Maradona através da história
A despedida de Perón, e a estreia pelo Cebollitas
Juan Domingo Perón certamente é uma das figuras mais emblemáticas da história política argentina, assim como futuramente seria Diego Armando Maradona Franco no futebol.
Dividindo opiniões dentre a população, Perón ficou conhecido como pai do “Estado benfeitor”, principalmente por sua força junto às classes trabalhistas e sindicalistas.
Todavia, seu governo também apresentava fortes traços conservadores e nacionalistas, inclusive, por mais de uma vez sendo comparado a um governo fascista.
Mesmo tendo sido o responsável por leis que garantiam férias remuneradas, planos de habitação e aumentos salariais, Perón realizava discursos com embasamento religioso, visando neutralizar o nascimento e crescimento de partidos opositores.
Após tentativas de golpes militares, e o posterior rompimento com a igreja católica, Perón exilou-se na Espanha, retornando a seu país natal somente 20 anos depois.
Nesse meio tempo, mais precisamente em 30 de outubro de 1960, em Lanús, nascia Maradona.
Oriundo de família pobre, o jovem garoto passou toda sua infância vivendo com seus pais e irmãos em condições muito humildes e com poucos recursos.
O jovem Diego, neste momento interpretado por Juan Cruz Romero, demonstra interesse pela bola desde pequeno, não demorando muito para se destacar dentre os demais garotos.
Por consequência do quadro social a qual estavam inseridos, os pais Diego simpatizavam com o governo de Perón, logo, sofreram com o seu falecimento em julho de 1974.
A família pobre não tinha condições de sustentar o sonho de Pelusa (apelido dado a Maradona graças aos cabelos longos), que por sua vez, em seu primeiro teste em um time infantil, encantou não somente o técnico, mas também seus novos colegas de time.
Os treinadores, que a princípio desconfiavam da idade do garoto, logo perceberam que tinham uma preciosidade em suas mãos.
Portanto, começaram a oferecer uma ajuda de custo para que o prodígio pudesse ir e voltar dos treinos, sendo que a possibilidade de sofrer represálias por parte dos militares era grande.
Logo, Maradona já era o mais popular e o principal jogador do Cebollitas. E mesmo ainda residindo no pobre e afastado bairro de Fiorito, Diego, ou El Dies, já liderava a equipe em uma sequência avassaladora de vitórias consecutivas.
Ditadura encoberta pela copa
Já profissional, e vestindo as cores do Argentino Juniors, não demorou para que o futebol de Maradona, agora interpretado por Nicolas Goldschmidt, ganhasse repercussão nacional.
Ainda jovem Diego integrou o elenco principal da seleção Argentina, e mesmo não tendo participado da Copa de 1978, disputada em solo argentino e vencida pelos donos da casa, foi convocado para a seleção de base do país.
No ano seguinte, Maradona vestiu o manto Albiceleste e guiou a esquadra sub-20 ao título mundial. Inclusive, sendo premiado como o melhor jogador da competição.
Com o título da copa do mundo, a conquista do mundial sub-20, e o exponencial crescimento de Maradona, as atrocidades que ocorriam em solo argentino passavam despercebidas perante a maioria da população.
A Argentina passava por um dos seus piores momentos políticos já registrados na história.
Nas mãos do general Jorge Rafael Videla, que através de um golpe de Estado depôs María Estela Martínez de Perón (terceira esposa de Juan Domingo Perón), o país sofreu com censura, cerceamento da liberdade, torturas e afins.
O que restou ao povo para se entreter foi o futebol. Assim como a ditadura vivida no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, o temor dos civis era semelhante em nosso país vizinho.
As pessoas temiam sair de casa e não saber como terminariam o dia, a mídia era censurada, e nada que fosse contrário aos ideais políticos era publicado ou divulgado.
Los amigos del barrio pueden desaparecer
Los cantores de radio pueden desaparecer
Los que están en los diarios pueden desaparecer
La persona que amas puede desaparecer
Autor: Charly García
Música: Los Dinosaurios
Por conta da presença das forças armadas nas ruas, pouco falava-se das atrocidades da ditadura. Mas o futebol seguia em alta.
Campos de tortura disfarçados estavam distribuídos por toda Argentina, e regularmente pessoas, principalmente jovens e adolescentes, desapareciam sem deixar rastros.
As mães desses jovens, em busca de respostas, se reuniram em frente da Casa Rosada (sede do Governo argentino), esperando que fossem atendidas e respaldadas.
Após receberem ordens para “circularem”, as mães, usando as fraldas de pano de seus filhos como lenço em suas cabeças, começaram a andar em círculos em torno do monumento erguido na Plaza de Mayo.
