Lúcifer: o demônio, o mito, a série ruim!
Após longos 93 episódios, dos quais daria pra descartar metade com facilidade, Lúcifer tem a “faca” celestial e o queijo na mão para se tornar Deus, procrastina, desiste do cargo e abandona o amor da sua vida por zero motivos.
Hoje estou aqui para um misto de review com desabafo, de quem acompanhou essa série desde o seu desengonçado começo até o seu sofrido final. E da temporada inteira que não precisava ter existido. Tudo isso com spoilers, bora sofrer juntos?
A série foi tão inconstante quanto suas temporadas, a quarta e a sexta tiveram 10 episódios, as demais tiveram um número diferente. Para a terceira temporada, a gula da Fox estava tão grande que encomendaram 24 episódios e receberam 26.
Se Lúcifer começou a se encontrar na segunda temporada com 18 episódios, na terceira ela se perdeu por não conseguir elaborar nada que justificasse um arco tão grande.
Diferente da obra de Dante – onde o Limbo é o primeiro círculo do inferno – a série vai parar no limbo após a terceira temporada, afinal a Fox estava sendo engolida pela Disney e não fazia sentido investir em algo que já estava vendido. Aí veio a Netflix, salvou a série e as expectativas subiram novamente...
Netflix é sinônimo de liberdade, de episódios sem duração fixa, de oportunidade para fazer algo mais ousado.
Pena que ninguém contou isso aos produtores da série. Fizeram menos episódios por temporada, mas continuaram com episódios e subtramas sem sentido. A penúltima temporada foi dividida em duas partes e se a primeira parte não existisse, ninguém sentiria falta.
E voltando aos círculos do inferno, o último é o Lago das Lamentações, uma vasta porção congelada bem no centro da Terra, formado pelas lágrimas dos habitantes do inferno, ou por quem assistiu essa série inteira esperando boas execuções para suas boas ideias, vai saber.
Parece que eu queimei a largada e falei das temporadas enquanto estruturas antes mesmo de falar dos personagens e das tramas, não é? Tudo bem, se os roteiristas de Lúcifer resolveram enfiar viagem no tempo na derradeira temporada, eu também estalo os dedos e recomeçamos pelo princípio, com direito a música de abertura e tudo.
Nan nan nan nan nan. Nan nan nan! — Vai, confessa que você também já cantarolou junto com o riff de abertura. (imagem: Divulgação/Fox)
No princípio havia o verbo. Pera, voltei demais... Lúcifer começa quando o tinhoso se cansa da vida no inferno e vai, com sua demônio preferida, Mazekeen, para Los Angeles se tornar dono de boate, afinal, onde mais os anjos poderiam viver se não na Cidade dos Anjos?
Tudo vai bem até dois assassinatos ocorrerem com pessoas próximas ao diabo. Que, para garantir que os culpados sejam castigados (sua especialidade), resolve se aliar à detetive Chloe Decker.
Culpados presos, casinhos da semana até o final da temporada, onde finalmente temos coisas mais interessantes, como a seita satanista que o próprio Satanás renega; a revelação de que Dan é corrupto e a informação que serve de gancho pra temporada seguinte: a mãe de Lúcifer, esposa de Deus, está na terra.
Algo que começa no oitavo episódio e vai até o final da série, são as sessões de terapia do coisa ruim. Com a ajuda da doutora Linda Martin, o belzebu cresce e amadurece, sempre entendendo errado no começo graças ao seu egocentrismo, mas captando a mensagem ao longo do episódio. E fica aquela mensagem positiva: se até o tinhoso precisa de terapia, imagina nós, reles mortais.
Lúcifer Morningstar, o ápice do charme ao lado da ótima detetive e não tão boa atriz, Chloe Decker. (imagem: Divulgação/Netflix)
Na segunda temporada é que as coisas melhoram, um arco maior é estruturado paralelamente aos casos da semana. O irmão de Lúcifer, Amenadiel, começa a perder seus poderes, o elenco aumenta com a chegada da mãe de todos nós e da melhor personagem, depois do próprio Lúcifer, a senhorita Lopez.
A espirituosa cientista forense, Ella, dá toda uma alegria para a série com suas camisetas engraçadinhas e seu misto de fé e vontade de entrosar com os demais. Ao final da série, era a única personagem da qual eu mesmo já não estava cansado, apesar de ter sido a última a saber de todo o lance celestial.
Também é nessa temporada que Maze descobre sua vocação como caçadora de recompensas, Linda vê o rosto demoníaco de Lúcifer e para de acreditar que tudo o que ele fala é uma grande metáfora. Dan se divorcia de Chloe e descobrimos que ela é resultado de um milagre de Deus, predestinada a encontrar Lúcifer.
