Leituras em espera: uma topologia
Na pauta de debates sobre a leitura, não são consideradas as questões da diversidade dos objetos e dos modos difusos do ato de ler. Na verdade, mesmo a leitura sendo encontrada em diferentes lugares - às vezes, inusitados - a representação dessa prática cultural é somente a delineada pela tradição letrada, que atribui valores e aparatos concretos e simbólicos restringindo-a a uma determinada classe social.
No entanto, basta um olhar mais atento para os cenários da vida cotidiana para constatarmos muitas outras formas de se ler, diferenciadas do modelo irradiado pela cultura de prestígio.
Encontramos leituras em bancos de praça e de jardins, em bancas de jornal e revistas, em filas ou no interior de transportes coletivos, em bibliotecas públicas, nas esperas de atendimento, em guaritas, em salas de embarque, hospitais, cadeias e até em elevadores. Todos esses espaços sociais, entretanto, são pouco considerados, quase invisíveis em importância social, por não corresponderem ao modelo ideal de ler.
A prática da leitura, agora, escapa dos gestos que a querem fixar como parte de uma rede constituída pela cultura hegemônica reproduzida e projetada na realidade com representações de uma leitura ideal, que agem como ferramentas de manutenção de certas condições históricas, de manutenção ideológica e de perpetuação de poder. A leitura prescinde de lugares configurados, de rituais, ocupando os espaços públicos.
A constatação dessa lacuna desautoriza as perenes análises sobre a leitura no Brasil porque exila o aspecto político-econômico que caracteriza a leitura como prática social.
Assim, na fresta de um processo de exclusão social, entretecendo-se com as leituras aceitas pela ordem representativas, as variações do ato de ler espalhadas pelo tecido social brasileiro materializam-se, revelando caminhos de ruptura de uma representação de leitura anacrônica e insuficiente, reorganizando-a de maneira mais real e garantindo mais eficácia nas intervenções pedagógicas e governamentais.
Além disso, as campanhas de incentivo à leitura veiculam mensagens coloridas como a de que ler transforma o leitor em uma pessoa mais feliz e completa sem levar em conta a inserção social dos leitores, ignorando que nem todos têm acesso aos bens culturais.
Portanto a diversidade dos lugares de leitura - assim definidos em função de sua prática - deve constar em qualquer debate democrático para que nossa atuação e intervenção nas diversas instâncias em que ela é tratada não sejam inócuas e inoperantes.
O que, de fato, precisamos é de uma sociedade que garanta a todos o direito de acesso aos bens culturais nela disponíveis, o que só será possível por meio de uma efetiva modificação no ambiente político-econômico de nossa estrutura social.
Este artigo foi escrito por Maria Paula de Souza Turim e publicado originalmente em Prensa.li.