Desse modo, nascia um movimento que ganhou força e proporção, e que existe até os dias atuais.
Las Madres de la Plaza de Mayo, movimento iniciado por quinze mulheres, completou 43 anos de existência em 2021, e tornou-se um símbolo de resistência e luta feminina, com proporções a nível global.
Imagem destaque: Las Madres da Plaza de Mayo/Reprodução internet
Enquanto isso, em 1982 Maradona era protagonista da maior transferência do futebol, deixando o seu segundo clube, Boca Juniors, partindo para o Barcelona na Espanha.
A chegada do craque argentino craque argentino à Espanha foi um marco na história do Futebol.
O Barcelona teve que desembolsar mais de sete milhões de dólares para contratar El Dies, até então agenciado pelo seu colega de infância Joge Cysterszpiler, interpretado por Peter Lanzani.
Apesar de todo o glamour, a série deixa bem claro o modo como os sul americanos são vistos e tratados pela população espanhola.
Embora o craque tenha sido recebido de maneira calorosa pela nova torcida, seus familiares que o acompanhavam naquele momento, não tiveram a mesma sorte.
Em mais de um momento vemos de que maneira o europeu, mais precisamente o espanhol, se refere ao povo Latino, utilizando termos pejorativos, como por exemplo Sudaca, para menosprezar a população de outra região ou país.
Diego Maradona também vivenciou tal discriminação através da imprensa local, torcedores adversários, e até mesmo de dentro do próprio clube.
Apesar das conquistas em terreno basco, tal postura da torcida, a vida pessoal de Diego, somados a outros fatores, favoreceram a precoce negociação do jogador após duas temporadas jogando pelo Barcelona.
Embora tinha compromisso com a realidade, a série deixa claro que determinados trechos podem ser ficcionais, todavia com intuito de relatar de maneira resumida e sucinta passagens marcantes da vida de Maradona.
Paixão, fascismo e corrupção
Imagem destaque: Maradona pela Lazio / Reprodução Alessandro Sabatini
Após polêmicas envolvendo a relação do craque com a diretoria, noitadas, lesões, e a suspeita do uso de drogas, o camisa 10 foi negociado com o clube italiano Napoli.
Em julho de 1984, aclamado e ovacionado pelos torcedores, Maradona chega à Itália vestindo a camisa do seu segundo clube europeu.
Apesar do amor pelo futebol manter viva a imagem da torcida argentina na memória de Pelusa, por mais de uma vez, o camisa 10 presenciou cenas de racismo dentro do esporte, principalmente quando o Napoli jogava contra clubes do norte do país.
Na série, tais ocasiões ficam muito bem evidenciadas em um momento que o plantel viaja até Roma, e tem seu ônibus apedrejado, e seus jogadores xingados com termos racistas pela torcida da Lazio.
Vale relembrar que em outubro de 2021 Juan Bernabé, adestrador de aves, foi demitido da Lazio após ato racista minutos antes do início da partida entre o time da casa e a Inter de Milão.
Naquele sábado, pouco antes do apito inicial, Juan desfilava à beira do campo carregando em seu braço uma águia, mascote da Lazio. Em determinado momento, enquanto contornava o campo, o adestrador e a torcida fizeram a tradicional saudação nazista, também utilizada pelos fascistas italianos.
Por fim, Juan saiu ovacionado pelos Biancocelestes que celebravam o ato em coro gritando “Duce! Duce! Duce!” - Duque Traduzindo para o português. Duque Segundo foi o título adotado pelo ditador italiano no ano de 1925.
Logo que o vídeo viralizou na internet, a Lazio se pronunciou dizendo que Bernabé não era funcionário do clube, e sim de uma empresa que prestava serviços à Lazio, e que de qualquer forma não contava mais com o trabalho do adestrador de aves.
Sandro Pertini era o presidente da Itália no ano da chegada de Diego ao novo clube e ao país. A Itália, que por mais de uma vez foi considerada uma grande potência mundial, não vivia bons momentos, nem econômicos, tampoucos sociais.
Apesar da queda de Benito Mussolini ter sido concretizada em 1943, os reflexos do comando fascista ainda eram muito fortes no país, mesmo já tendo se passado mais de 40 anos do término do regime.
A economia da Itália não vivia tempos amenos, tanto que a origem do dinheiro pago ao Barcelona pela transferência de Maradona, foi muito questionada por mais de uma vez.
O time do sul da Itália teve que desembolsar mais de 10 milhões de dólares para incorporar o craque argentino ao seu elenco, e muito se perguntava, principalmente na mídia, de onde teria surgido tanto recurso.