Claro que essa descoberta não agrada e esfria a relação entre os dois. Após várias reviravoltas, Lúcifer abre um portal para uma realidade onde sua mãe possa viver livre, o corpo que ela usava volta à vida sem as memórias do período e ainda namora Dan.
Lúcifer resolve contar toda a verdade para Chloe, porém é sequestrado e acorda no meio do deserto com suas asas restauradas. Um baita cliffhanger, com certeza.
Quem precisa de asas com esse corpo sarado e um rosto diabólico? (imagem: Divulgação/Fox)
Como não lembrar também de Caim, o primeiro humano a com umbigo, castigado com a imortalidade por ter matado seu irmão. O personagem vivido por Tom Welling (o protagonista da famosa série Smallville) busca na capacidade de Chloe tornar as pessoas vulneráveis, uma chance de finalmente envelhecer e morrer.
A ideia da temporada é boa, começa com sua chegada e termina com sua morte. Contudo, é mais ou menos por aqui que sinto que a série desandou, ao invés de fazerem duas sagas mais curtas, a longa saga foi desgastante com reviravoltas demais para justificar a duração.
Aqui também temos o cancelamento da série, dois episódios que seriam da quarta temporada — incluindo um com Neil Gaiman, o criador do personagem nos quadrinhos, fazendo a voz de Deus em uma narração — sendo adicionados após o final da série de forma totalmente anticlimática.
Sinta o “muque”, bro. (imagem: Divulgação/Fox)
Passada metade das temporadas e mais da metade dos episódios, Lúcifer vai para as mãos da Netflix, que poderia ter dado um ótimo final para a série, mas os números falaram alto e mais três temporadas foram produzidas. Inesperadamente, acabaram inferiores às anteriores, mesmo com toda a liberdade que a Netflix entrega.
Eu adorei a ideia de um padre como vilão da quarta temporada, aproveitando o momento frágil de Chloe tentando aceitar que gosta do diabo, mas como é típico da série, a execução não ficou tão boa quanto a ideia.
Quando Amenadiel e Linda ficam grávidos você pensa que uma grande história virá disso, mas eles não formam um casal direito, o bebê aparece apenas pontualmente e — a partir desse ponto — a terapeuta vai perdendo boa parte das cenas com Lúcifer, virando uma coadjuvante de coadjuvantes.
É aqui que aparece Eva, que não agregou muito até o fim de Lúcifer. Legal, representatividade, LGBQTIA+ é uma causa importante e uma bandeira da Netflix, só que até a relação dela com a Maze parece algo jogado pela falta de foco da série. De toda forma, não queimaram muito fosfato escrevendo as narrativas dela.
Amor é algo lindo, pena que as atrizes não fazem esse sentimento transparecer na tela. (imagem: Divulgação/Netflix)
Eu realmente achei que a 5ª temporada seria a última, até por ser dividida em duas partes e por terminar com Lúcifer derrotando seu irmão gêmeo, Miguel, em uma temporada ainda mais galhofa que a média onde Lúcifer é eleito como próximo Deus.
Vale admitir que assumir a galhofa trouxe episódios que fugiram do óbvio, como Deus fazendo todos (até um morto) cantarem e dançarem Another One Bites de Dust, mas que esses 16 episódios poderiam ter sido 8, poderiam.
Definitivamente um dos pontos mais altos da série inteira!
O que poderia ter sido um final aceitável com todos os anjos se curvando perante Lúcifer e ele assumindo o trono celestial, deu espaço para uma sexta temporada onde nada de muito empolgante acontece.
Lúcifer enrola pra assumir o cargo que sempre sonhou até cair a ficha (Obrigando, Drª. Linda) de que seu lugar é no inferno ajudando as almas a se resolverem para ascenderem ao paraíso, só que sem direito a pausas do café.
Dava para passar anos no inferno e voltar pra Los Angeles como se tivessem sido apenas horas e ter um tempo de qualidade com Chloe, Trixie e Rory, a filha do casal que ele conheceu já adulta por motivos de viagem no tempo.
Porque se Amenadiel, o Todo Poderoso, consegue cuidar do céu e participar da vida de seu filho, Lúcifer poderia ter feito isso sem apelar para o drama barato de não ver mais sua amada só porque descobriu sua vocação.
Lúcifer, muito provavelmente, é a melhor série ruim que eu já assisti. Mesmo sabendo que era ruim, não consegui parar de acompanhar até o último episódio. Nem as atuações sofríveis da maioria do elenco,nem a formatação episódica digna de séries famosas 20 anos atrás me fizeram abandonar Lúcifer, porque se tem uma coisa que esse anjo caído sabe, é ser sedutor.
O que eu realmente desejo, Luci? Que a série tivesse sido feita com mais esmero. (imagem: Divulgação/Netflix)
Imagem de capa - Divulgação/Fox
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.