Le signe du lion - Éric Rohmer (Crítica)
É o primeiro filme do Rohmer que assisto. Ouvi muito falar dele por um amigo meu, mas nunca tinha visto nada dele. O primeiro que escolhi foi o primeiro filme que ele dirigiu. Le signe du lion. Algo relacionado a astrologia, que, de forma às vezes meio indireta, está presente no filme.
O personagem principal, Pierre, um músico americano que busca o sucesso e reconhecimento em Paris, é do signo de leão. Falido, ele descobre por meio de um telegrama que recebeu uma herança de uma tia muito rica.
Sabendo dessa notícia, contata seus amigos e dá uma festa com tudo o que tem direito: bebidas caras, comidas caras e garotas de programa. Porém, algo acontece: na verdade sua tia havia o deserdado e dado sua herança para seu primo. Pierre passa a viver na rua, pois não tem dinheiro nem para pagar a diária do hotel que morava.
Há cenas e cenas de Pierre andando por Paris, buscando os cafés que antes habitava e vendo seus conhecidos ter uma vida que lhe causa inveja: eles têm dinheiro, companheiras, desconhecem a miséria e a fome que Pierre começa a passar. Com uma beleza e sensibilidade desconcertantes, Rohmer mostra a decadência de alguém que almejava a riqueza e a burguesia francesa intelectual, consertando seus sapatos com o que consegue achar na rua (pois eles abriram de tanto que Pierre caminha na rua em busca de uma vida digna, após sua queda).
O fracasso e infâmia de Pierre chega a tanto que ele precisa roubar o resto da Feira para sobreviver e não perecer de fome: é olhado com desprezo até pelos seus que antes o bajulavam. Tudo se perde, Pierre anda por Paris, vendo casais burgueses apaixonados, entre os cafés que antes frequentava com um ar de melancolia e despertencimento.
Por fim, acaba fazendo amizade com um outro mendigo, bem artístico, que o chama de ‘’barão’. Assim eles vão para os cafés em troca de um trocado para não morrer de fome. Eis que seus antigos amigos descobrem que o primo em questão morreu, e que a herança bilionária é sua por direito. Buscam o procurar, mas não o acham pois Pierre não possui mais endereço fixo uma vez que mora na rua.
Eis que em um momento, Pierre está em um café onde seus amigos estão: Está bêbado e não sente mais vontade de viver ou de se relacionar com o mundo. É aí que seus amigos o encontram e o informam que ele é sim digno de sua herança. O filme acaba com Pierre chamando seus amigos para uma festa. Mas o que está por trás de tudo isso?
Pierre simboliza o verdadeiro sonho americano, com toques de requintes franceses: ser admirado por sua arte, sua música, seu violino desafinado, e com isso conseguir prazer na vida: festas, bebidas, companheiras… um sonho comum que é oferecido a todos os artistas de sua época (o filme é de 59). Ao se deparar com a frustração, fica perdido e vive o que há de mais vergonhoso para alguém como ele: o desprezo de quem mora na rua e não possui dinheiro para viver o seu sonho.
Uma dialética cruel entre o possível e o real, a miséria e o luxo, até mesmo dos artistas. Talvez até uma crítica sobre como esse sonho artístico é limitado ao burguês que possui dinheiro para o sustentar. Pierre perde tudo, para se alimentar precisa achar trocados na rua em troca de uma baguete, roubar a xepa da feira para se alimentar.
A questão da herança está presente como fator determinante no filme: quando o personagem possui, está vivo, esbanjando; quando a perde, está na pobreza, rogando por trocados para se alimentar. Assim como uma certa tradição cinematográfica do realismo italiano, Pierre passa fome, e a fome é retratada de forma explícita por entre as câmeras, no fim tudo é sobre comer ou não comer.
O final é uma releitura de seu começo: quando Pierre descobre que de fato tem direito a herança repete o ato inicial de celebração. Festas, exageros, boemia, celebração. Havia aí uma relação entre dinheiro e prazer? com toda certeza.
Como o prazer é capturado pelo capital, e como a esperança de uma vida digna está atrelada com uma vida com dinheiro. É o primeiro filme de Rohmer, mas acho muito parecido com o ''Accattone'' de Pasolini, e até com os primeiros filmes da Nouvelle Vague Francesa. Um cinema que foge dos ideais e foca em situações trágicas causadas pela pobreza e miséria. Um filme que escancara a guerra de classes e a relação e produção artística.
Este artigo foi escrito por Felipe Cyrillo e publicado originalmente em Prensa.li.