Liberata, inventora de liberdades!
Liberata: escrava comprada com apenas dez anos de idade
Nossa conversa de hoje é sobre Liberata, mulher, escrava, negra do século XIX, da Enseada das Garoupas, litoral de Santa Catarina, hoje município de Porto Belo.
Liberata foi comprada com apenas dez anos, por José Vieira Rebello no porto de Paranaguá, no Paraná, o maior porto negreiro do sul do Brasil.
Isso mesmo ele a comprou com apenas dez anos! Um Brasil de gente que comprava gente, uma verdadeira barbárie.
Não conhecemos o seu berço, se Guiné, Angola, ou outro lugar de África, mas conhecemos muito bem a sua força. Não há informações sobre sua origem, sua terra natal, seu sobrenome, sua família,
Sim, conhecemos bem a sua força. Sabemos que Liberata é inventora de liberdades, pois inaugurou um caminho jurídico para o direito dos escravos, numa época em que escravo só tinha deveres, não tinham direitos reconhecidos.
Os fatos de ser analfabeta,ser uma escrava, e por isso só tinha deveres, morar muito distante das decisões políticas e com uma rede de contatos mínima, não foram limitadores para essa potência chamada Liberata!
Gente que comprava gente: José Vieira Rabello
José Vieira Rabello era escravocrata, possuía 13 escravos, o que representava muito poder a essa família, visto que a população negra da província naquela época era de 6% da população total.
Os seus negócios giravam em torno do plantio de arroz e mandioca, além da exploração da armação de baleia.
Ele era vivente na Enseada das Garoupas, hoje município de Porto Belo, no litoral de Santa Catarina. Casado e com filhos, moravam na primeira casa de alvenaria construída na Enseada das Garoupas. A referida construção de 1775 se encontra até hoje no local.
Alforria em 1813: 75 anos antes da abolição
O ano é 1813, isso mesmo 1813, 75 anos antes da abolição, é possível ler nos documentos encontrados no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro a história sobre a alforria de Liberata.
De acordo com a pesquisa da professora Keila Grinberg, o processo se localiza entre os documentos da Casa de Suplicação, uma espécie de Supremo Tribunal Federal.
E é uma leitura que narra as minúcias das agressões sofridas por Liberata pelo seu senhor. Narra os estupros, as promessas de alforria, a obrigação em ceder aos seus caprichos, enfim, relata as dores e as violências do cárcere, do cativeiro.
Dos estupros resultou a primeira gravidez, ainda na adolescência, e três anos mais tarde a segunda gravidez.
Como enfatiza Angela Bastos, “(...) ela se destaca em um grupo minoritário de escravos que precisam de conhecimento e de contatos (...) para que suas lutas chegassem ao Judiciário”.
E Liberata se articulou, com apenas 23 anos, e iniciou o seu longo processo judicial.
Podemos afirmar que Liberata é uma das poucas pessoas no contexto do Brasil escravocrata que, mulher, analfabeta e escrava abusada pelo seu senhor José Vieira Rabello, denuncia-o por maus-tratos, exige liberdade, e consegue sua alforria.
Como analisa a pesquisadora, pós-doutora em História, Keila Grinberg:
“O processo me deu noção concreta de alguém que realmente queria ser livre(...) É importante pensar no nome, Liberata, o qual remete a Liberdade!
Finalizando
O pesquisador Dieter Hans Bruno Kohl, morador de Porto Belo faz a seguinte reflexão: Como numa sociedade escravocrata, uma negra consegue a liberdade fazendo pressão na Justiça?
Ele mesmo busca responder: Isso que Liberata fez é totalmente contra o sistema vigente. Haviam outras formas de um escravo conseguir liberdade, como comprando a sua alforria ou se apresentando em conflitos, como aconteceu na Guerra do Paraguai(...) Ela foi uma mulher de fibra, de vontade, obcecada em conseguir a liberdade.”
No que se refere a comprar sua alforria ela tentou, junto do seu parceiro, mulato livre, o José Pinheiro, com ajuda de um padre, mas o resultado não foi positivo.
E sua luta por liberdade continuou, pois vinte anos depois de ser alforriada, dois de seus filhos, os caçulas, precisaram (re)fazer o caminho da Justiça para evitar uma tentativa de reescravização, como afirma a jornalista Ângela Bastos.
Assim nos guiamos em pleno século XXI com a luz de Liberata por Liberdade, sendo indelével a premissa de viver livre, de viver o fluxo contínuo das nossas escolhas, como um atributo da condição humana.
Obrigada pela oportunidade de conversar sobre essa mulher inspiradora. Abraço fraterno e até o próximo encontro.
Este artigo foi escrito por Fabiana Kretzer e publicado originalmente em Prensa.li.