Tanto que, quando Maradona chegou ao clube, a equipe brigava para se manter na primeira divisão do campeonato italiano. Logo, levantaram a suspeita de que Camorra teria bancado a compra do jogador.
Também oriunda do sul do país, Camorra é uma organização mafiosa italiana, que juntamente com a Máfia Siciliana, eram detentoras de grandes fortunas. Todas oriundas de práticas criminosas e ilegais.
O Napoli foi o clube pelo qual Maradona mais jogou em toda a sua carreira. No total, El Dies guiou o time à conquista dos títulos do Campeonato Italiano de 1987 e 1990, e ao título da Copa da UEFA em 1989.
Mama, no sabe por que me late el corazón?
Mama, no sabe por que me late el corazón?
Y sabe porque es
Enamorado estoy
Ho visto Maradona
Autor: Tifosis Del Rey
Música: Ho Visto Maradona
Fora das quatro linhas
Fora de campo, a vida de Maradona também tinha seus momentos marcantes e polêmicos. Desde amores, problemas financeiros, e obviamente, o envolvimento com drogas.
Logo que se tornou profissional, Diego conheceu Cláudia Villafañe, que após diversas investidas do jovem atleta, se entregou aos encantos do até então jogador revelação do Argentino Juniors.
Cláudia que futuramente viria a ser esposa e mãe de duas filhas de Maradona, teve de lidar com o fardo dos descontroles da vida extra-campo do badalado craque argentino.
Em uma das noites de farra na Espanha, a estrela argentina teria conhecido e se apaixonado por Lorena Gaumont, interpretada por Eva Dominici.
Após o lançamento da série, a cantora afirmou ao portal Los Ángeles de La Mañana que o recorte apresentado não retrata com exatidão a relação que tinha com Diego, mas que de qualquer forma ele existiu.
“Ele era o Diego saudável, o Diego engraçado, amigável e familiar. Ele era o melhor Maradona”
Lorena também reforçou que não tinha conhecimento sobre o relacionamento entre o jogador e Cláudia.
Logo no primeiro ano na Espanha, Maradona é afastado do time principal para realizar tratamentos para combater uma “Hepatite”.
Todavia, especula-se que este foi modo que o clube encontrou de acobertar uma doença venérea contraída pelo camisa 10.
O clima que já estava comprometido só piorou quando, após lesão no tornozelo esquerdo, Maradona foi submetido a um tratamento um tanto quanto peculiar e duvidoso.
Contrariando os médicos, Diego praticamente não realizou repouso ou sequer foi imobilizado, ao contrário, durante o período afastado teve que realizar exercícios e treinos apoiando e forçando o membro contundido.
Como se não bastasse, neste meio tempo Maradona teve seu primeiro contato com a Cocaína, vício este que carregaria por anos a fio.
Junto com a transferência para o Napoli, o casamento de Maradona com Cláudia também teve mudanças e foi submetido a novas turbulências.
Em pouco tempo de Itália, Diego se encanta por Cristiana Sinagra, interpretada por Tea Falco, e deixando de lado o relacionamento com Cláudia, Diego se envolve com a jovem, a engravida, e não assume a paternidade do filho.
Do auge à decadência - O que esperar da segunda temporada?
Interpretado por Juan Cruz Romero, Nicolas Goldschmidt, Nazareno Casero, e por fim, Juan Palomino, Maradona teve sua primeira temporada encerrada às vésperas de um dos eventos mais marcantes da história do futebol, a Copa do Mundo de 1986.
A vida de Diego dentro e fora de campo garantiu muitas alegrias aos torcedores pelos clubes onde passou, preocupações e dores de cabeça a esposa e filhos, e muitas polêmicas para tablóides e portais de notícias.
Por fim, até que ponto o futebol influencia na vida social das pessoas inseridas neste meio?
A fama e exposição podem servir de muleta para celebridades fazerem o que bem entenderem dentro de uma sociedade?
Até onde amor pelo futebol encoberta preconceitos velados dentro das torcidas?
Nasceu pobre e viveu como rico, conheceu e tatuou Fidel Castro e Che Guevara, e ainda por cima tinha uma religião em seu nome! Afinal, política, futebol e religião se discutem!?
Diego Armando Maradona Franco faleceu em 25 de novembro de 2020, em Tigre, Buenos Aires, após não resistir a uma parada cardiorrespiratória, duas semanas depois de uma cirurgia no cérebro.
Este artigo foi escrito por Filipe Mello e publicado originalmente em Prensa.li.