O conceito de Open Banking pode transformar o mercado financeiro e por isso tem sido debatido intensamente. O compartilhamento de dados é um dos pontos chave desse modelo. Imagine seu aplicativo de controle de gastos e despesas com acesso as suas informações de cartão e conta corrente, para assim gerar dados mais precisos sobre suas finanças pessoais. Estamos falando de um serviço personalizado e de acordo com suas necessidades.
O empoderamento do consumidor, como dono de suas informações bancárias é a essência do Open Banking. É o usuário quem decide como e com qual instituição compartilhar seus dados.
A partir daí, inicia-se uma discussão delicada que envolve a regulamentação desse tipo de atividade no Brasil e como o Open Banking será visto e compreendido, tanto pelos clientes quanto pelas instituições relacionadas.
É por isso que em nossa segunda live de Open Banking decidimos abordar as atitudes e desafios para escalar e exponenciar o sucesso e os benefícios da implementação do Open Banking no Brasil.
O bate-papo contou com a moderação Rafaello Mangia (MIT Technology Review Brasil) e a participação de seis autoridades com muito conhecimento sobre Open Banking, representando a visão de diferentes setores:
Paula Mazanek - Safra
Cintia Falcão- ACREFI
Bruno Loiola - Pluggy
Fábio Lacerda - BACEN
Ivo Mósca - Itaú / Febraban
Carlos Augusto de Oliveira - ABBC
A abertura de Fábio Lacerda foi centrada em uma série de tríades que, segundo ele, são essenciais para a compreensão e boa execução desse grande projeto chamado Open Banking:
Objetivos de política pública
Ampliação de acessos
Redução de custos
Melhoria de qualidade
Drivers da intervenção regulatória
Cidadania financeira
Incentivo a inovação
Ampliação da concorrência
Ecossistema
Cronograma
Governança
Escopo
Gestão de riscos
Governança corporativa
Risco de estratégia
Resiliência operacional
Ecossistema
Cronograma
Governança
Escopo
Indução a mercados disputados
PIX
Open Banking
Sandbox
Um ponto de atenção mencionado por Lacerda é que cidadania financeira não se refere simplesmente a questão da inclusão, mas esse conceito vai de encontro ao empoderamento do cidadão, principalmente no que se refere ao compartilhamento de seus dados e da posse dos mesmos. “Nada acontece se o cliente não estiver livremente ciente e de acordo com o compartilhamento de dados”.
Lacerda também destaca que cidadania não necessariamente está relacionada com a bancarização, ou seja, a intenção não é tornar o cidadão um cliente bancário, mas alguém com acesso a serviços bancários. Isso vai ao encontro da famosa frase “Banking is necessary, bank is not”.
Apesar da grande oferta de produtos e serviços com a chegada do Open Banking, esse modelo não trata de “empurrar” uma quantidade enorme de produtos aos clientes, mas sim propor soluções que agreguem valor. Ou seja, aqui falamos de Client Centricity .
Já quando o assunto é inovação, muitos tendem a associar o Open Banking apenas como algo tecnológico, sendo que na verdade ele é um meio e não uma finalidade. A tecnologia é apenas um dos seus elementos, sendo que as estratégias políticas o envolvendo são um desafio muito maior.
Desafios do Open Banking
Entenda, agora, quais são os principais desafios para a adoção do Open Banking:
Regulação
Essa parte do processo deve ser muito bem planejada, uma vez que envolve o tratamento de dados e informações bancárias. Logo, é essencial construir bons parâmetros de segurança para possibilitar não apenas a inovação tecnológica, mas principalmente garantir a proteção de dados.
Padronização
Já que cada banco e instituição financeira desenvolve suas próprias APIS, torna-se um desafio padronizar os dados para que terceiros possam trabalhar aspectos ligados à inovação e ao avanço tecnológico. Dessa forma, as instituições precisam de incentivos para compreender potenciais benefícios de APIs padronizadas.
Cultura
Ainda temos a cultura como um desafio, pois clientes da melhor idade podem não ser tão receptivos às novas ferramentas e tecnologias digitais.
O Open Banking é algo que vai mudar todo o cenário de competição no sistema financeiro nacional. É uma aposta para um novo mundo, mas sem mudanças imediatas.
No caso do Brasil há uma missão muito grande em relação ao Open Banking: seu escopo é o mais abrangente do mundo e possui um prazo curto para implantação, se comparado com os modelos de outros países.
