulação de zumbis em Piratas do Caribe.
Basicamente, você não precisa adivinhar quais filmes a Disney fixou em seu quadro de inspiração (você também pode adicionar Indiana Jones).
Existem zumbis nojentos, mortos-vivos, marinheiro com cobras saindo de seus olhos e vilões desesperados para encontrar algo precioso e indescritível - essa é a chave em um filme como este.
Apesar da mistura que não deu certo, o Jungle Cruise tem o suficiente acontecendo para emergir por trás dessas semelhanças, e isso se deve principalmente a ótimas performances.
O caminho está certo, mas longe do adequado
Imagem: Disney/Divulgação
Antes de falar sobre o filme, vamos voltar um pouco e entender a mecânica do passeio nos parques da Disney.
O Jungle Cruise estava na lista da Disney quando o parque temático foi inaugurado em 1955, e desde então se tornou uma atração icônica, operando nos parques temáticos da Disney em Orlando, Tóquio e Hong Kong, além do local original em Anaheim.
Mas a atração popular há muito enfrenta críticas por sua representação racista dos povos indígenas. Em janeiro de 2021, a Imagineering - o braço da Disney que cria e constrói seus parques temáticos - anunciou que estaria atualizando a atração de 66 anos para lidar com "representações negativas de nativos".
Em julho, duas semanas antes do lançamento do filme, a Disney compartilhou que estava reabrindo a atração renovada.
No passeio, os visitantes do Jungle Cruise viajam em barcos pelos principais rios do mundo, do Amazonas ao Nilo, à medida que personagens animatrônicos emergem dos cantos da selva.
Um capitão, que mantém os hóspedes entretidos com piadas que seu tio conta e trocadilhos cafonas, serve como guia.
Apesar da Disney ter reconhecido que a atração estava fora do seu tempo e ter alterado o passeio para algo não tão estereotipado e xenofóbico, o filme inspirado cometeu alguns erros que somente nós, brasileiros, podemos notar.
Justamente só nós podemos notar porque o filme se passa na floresta amazônica, conta com povos nativos e mostra a comunidade de Porto Velho.
Sem nenhum brasileiro no elenco -num filme que se passa quase que inteiramente no país- ou em cargos importantes na equipe técnica, erros bobos passaram despercebidos.
Alguns telespectadores postaram no Twitter que o filme estaria marginalizando personagens indígenas que apenas auxiliam na busca dos principais protagonistas europeus.
Outro ponto é as cenas que apresentam Porto Velho e a selva amazônica. Todas elas foram realizadas com computação gráfica, assim como a inserção dos animais brasileiros.
Com isso, alguns detalhes passam longe da veracidade, principalmente quando vemos a parte ribeirinha do município de Rondônia, que conta com uma arquitetura mais sofisticada do que a original.
A computação gráfica é nível Disney, sensacional! Mas a coloração dos animais fugiu um pouco da realidade.
Por exemplo, a onça pintada surge de forma diferente e com uma pelagem mais escura, além de seu padrão de pintas não ser condizente com o animal verdadeiro.
O maior exemplo, e talvez o que mais me chocou, foi a utilização da moeda real em filme que se passa em 1916, quando o Brasil usava os mil réis, dá uma sensação que a produção não se preocupou em alguns aspectos sobre a cultura brasileira.
Apesar da Disney ter soltado uma nota dizendo que trabalhou com um assessor cultural na intenção de buscar a melhor representação do Brasil no início dos anos 1900, parece que a pesquisa não foi tão bem feita assim.
Mesmo com problemas, não podemos negar que o caminho que a Disney percorre para desconstruir e admitir seus erros é louvável.
Jungle Cruise é o conceito que faltou lapidar
Voltando para o filme, Jungle Cruise peca na edição. Algumas cenas comoventes, belas ou espetaculares são cortadas tão “secamente” que não duram o suficiente para se tornarem icônicas.
O filme dura cerca de duas horas e, claro, com isso vêm alguns mergulhos aqui e ali. A história de fundo mitológico em torno da selva e dos conquistadores parece um pouco seca, mas o roteiro é espirituoso de maneiras que ajudam a nos guiar através dos cenários.
Alguns diálogos são tão caricatos que fazem o telespectador revirar os olhos (“Os nativos falam deste lugar com pavor”), além disso, o ritmo acelerado do filme tenta pescar a atenção de quem quer que esteja assistindo de forma desesperada.
O filme apresenta alguns trocadilhos deliciosamente hediondos e é estrelado por um casal carismático e que por incrível que pareça, possui bastante química.
O filme até pode ser divertido para crianças de 7 anos, mas, de muitas maneiras, o Jungle Cruise sai do curso. E para alguns adultos, algumas corredeiras inesperadas aparecem rio abaixo.