Livro-reportagem e suas particularidades de escrita
Quando se fala em um livro-reportagem, alguns podem pensar que o suporte se sobrepõe à narrativa jornalística, impondo um modo de escrita diferenciado. Há uma certa razão em se dizer que, na verdade, o ato de escrever uma reportagem em um livro foge um pouco da estrutura que estamos acostumados a ver nos jornais. Mas há um conjunto de motivos para fazer desta ou de outra forma.
O que é livro-reportagem?
O consenso da maioria dos pesquisadores sobre o tema é que o livro-reportagem é uma reportagem, escrita e preparada para o suporte livro. Em muitos casos essa reportagem acabou ganhando notoriedade e mereceu páginas a mais, em outros, foi uma pauta produzida justamente para o suporte, há também os casos em que as reportagens de um jornalista foram reunidas em um livro.
O início das publicações jornalísticas em formato de livro
Reportagens extensas já eram publicadas em formato de livros muito antes de se iniciar a produção de pautas específicas. É o caso do trabalho de John Hersey publicado no The New Yorker como uma reportagem em 1946 e lançado posteriormente em formato de livro. Hiroshima, foi lançado no mesmo ano que a reportagem que tomou todo o espaço da revista. Devido a temática, Hersey escolheu retratar a história da bomba atômica através dos caminhos de seis sobreviventes, no Japão, a reportagem se tornou um livro.
No Brasil, a publicação mais expressiva se iniciou nos anos 80. Na época as condições favoreciam esse tipo de publicação, pois, havia consumidores, o mercado editorial estava em expansão e as temáticas que envolviam o país rendiam bons livros. Nesta época, as reportagens mais interpretativas e descritivas também surgiram. O fim da ditadura militar favorecia publicações mais ásperas sobre o período, além é claro do momento econômico flutuante em que o Brasil se encontrava.
Atualmente no mercado
Podemos perceber uma expansão das reportagens para os livros-reportagens nos últimos anos. A criação de pautas específicas para o formato de livro-reportagem está rendendo bons frutos. Os mais proeminentes livros de não ficção no mercado editorial brasileiro são livros-reportagens. Já perdi as contas de quantas vezes vi o Holocausto Brasileiro ser citado. Com razão, Daniela Arbex disseca a história de Barbacena, cidade de Minas Gerais, onde eram depositados vários corpos em um enorme hospício. Nos anos 60 e 70, foram feitas reportagens, escritas e fotográficas, mostrando o caso de Barbacena, mas não houve uma comoção na época. Hoje, esse livro-reportagem é o primeiro citado quando se fala sobre a luta antimanicomial.
As particularidades de escrita de um livro-reportagem
É possível ver que uma reportagem necessita de espaço para crescer. Um espaço que às vezes é negado às reportagens diárias e até limitado nas revistas. No caso dos livros há espaço de sobra, inclusive para experimentações linguísticas. Aqui se foge da pirâmide invertida e se faz o que bem entende... em partes claro.
Edvaldo Pereira Lima no seu livro Páginas Ampliadas: O livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura diz que o livro-reportagem obedece às particularidades específicas à linguagem jornalística. O que isso significa? Que o produto, ainda que seja literário, mais solto, envolve padrões como noticiabilidade, notoriedade ou denúncia, por exemplo, mesmo que se possa ter a periodicidade mais elástica.
Aliás, falando nele, Lima propõe uma construção de roteiro para livros-reportagem justamente pautada no jornalismo. Você introduz o leitor ao assunto, mostra que ele é importante, e ao longo da narrativa sua missão é aprofundá-lo, dar subsídios para que consiga compreender e interpretar a temática. Para ele, a reportagem é a ampliação da notícia com horizontalização do relato, uma abordagem extensiva no que se refere a termos e detalhes, mas sem deixar a verticalização, o aprofundamento na questão, que só o jornalismo proporciona.
A capacidade do jornalismo de encontrar perguntas e procurar meios de respondê-las (seja através de fontes, documentos ou até relatos em off) é uma das particularidades da escrita dos livros-reportagens. É o que difere de fato, uma produção não ficcional de uma produção de livro-reportagem. Afinal de contas, não-ficção são também biografias, relatos, cartas, enfim, produtos com informações reais. A pauta do jornalismo, além de ser real, precisa ser esclarecida, ou levantar perguntas que necessitam de respostas e não há uma escrita literária, mais solta do lead, que surrupie isso.
Referencias: Edvaldo Pereira Lima - Páginas Ampliadas (2008)
Edvaldo Pereira Lima - Jornalismo Literario para Iniciantes (2014)
Eduardo Belo - Livro-reportagem (2006)
Este artigo foi escrito por Jessica Grossi e publicado originalmente em Prensa.li.