Juros: o remédio amargo que tenta asfixiar a inflação, mas sufoca o país
Por algum tempo, as reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) despertavam o mesmo interesse público de um convescote da família imperial brasileira. Exceto pelos analistas de mercado e economia, cujo ofício é de antecipar tendências, as variações da taxa Selic não provocavam uma apreensão generalizada. Com a inflação em alta, o cenário mudou e se já em 2021 a Selic atingiu seu maior patamar desde 2017, quando chegou a 9,25% ao ano, hoje está em 13,25% e a expectativa para a próxima reunião, em agosto, é subir para 13,75%.
Se confirmada a projeção, será o maior patamar desde dezembro de 2016. A alta da Selic não é exatamente uma novidade. No início dos anos 2000 e em meados da década passada, a taxa foi elevada justamente para controlar a inflação e o crescimento do país incompatível com a sua infraestrutura, como a oferta de energia elétrica. Deu certo antes, mas e agora?
A tempestade perfeita
Durante a pandemia, a Selic registrou seu menor percentual em 20 anos, permanecendo em 2% durante sete meses. Isso foi importante para o acesso ao crédito mais barato, essencial para a manutenção da atividade econômica e o consumo das famílias. O pós-pandemia, considerando somente o momento mais crítico já que vivemos uma quarta onda, gerou a frustração da expectativa de uma retomada sustentável.
Deixando de ser o gargalo da atividade econômica, a pandemia foi substituída por um conflito militar e disparada nos preços do petróleo. A guerra e as sanções econômicas contra a Rússia afetaram a economia mundial, já debilitada pela Covid-19. Além de tudo isso, no Brasil ainda temos instabilidade política e social e o déficit fiscal que deve comprometer por longos anos o investimento estatal.
O BCB apurou em abril que o déficit fiscal bateu R$ 352 bilhões em 12 meses, ou 3,9% do PIB. Nessa situação, é claro que a tendência de aumento da Selic tende a beneficiar o governo em duas frentes: controlar (ou tentar controlar) a inflação e captar recursos para financiar suas atividades ao mesmo tempo. A Letra Financeira do Tesouro ou Tesouro Selic possui alta liquidez e, agora, alto rendimento. A vantagem financeira, porém, tem prazo de validade para o governo. A alta de juros impacta a dívida pública, que também aumenta.
Com a inflação correndo solta, o destino dos recursos privados deve ser mesmo os títulos públicos, bancários ou privados. Os investimentos produtivos ficam, por assim dizer, congelados. Menos investimento, menos empregos. Apesar da queda da taxa de desemprego detectada em abril na ordem de 0,7% em relação ao trimestre anterior, a retomada não parece sustentável no médio prazo. É preciso aguardar novo levantamento do IBGE a partir do próximo mês. De qualquer forma, ainda temos 10,5% ou 11 milhões de desempregados.
Todos os fatores somados explicam o porquê do aumento contínuo de preços apesar do aumento dos juros desde dezembro do ano passado. Continuamos com inflação acumulada de dois dígitos nos últimos 12 meses (10,20%). Os combustíveis têm sua parcela nessa conta, pois é componente de custo de quase tudo o que consumimos por conta da preponderância do transporte rodoviário. A alta de juros funciona para reduzir o consumo e desestimular o aumento de preços, mas a alta do preço de insumos e dos custos de transporte pode frustrar essa expectativa.
Famílias mais endividadas
O site do BCB observa que a alta de juros serve para conter os preços e estimular a poupança. A segunda parte não passa de wishfull thinking com o endividamento progressivo das famílias batendo 77,7%. Quase 90% da dívida está nos cartões de crédito. E com o aumento da Selic, é um indicador que tende a piorar como efeito da política monetária do governo. Dinheiro para poupar quase ninguém tem.
Com a economia mundial à beira de uma recessão, a situação econômica local tem tudo para aprofundar suas incertezas. Infelizmente, sem política fiscal ou econômica, a alta dos juros é o único instrumento à disposição para conter a alta da inflação, mesmo com todos os seus efeitos perversos. É a "bala de prata". Se falhar, vamos viver no pior dos dois mundos: economia estagnada, preços em alta e juros que já recolocaram o Brasil no topo do ranking mundial de juros reais (descontada a inflação) de 6,69%, segundo pesquisa da Infinity Asset e MoneyYou com 40 países.
Com a instabilidade política em alta por conta do ano eleitoral e a guerra na Ucrânia longe de se resolver, é difícil imaginar as famílias menos pressionadas pelos preços de um lado e, de outro, pelos juros.
Que sobrevenha 2023!
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.