Juventude: o que estamos fazendo com ela?
Tenho trabalhado diariamente com jovens já faz um bom tempo. Volta e meia me pergunto: o que estamos fazendo com a juventude?
A quantidade de garotos e garotas entre 13 e 19 anos que tenho visto atordoados com a avalanche de coisas que são despejadas sobre eles é gigantesca.
Antes que você retruque daí, eu sei que sempre se criou uma enorme expectativa sobre os jovens: foi assim na minha época também. Mas eu tinha uma família que me dava o devido suporte, que acompanhava passo a passo as minhas necessidades, minhas dúvidas, meus desejos, minhas inquietações etc. Eu tinha uma família que me orientava e com a qual eu sabia que podia contar. Podia não ser a família perfeita, mas estava lá.
E hoje em dia, quantos jovens podem dizer a mesma coisa?
Sobre seus ombros, essa geração tem uma enorme expectativa: precisam de boas notas na escola; precisam entrar numa faculdade; precisam saber falar inglês; precisam fazer um curso profissionalizante; precisam fazer atividade física; precisam garantir um emprego. Normalmente essas são as expectativas dos pais. Mas ainda tem a pressão que vem dos amigos, dos demais familiares e parentes, dos professores etc.
Se isso já não bastasse, ainda tem os famosos desejos e vontades: querem ter um corpo sarado; querem namorar; querem artigos da moda; celular de última geração; querem conquistar a independência; querem aprender a dirigir; enfim, querem ganhar o mundo.
Diante de tantas coisas, a reflexão que faço é a seguinte: quem orienta esses jovens quanto ao que devem ou não devem querer, fazer ou desejar? Quem os mostra ou explica as virtudes e os problemas de cada uma de suas escolhas? Quem os acolhe ou serve de ombro amigo quando se decepcionam ou “quebram a cara”?
Infelizmente errou quem arriscou responder que são os pais ou as famílias! A experiência tem me mostrado que é cada vez mais raro (para o meu desespero) vislumbrar famílias unidas e integradas, daquele tipo em que um apoia e orienta o outro. O “normal” hoje em dia é ter um grupo de pessoas que mora no mesmo endereço, mas que mal se vêem ou se conhecem. Pais que vivem a dizer que não sabem o que fazer com seus próprios filhos. Filhos que dizem não aguentar mais os seus próprios pais.
Parece ser cada vez mais raro encontrar famílias onde impere o amor, a cooperação e a cumplicidade entre seus membros: nas quais as pessoas verdadeiramente se preocupem umas com as outras.
Mas voltemos à reflexão: também errou quem pensou que a escola é que orienta e dá suporte aos nossos jovens.
As escolas estão cada vez mais esfaceladas, sobretudo as públicas. Falta todo tipo de coisa: equipamentos, estrutura adequada, funcionários (os mais diversos) etc. No mais das vezes, as escolas tem se tornado verdadeiros “depósitos de gente”. Muitos pais costumam vibrar quando as aulas se iniciam – pois terão onde depositar seus filhos, mas entristecem quando chega o período de férias, uma vez que agora terão que ser pais em tempo integral novamente.
As salas de aula, costumeiramente, ficam superlotadas. Será que alguém acredita, de verdade, que dá para fazer educação de alta qualidade em salas de aula apertadas, mal ventiladas, quentes e beirando os 50 alunos?
Te assustei? Então acorde, pois essa é a realidade de boa parte das escolas públicas aqui no Brasil.
Nas raras oportunidades em que as famílias se fazem efetivamente presentes nas vidas dos jovens, os enchem de tantas atividades, cobranças e expectativas, que mal dá tempo para que eles vivam de verdade!
Pois bem, muitos jovens vegetam em meio à gigantesca avalanche de coisas que precisam dar conta. E na reta final do nível médio, ainda são obrigados a lidar, sem o mínimo de suporte adequado, com o “bicho papão” de nossa época, a entrada no ensino superior: precisam se dar bem no Enem e/ou no vestibular. O detalhe é que nem a família e nem as escolas direcionam adequadamente este momento: no mais das vezes tudo o que fazem é despejar expectativas e cobranças. Quer perceber o resultado disso? Basta conversar com algum jovem que tenha feito o Enem no dia seguinte ao da prova.
Não é à toa que o número de jovens que tem sofrido com ansiedade e depressão – sem falar dos que tem tentado o suicídio, é cada vez maior: as estatísticas são assustadoras!
É fácil repetirmos o discurso pronto de que essa é a geração do “mimimi”, de que os jovens de hoje tem “tudo na mão”, de que não querem nada, de que são alienados. Mas já parou para pensar nas razões disso? Já refletiu sobre por que a juventude está do jeito que está?
Se você é pai ou mãe, se convive com algum jovem e tem apreço por ele, sugiro que comece a refletir a respeito de como tem ajudado ou prejudicado o jovem em questão. Converse com ele, mas se dispa de suas expectativas e se dê ao trabalho de saber o que esse jovem efetivamente pensa da vida, o que ele deseja, quais são as suas necessidades...
Talvez assim você comece a perceber que algo precisa mudar na maneira como tratamos esses jovens e pensamos a respeito deles. Mas não demore, pois poderá ser tarde demais
Este artigo foi escrito por Hamilton de Assis e publicado originalmente em Prensa.li.