Sonhos roubados e inocência perdida - Noite Passada em Soho
Imagem: Divulgação
No seu primeiro thriller psicológico, o diretor Edgar Wright (Baby Driver) conta a história de duas mulheres em uma cidade avassaladora, capaz de destruir qualquer ambição. Situado em épocas diferentes (presente e anos 60), o filme envolve em mistério, assombrações e um pouco do gênero slasher, a cidade de Londres – que é uma personagem à parte.
Eloise (Thomasin McKenzie) é uma jovem com grandes aspirações de se tornar uma designer de moda, que se muda do interior da Inglaterra para a capital com muitos sonhos – e alguns pesadelos.
Anya Taylor-Joy, conhecida pelo seu trabalho em “O Gambito da Rainha” (Netflix) e “A Bruxa”, interpreta da forma mais cativante possível a aspirante a cantora Sandie – que, nos anos 60, tenta se tornar a atração principal de uma casa noturna em Londres.
Com fotografia de impressionar e uma trilha sonora contagiante, Wright não decepciona quem já tinha conquistado com os seus projetos anteriores, especialmente com “Baby Driver”. Vale o destaque para Anya, cantando à capela o clássico “Downtown”, de Petula Clark.
Anya como Sandie preformando "Downtown" | Imagem: caputura de tela
“Londres não é o que você imagina”
Quando chega à Londres para estudar Design de Moda, Eloise se deslumbra com a metrópole que havia visitado antes, durante a infância, com a sua falecida mãe. “Parece tão diferente!”, ela comenta com o taxista – que logo em seguida a assedia, o que é o primeiro indício de que as coisas não seriam da forma como ela sempre idealizou.
Edgar Wright, que antes havia pensado em Anya Taylor-Joy para o papel de Eloise, acertou precisamente ao escalar a – por enquanto - pouco conhecida atriz Thomasin McKenzie (que estreou em Jojo Rabit) para interpretar a jovem ingênua e sonhadora.
Ellie, a caminho de Londres. | Imagem: Reprodução
A primeira impressão é de que Ellie, como se apresenta ao chegar na faculdade, não vai sobreviver à intensidade de uma cidade como Londres, e ao péssimo acolhimento de sua colega de quarto.
Apesar da aparente fragilidade, Ellie é determinada e decide se mudar para o vibrante bairro Soho, onde aluga um quarto na casa da senhora Collins, interpretada por Diana Rigg, em seu último filme. A atriz morreu em setembro de 2020 e o filme foi dedicado a ela.
Em sua nova estadia, Ellie se encontra. Toda decoração e mobiliário do quarto parecem ter parado no tempo – nos anos 60. “Se eu pudesse viver em qualquer lugar, em qualquer época, eu viveria aqui: Londres, nos anos 60.”, confessa para Miss Collins.
“É perigoso romantizar o passado”
Essa foi uma declaração que Wright fez durante a divulgação do filme no Festival de Cinema de Veneza. E isso, Eloise aprende da forma mais difícil. A jovem é fascinada pela década de 60.
Desde os discos de vinil de sua avó que ela escuta sem parar, às suas criações inspiradas pela moda da época, até a decoração de seu quarto – com direito a um poster da icônica modelo dos anos 60, Twiggy – Eloise não esconde que preferiria ter nascido em outra época.
E quando ela começa a visitar o passado, por um motivo pouco explicado, toda noite desde que se muda para a casa de Ms. Collins, não é de se espantar que ela reviva justamente a década dos Beatles e das minissaias.
É em sua primeira noite que Ellie, completamente desavisada e usando pijamas, conhece Sandie – outra jovem mulher ambiciosa cheia de sonhos tentando sobreviver à Londres.
Nesse momento, temos uma das melhores sequências de todo filme, com Anya e Thomasin revezando em uma dança sincronizada com Jack, interpretado por Matt Smith (Doctor Who).
Matt Smith e Anya Taylor-Joy durante a cena de dança mais milimetricamente planejada do filme | Imagem: Reprodução
Wright contou para Vanity Fair que não usou efeitos de computação gráfica para a cena e que foi um trabalho em equipe, desde o elenco até os operadores de câmera. “Muitas pessoas pensam que há algumas edições interessantes acontecendo aqui, mas na verdade esta é uma tomada ininterrupta.”, explica.
“A troca de lugares não é captura de movimentos, é a Thomazin e a Anya correndo de lados opostos da câmera. A sequência com os espelhos não é tela verde. São truques como sets duplicados, espelhos que deslizam por dentro das câmeras”.
Foi um trabalho minucioso que valeu a pena para o resultado espetacular da cena.
A partir desse momento, Ellie cria uma conexão especial que, a princípio é de admiração, mas logo passa a ser protetiva e preocupada. Ela se encontra exatamente onde sempre imaginou que deveria estar, cativada e inspirada pela sua musa, Sandie.
Imagem: Reprodução
Quanto vale um sonho?
O que Ellie descobre durante suas viagens ao passado, é que a realidade vivida por Sandie, e tantas outras mulheres da época, não chega nem perto de ser glamurosa como ela pensava ser. Logo, os sonhos antes apaixonantes, se tornam um verdadeiro pesadelo.
Com um início divertido e dançante, a trama de ‘Noite Passada em Soho’ começa a se desenvolver como um bom suspense psicológico, cheio de nuances e, inclusive duras – porém, não surpreendentes – revelações sobre a indústria de entretenimento.
Conforme Ellie começa a duvidar sua sanidade mental, e nós começamos a desvendar o que realmente aconteceu à Sandie em Soho no passado, o filme se torna um terror vivido até hoje por grande parte das mulheres.
Até o seu fatídico e justo final, Wright segura a nossa atenção com um soco no estômago e um nó na garganta. A última declaração de Sandie sobre sua vida é profundamente triste e corajosa ao mesmo tempo.
‘Noite Passada em Soho’ é uma viagem ao passado diferente de todas as outras. Prepare-se para se divertir, se assustar e se chocar com a história de duas jovens mulheres contra a dureza de Londres.