Para Ivo Mósca é preciso saber olhar para o mercado internacional, tirar aprendizados e absorver tudo rapidamente para assim acelerarmos a curva de aprendizado e seguir o cronograma de forma mais assertiva, inclusiva, considerando tosa a pluralidade de opiniões e de entidades que estão participando desse processo.
Uma preocupação que Mósca é referente ao caráter sustentável do ecossistema. O custo de todo esse processo deve ser uma variável avaliada. O Open Banking precisa ser autossustentável e se auto manter da forma menos onerosa possível, tanto para clientes finais quanto para as instituições participantes.
“Quando olhamos de forma geral, temos uma pressão grande envolvendo o prazo, um desafio de fazer a agenda ser cumprida, pensando sempre no baixo custo na segurança. Esta é a condição de contorno dentro da camada de autorregulamentação”.
E depois? O que acontece?
Traz uma reflexão um pouco diferente dos outros palestrantes, mas igualmente necessária. Muito se discute sobre o que antecede a chegada do Open Banking e seus preparativos, mas uma pergunta que devemos nos fazer é: o que acontece depois? E quando o Open Banking for uma realidade?
Devemos nos perguntar como as instituições que fazem parte desse ecossistema digital irão atuar para preservar seu relacionamento com clientes ao mesmo tempo que buscam por novos. Segundo Paula Mazanek, a visão de Customer Centricity citada por Fábio Lacerda se enquadra perfeitamente nessa reflexão. “Quando falamos de Customer Centricity preciso entender que, embora estejamos em um momento de observar os acertos e erros de outros modelos de autorregulação, estamos no fim das contas falando do Brasil”.
A preocupação de Paula vem do fato de que a população brasileira possui pouquíssima educação financeira. “Parando para refletir nos estudos do Banco Mundial, apenas 3% da população brasileira economiza para sua aposentadoria, sendo um dos índices mais baixos do mundo. Na América Latina a média é de 10%” explica Paula.
O destinatário final do Open Banking é justamente um cliente com pouca educação financeira e dessa maneira é imperativo que todos os agentes atuantes desse modelo se empenhem em educar de fato tais cidadãos. Somente assim eles terão capacidades para compreender o que implica dar consentimento para uma instituição sobre seus dados bancários.
Afina de contas, será que todos com conta em um banco saberão o que isso significa?
O Open Banking vem para catalisar a necessidade de todos atuarem nessa frente de forma mais intensiva. Por que tal modelo traz consigo uma particularidade: o paradoxo da escolha. “Não necessariamente o fato de termos mais escolhas faz com que nos sintamos mais satisfeitos por contarmos com mais opções” indica Paula.
Para ela sempre iremos nos deparar com a frustação de não saber se adquirimos o melhor produto por não termos conseguido pesquisar dentre as opções disponíveis. A partir daí vem o questionamento: como as instituições financeiras vão entregar valor e ajudar seus clientes, partindo da premissa de que a primeira entrega deve ser educação financeira?
“Não podemos nos concentrar apenas no aspecto regulatório e na autorregulação, já que é mais urgente que todos os players envolvidos se perguntem como vamos ajudar de verdade o cliente nessa nova economia” afirma Paula. Um dos pontos mais delicados dos brasileiros, segundo ela, é o dinheiro. E não simplesmente a falta dela é uma questão tabu, mas o fato de não saber como lidar com ele.
Benefícios do Open Banking
Para Carlos Oliveira tal projeto tem a capacidade de mudar o mercado como um todo, sendo o compartilhamento de dados apenas uma fatia dentre todas as possibilidades através do Open Banking.
Dentre os benefícios através do Open Banking temos:
Autonomia e empoderamento dos clientes
Com a chegada desse modelo os clientes terão maior liberdade e autonomia quanto aos seus dados bancários. Outro ponto é o aprimoramento do sistema e a competitividade esperada implicará em novos e diversos produtos e serviços bancários para o consumidor.
Redução de custos
A abertura de APIs bancárias e o surgimento de um sistema mais integrado irá permitir uma diminuição do número de intermediários para a execução de diferentes processos, como consequência temos redução de custos.
Serviços melhores e personalizados
A partir do Open Banking, instituições financeiras, além dos bancos, terão liberdade para desenvolver APIs e para criar aplicações mais eficientes para seus clientes. Assim as atividades e operações serão melhor direcionadas ao bom funcionamento da instituição.
“Temos como base a inovação, oferta de serviços, criatividade e a capacidade de privilegiar o cliente”, afirma Oliveira. Porém, para atingir todos os objetivos, Oliveira acredita que temos um grande desafio adiante: a governança da autorregulação. Fazer com que ela não somente cumpra com seus objetivos, mas também favoreça a competição e desenvolva o ecossistema de forma funcional e com segurança.
