K-Pop: música e muito mais!
Música, dança, política e negócios: o mundo do K-Pop | Imagem: Joel Muniz/Unsplash
Coreografias complexas, quase acrobáticas; visual andrógino; músicas que vão do romântico ao estilo bad boys; vídeos hipnóticos; e um idioma que é ininteligível para quase qualquer ocidental, se embora com palavras misturadas do inglês.
Isto, senhoras e senhores, é o K-Pop. Um estilo que explodiu por aqui em meados da década de 2010, mas acreditem, completou trinta anos.
Já que falamos de idioma, vamos à etimologia da coisa: qual o significado de K-Pop?
O sufixo pop, como você deve supor, é uma corruptela da palavra popular. Exato. Algo que em música é bastante usado, e aqui não é diferente. E o K? Seria Karaokê? Kung-Fu? Kombi? Não! No caso, o K denota origem: Korea.
Direto dos Tigres Asiáticos
Mais especificamente Coreia do Sul, bucólico país asiático com mais de 48 milhões de habitantes, onde as pessoas adoram comer kimchi e têm um vizinho maluco ao norte que faz uma superprodução à la Hollywood para mostrar ao mundo que pode fazer um míssil intercontinental. Mas essa obviamente é outra história.
Não que a Coreia do Sul vivesse num regime exatamente democrático… o governo interferia no que os jovens deveriam ouvir ou não, valorizando o que chamavam de músicas sadias. Eis que em 1992, um rapaz chamado Seo Taiji, líder de uma banda de heavy metal… peraí, isso é sério, produção? O K-Pop tem origem numa banda de heavy?
Sim, isso mesmo. Mas não se assuste tanto, pois é só lembrar que o estilo do coreano Psy, que explodiu por aqui no começo dos anos 2010, é considerada “música de gangster”, a famosa “música de bandido”. Eles precisavam ouvir umas coisas que se fazem por aqui. Sério.
Ele sabia!
Bom, o “seu” Taiji resolveu criar um estilo musical que tivesse um pouco de pop, um pouco de rap, e uma melodia grudenta e romântica. Nascia aí Nan Arayo (em bom coreano, “Eu Sei”). E assim, deixando um pouco o heavy de lado, lá foi ele no comando da banda Seo Taiji & Boys, apresentar-se na televisão sul coreana.
Seo Taiji e seus amiguinhos do metal | Divulgação: Yedang Co.
A primeira impressão foi… impressionante. O estilo era radicalmente diferente do que se esperava. Mas, melodias grudentas e românticas sempre funcionam, desde que o homem pré-histórico resolveu cortejar a mulher pré-histórica com algo mais sutil que um tacape. Afinal, Seo Taiji pôde dizer, “nan arayo”. Ele sabia.
De lá pra cá, gerações de grupos surgiram. Cerca de 250 até hoje, alguns efêmeros, outros duradouros. Aqui não se ouvia grande coisa, até que no início da década de 2010, um gordinho simpático, quase sósia do ditador do país vizinho, deu as caras nessas bandas. Sim, o já citado Psy, com seu Gangnam Style.
Óculos escuros e cara de mau
Meio na galhofa, o artista explodiu aqui, e em todo o mundo. Chegou a derrubar o YouTube. O prestígio fez com que recebesse um convite inusitado: no Carnaval de 2013, Psy foi parar no trio elétrico de Claudia Leitte, e viu atônito toda a pipoca de Salvador acompanhar seu hit.
Psy: cover de ditador e seu estilo inconfundível | Divulgação: PNation
A consolidação do K-Pop por aqui aconteceu poucos anos depois: por volta de 2015, 2016, quase na clandestinidade entre a base de fãs, o nome de vários grupos começou a aparecer. Mas nada como um grupo com um nome um tanto incompreensível, Bangtan Sonyeondan. Ou para os íntimos, BTS.
Sucesso instantâneo
Os rapazes do BTS viraram ídolos de uma hora para a outra, e no seu rastro uma variedade de grupos se transformou em velhos conhecidos dos brasileiros: Blackpink, EXO, Super Junior, Mamamoo, SVT, Monsta X, cada um com vários (e muitos) integrantes. O SVT, por exemplo, conta com 13 artistas. Um time de basquete, com reservas.
Os rapazes do BTS… | Divulgação: Big Hit Music
A coisa cresceu de tal modo que extrapolou limites étnicos, colônias ou mesmo lojas especializadas em músicas asiáticas. Rapidamente, algumas emissoras FM voltadas ao público jovem começaram a executar seus sucessos. Programas de TV segmentados apresentavam os clipes.
Até mesmo o tradicionalíssimo Programa Raul Gil criou um concurso para covers dos grupos em 2018, o 100% K-Pop. Durante semanas, o quadro deu primeiro lugar ou pelo menos a vice-liderança ao SBT.
Em 2020, segundo uma pesquisa do Spotify, o Brasil tornou-se o quinto maior mercado mundial para o gênero, com crescimento de 47% ao ano. Nada desprezível num gênero que não tem a força comercial das músicas norte-americanas ou europeias.
… e as garotas do Blackpink | Divulgação: YG Entertainment
Porém, quem acha que a fórmula para um grupo destes reside em músicas grudentas com coreografias animadinhas, se engana. O K-Pop é uma indústria de criar sucessos. Agências de talentos desenvolveram campos de treinamento, com rigor e disciplina de fazer inveja às Forças Armadas.
Exército do Pop
Frequentemente, empresários abrem inscrições para trainees, além dos indicados por olheiros. Quase como no futebol. Os selecionados precisam frequentar a escola, como qualquer mortal, e enfrentar uma rotina dura de treinos: vocal, coreografia, atividades físicas variadas, além de aulas de atuação.
Os selecionados assinam contratos leoninos, que praticamente colocam sua vida, profissional e pessoal, na mão dos empresários. Os contratos costumam ter validade de dois anos ou mais, e caso o trainee não se enquadre (até mesmo nos índices de massa corporal) pode ser dispensado sem cerimônia.
E a competição pelo sucesso não se limita entre um grupo e outro, mas entre os próprios integrantes, cobrados e incentivados a ofuscar seus próprios colegas, numa rotina de rivalidade interna bastante incomum em outras culturas ou gêneros.
Não é raro que alguns desses trainees dispensados acabem desenvolvendo quadros de depressão. Não é muito difícil encontrar blogs dedicados a expor esses depoimentos. Mas tem ainda mais por trás do K-Pop que música, sucesso e muito trabalho.
Sem fronteiras
Os governantes sul-coreanos, que antes batalhavam pelas músicas sadias, acabaram por se render ao K-Pop. O gênero, assim como os doramas (as novelas made in Korea) passaram a representar o país internacionalmente. Com o estouro dos K-Poppers, o país saltou de 30º para 6º produtor mundial de música. E isto transforma-se em diplomacia… e divisas.
K-Pop, até na ONU | Divulgação: SBS
Não foi por acaso que em 2018, o BTS foi convidado a discursar na Assembléia Geral das Nações Unidas, falando sobre aceitação, tolerância e amor próprio. No mesmo ano, o grupo feminino Red Velvet foi convidado de honra em uma reunião entre o presidente do país e o vizinho do norte, numa conversação de paz entre as duas Coreias.
Nada mal para um estilo que nasceu do improviso de um cantor de heavy metal frustrado.
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.