Lupin - Parte II - O bandido mais carismático da Europa
(Spoilers de Lupin)
Tem uma cena no episódio final desta “segunda parte da primeira temporada” de Lupin, que me intriga.
Nosso protagonista, Assane, que até aqui passou por poucas e boas, “fugindo da polícia”, “mantendo um relacionamento saudável com a ex e com o filho” e “jogando charme para todo mundo à sua volta”, se vê encurralado. Sob a mira de uma arma, finalmente se rende e não há como escapar.
Então o ladrão fala para seu inimigo que… A trava da pistola está acionada… E que vai… Destravá-la para ele…?
E o capanga… Deixa?
E é claro que Assane trava a arma do capanga mais obtuso da história da narrativa mundial e consegue fugir.
E o que me intriga é uma série de fatores. Não consigo imaginar como um roteirista pensou nesta cena, como uma comissão da Netflix aprovou o absurdo, e ela chegou a uma equipe que filmou, editou e transmitiu a milhões de pessoas via streaming.
Também me intriga como essa cena não me incomodou nem um pouco o quanto deveria.
Quando você está começando uma história, ela faz um pacto com você. Ela garante qual o limite até onde você pode suspender sua descrença. Isso tem o nome inacreditável de “suspensão de descrença”. Se apresentamos que um kryptoniano pode voar, mesmo que sem explicação, você não vai se incomodar com o sujeito flutuando por aí pelo resto da saga.
E tudo bem que uma série policial mais “boa praça” como Lupin não esteja exatamente preocupada com realismo ou lógica. Mantendo a lei da gravidade no lugar, o resto a gente conversa. Mas vamos fazer como todos os personagens dessa série: sejamos francos.*
Omar Sy é o culpado
Lupin é uma série que está aqui somente pelo nosso entretenimento e diversão. É quase uma resposta da gigante do Streaming à onda de séries maníacas e vampirescas, que sugam nossa atenção, nossa vida e nossa energia. Lembre das magníficas Breaking Bad, Lost ou Game of Thrones.
Enquanto tantos outros projetos tentam (repetidamente) capturar aquela essência, de aprisionar você semana a semana, o estilo binge watching prefere entregar uma experiência completa. A desvantagem disso é o pouco tempo em que uma série permanece no zeitgeist.
A Disney+, por exemplo, entrega seus novos sucessos, como WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal, Mandalorian e Loki, um episódio por semana, nos envolvendo em tramas mais complexas. Séries como Lupin, por outro lado, precisam vencer pelo nocaute.
É aí que entra aquele sorriso espetacular do Omar Sy. Nenhuma das séries citadas acima tem um personagem com metade do carisma que este senhor esbanja.
Se vamos criar uma série onde o protagonista é um criminoso (mas com muita ética e valores), pai de família (mas cheio de flertes aqui e ali), com um passado sombrio (mas uma infância cheia de comédia), não temos alternativa. Precisamos de um Robin Hood capaz de vender uns absurdos e desarmar nossa descrença ao extremo.
A série de livros que deu origem à série, de Maurice Leblanc, é sobre um ladrão que não é “mau”. Rouba mais por esporte do que por necessidade. Gosta mesmo é da adrenalina. É estiloso, asseado, educado. Não é como outros ícones da aventura masculina europeia do século XX. Como aquele troglodita britânico, a serviço de sua majestade. Arsene Lupin é alguém com finesse.
Daí a série sobre um ladrão de casaca, na Paris de hoje, que se inspira no Lupin literário não vai ser como essa onda de filmes adolescentes-que-querem-ser-adultos. Essa coisa de “super-herói sombrio”.
No momento mais dramático, logo quando descobre que seu pai foi assassinado, a série tenta nos convencer que Assane está contemplando se vingar na mesma moeda. Mas esse não é o nosso Assane, não é o nosso Lupin, que usa capa e cartola.
Não, esse é o cara que previu cada centímetro dos acontecimentos, dribla o vilão, rouba as joias, trava a arma do capanga com sérios problemas de cognição e sai pela porta da frente, tirando onda.
No final da temporada temos um lampejo de tragédia. Nosso Lupin moderno agora é foragido, procurado na França inteira, e precisa deixar a mulher que ama (volta pra ele Claire! Perdoa ele!), o filho com quem tem uma relação mega especial, para não acabar preso.
Mas é outra piscada. É outro chiste. Tragédia, aqui, acabe em pizza. Ou croissant. Logo antes dos créditos vemos a frase que anima ao mesmo tempo que cria uma ansiedade momentânea: Lupin vai voltar. Omar Sy não terminou seu trabalho de sedução-via-furto.
Claro, com cinco episódios assistidos de uma vez, logo voltamos à nossa vida diária de esperar a próxima semana para ver outra série em outro canal.
Mas que lá no fundo a gente está bem ansioso, ah, estamos sim.
*- peço perdão pela piada horrorosa, à qual não consegui resistir.
Imagem de capa - Reprodução - Netflix