Mano Brown resgata nossas raízes africanas
No extraordinário podcast Mano a Mano com o arqueólogo e teólogo Rodrigo Silva, o Mano Brown fez uma observação extremamente importante. Segundo o artista, a história da África e dos negros é muito rica e grandiosa para as instituições de ensino a estudarem apenas a partir de um período tão curto da existência desta civilização milenar. Isto é, quando do contato dos negros africanos com os europeus no século XV.
Para uma civilização complexa e diversa com cerca de 5.000 mil anos de história, a educação formal focar apenas ou sobretudo nos seus últimos 600 anos, é um reducionismo crasso.
A história da África ensinada na civilização ocidental é basicamente a história da escravidão moderna. Ignora-se todos os extraordinários impérios africanos que antecederam o advento da Idade Moderna concebida e dominada pelos europeus.
Mesmo as grandes civilizações e impérios africanos remanescentes durante as Idades Moderna e Contemporânea são quase que esquecidos pela educação brasileira.
Essa situação mudou um pouco a partir de janeiro de 2003 por meio da lei de obrigatoriedade do ensino de história da África e afro-brasileiros em escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio.
No entanto, mesmo depois de mais de dezoito anos após a promulgação da lei 10.639/03, ainda há a dificuldade de implementação efetiva do ensino de história africana e afro-brasileira.
Os obstáculos são muitos, os professores ainda sofrem por uma formação acadêmica eurocêntrica e deficitária de história africana e negra. Há a falta de fiscalização por parte das secretarias de ensino para exigirem das escolas a aplicação eficaz e contínua do ensino de história da África e afro-brasileiros no currículo escolar.
Geralmente, segundo a educadora Carla Meinerz da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, as escolas abordam o tema apenas de forma sazonal durante o Mês da Consciência Negra. Durante o restante do ano letivo o ensino de história africana é praticamente ignorado.
Perante esta situação, é de suma importância que todos os engajados e engajadas na construção de uma sociedade mais igualitária, divulguem por todos meios possíveis a grandiosidade da história e cultura africanas e afro-brasileiras, a fim de desmistificar o senso comum que reduz apenas ao trabalho escravo a contribuição do negro na construção do Brasil e do mundo.
A ancestralidade do Mano Brown
A preocupação do Mano Brown acerca de nossas origens também é a minha há muitos anos. Por isso vou fazer um breve relato acerca de um espetacular império africano, pouco conhecido e estudado até mesmo na academia: o Império Kush.
Este império surgiu como um reino por volta de 1800 a.C., na região do atual Sudão, na África Subsaariana. Esse Estado foi um reino riquíssimo e desenvolvido, sobretudo graças ao comércio de ouro realizado com os egípcios.
Inclusive, o Império Kush dominou o poderoso Egito - embora já estivesse em decadência - por quase um século (750-664 a.C.), os soberanos kushitas tornaram-se reis do Egito.
Ao contrário do patriarcado no Ocidente, no Império Kush tivemos inúmeras mulheres soberanas, as sociedades matriarcais são tradicionais na África. As chamadas Kandakes ou Candaces (rainhas-mães) governaram por muito tempo o Império Kush, a primeira grande rainha foi a Shanakdakhete.
A maior de todas, entretanto, foi a rainha Amanirenas, que organizou e conduziu um poderosíssimo exército que resistiu ao domínio do quase imbatível exército romano do início da Era Cristã, ou seja, durante o apogeu do Império Romano.
A Amaniremas foi uma mulher preta extraordinária! Portanto, os romanos não dominaram a África Subsaariana por não ter interesse no continente, mas por ter sucumbido ao poderio militar do Império Kush.
A escola de samba Salgueiro homenageou as Candaces com samba-enredo homônimo no Carnaval de 2007. O Mano Brown fez um teste de DNA e descobriu que ele tem ascendência kushita.
Agora faz todo sentido o fato do rapper ser um grande guerreiro do povo afro-brasileiro, ele é descendente de magníficas mulheres negras kushitas, seu ímpeto combatente está no sangue.
Bibliografia:
Mano a Mano: Mano Brown recebe o prof. e arqueólogo Rodrigo Silva. Locução de: Mano Brown. Produtora: Spotfy, 11 de novembro de 2021. Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/5hXNdvx8pYl4Ai3HCuaSnG. Acesso em: 19 de novembro de 2021.
SASSO, Nathalia; MEDROA, Camila. Lei 10.639 completa 15 anos na educação brasileira ainda com dificuldades de implantação. Humanista, 10 de setembro de 2018. Disponível em: https://www.ufrgs.br/humanista/2018/09/10/lei-10-639-completa-15-anos-na-educacao-brasileira-ainda-com-dificuldades-de-implantacao/. Acesso em: 19 de novembro de 2021.
MOKHTAR, Gamal. História Geral da África, Volume II: África Antiga. Editora: Cortez. São Paulo, 2011.
Este artigo foi escrito por Célio Roberto e publicado originalmente em Prensa.li.