Para ele essa é uma ótima oportunidade, desde que saibamos aproveitar e aprender com as experiências já existentes de Open Banking. “Ainda há no mercado gaps de entendimento e conhecimento do que pode ser o Open Banking”. Do mesmo modo como algumas pessoas não enxergam como podem se beneficiar desse modelo, temos instituições que não veem quais serão suas vantagens.
Oliveira ainda comenta que o projeto Open Banking não se trata de uma questão tecnológica simplesmente. Tal modelo é muito mais que isso e seus desafios serão na estratégia de negócios. “É preciso ver como cada instituição pretende se posicionar e oferecer valor ao cliente”.
Open Banking e proteção de dados
Um ponto muito importante do Open Banking citado por Cintia Falcão é a mudança de relacionamento com cliente, sendo seu foco a população, não o mercado financeiro em si. Para isso é fundamental que o projeto Open banking seja compreendido em sua totalidade, e a partir disso vale os esforços das instituições em informar, da forma mais clara possível, seus clientes atuais e os futuros também como se dará todo esse processo.
Logo, a população precisa ser bem informada, para que assim saiba quais são os benefícios e como ela irá utilizar da melhor maneira esse sistema. Cintia Falcão também afirma que a Resolução Conjunta nº 01 é totalmente influenciada pela LGPD e que precisamos nos preocupar com a questão da proteção dados.
Vale mencionar que o compartilhamento de dados, inclusive pessoais, dos clientes das instituições, que decidam participar do Open Banking é um dos pilares desse modelo, e está alinhado com a Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
Outro ponto é que o conceito de cliente para a Resolução Conjunta não envolve apenas pessoas físicas, mas jurídicas também. Portanto, é vital evidenciar que nem todo dado que circulará no Open Banking será pessoal, pelo menos não para os fins da LGPD, que outorga a sua proteção apenas às informações relacionadas a pessoas naturais.
Quanto a segurança e da privacidade, tanto a LGPD quanto Resolução são explícitas: a privacidade só será efetiva com a garantia de segurança da informação. Em caso de divulgação dos dados, isso indicará que a privacidade foi corrompida.
No cenário de Open Banking teremos um fluxo de dados pessoais terá um elevado volume, ou seja, isto exigirá um profundo conhecimento e constante trabalho de cibersegurança mesmo, e principalmente, após a sua total implementação.
Tanto na LGPD quanto na Resolução, há a necessidade de consentimento para o tratamento de dados pessoais de clientes, sendo que tal permissão deve ser:
Feita livremente;
Informada previamente;
Executada por meio eletrônico, pela qual o cliente concorda com o compartilhamento de dados para finalidades determinadas.
O conteúdo da Resolução indica a necessidade do consentimento, por meio de dispositivos alinhados às diretrizes da LGPD, inclusive em relação às formas, meios e prazos pertinentes à revogação do consentimento e seus efeitos, servindo de inspiração para outras regulações.
Tempo de implementação
O Open Banking está reformulando os serviços financeiros conforme agentes regulares e buscam aumentar a concorrência e a escolha. Nesse ambiente dinâmico, as instituições financeiras devem estar em conformidade, saber gerenciar os custos e manter a segurança e a confiança.
Para Bruno Loiola tanto a LGPD quanto o Open Banking são respostas dos reguladores às mudanças de comportamento e expectativas dos consumidores. Estes já esperam mais conveniência e flexibilidade de acesso aos serviços, o que impulsiona uma experiência digital mais ampla e tecnologia emergente.
“É graças a internet e as novas tecnologias emergentes que estamos vivendo uma era da indústria 4.0, caracterizada pela interconectividade e transparência” afirma Loiola. Todas essas mudanças fizeram com que modelos antigos não mais atendessem completamente às necessidades do consumidor. O que há agora é uma mudança de paradigma, os dados com a chegada do Open Banking serão de fato do cliente.
Ao mesmo tempo isso acarreta em uma preocupação: as pessoas não têm consciência do valor dos seus dados pessoais. “O consumidor ainda não tem ideia que seus dados podem ser utilizados como moeda de troca para melhores produtos e serviços”.
Apesar do enorme desafio relacionado ao tempo, vale ressaltar que a iniciativa Open Banking apresenta uma excelente agenda, bem abrangente e o mais importante: é pró-consumidor.
Este artigo foi escrito por Renato De Stefano e publicado originalmente em Prensa.li.