Marvel What If...? - Olhando para trás
Chega um momento na vida de toda entidade (pessoa? Franquia? Criatura com tentáculos de outra dimensão?) em que ela está velha o bastante para olhar para trás e ver muita coisa.
Nessas horas, tal entidade pode então refletir, medir erros e acertos. Às vezes, pode até tentar uma desconstruçãozinha aqui ou ali. Se adequar a um mundo que não é mais “o que era antes”.Tentar coisas novas. E junto com várias perguntas, ponderar consigo mesma: “E se…?”
Faz bastante tempo que a Marvel não experimenta o mundo dos desenhos animados, que por muito tempo foi o reino da DC Comics. Mas o aspecto “multimídia” do MCU exigia algo drástico. Especialmente quando, com o fim da primeira temporada de Loki, a Disney+ perde seu charme semanal.
“WHAT IF…?” (E se…?) toma inspiração nas edições de quadrinhos de mesmo nome, iniciadas em 1977 com a história “O que aconteceria se o Homem-Aranha entrasse para o Quarteto Fantástico?”. Mudando um pequeno fato na trajetória dos super-heróis, temos uma nova saga divertida e cheia de possibilidades. A animação nova faz isso, obviamente, dentro do universo concentrado dos filmes do MCU, tudo narrado pelo Observador (Jeffrey Wright).
Este cara promete que não vai interferir em nada. Eu não acredito. (Imagem - Divulgação - Marvel Studios - via Bleeding Cool)
O primeiro episódio indaga “What If Peggy Carter tomasse o soro do Supersoldado?”. E mesmo tentando responder à questão no nome do episódio, ele acaba fazendo mais perguntas. Algumas muito interessantes, para não só o fã do MCU, mas também o fã em geral de toda a subcultura pop das HQs de heróis.
E se… A protagonista fosse uma mulher?
Os criadores não perderam tempo em “corrigir” uma das maiores falhas do MCU. Eles perceberam que a demora por um filme da Viúva Negra ou um protagonizado por uma mulher, afinal, Capitã Marvel demorou 19 filmes pra sair) incomodou muito mais do que só a Scarlett Johanssen (apesar de que ela teve mais motivos para se irritar). Então logo no começo, um pequeno desvio na história original transforma Peggy Carter (dublada no original pela atriz que interpretou a própria no cinema, Hayley Atwell) numa super-heroína.
Muito do primeiro episódio é uma repaginação do filme de estreia do bandeiroso no MCU. Mas ao invés de só repetir a mesma história e cenas, o desvio cósmico abre espaço para uma Peggy Carter mais conflitante e com uma jornada de impacto. Se discutir o sexismo foi grande parte de filmes como Mulher Maravilha e Capitã Marvel (com graus variados de sucesso), aqui também. Carter passa mais tempo enfrentando o preconceito do que os nazistas.
E isso não faz as cenas de ação menos impressionantes, o romance entre Carter e a versão magricela de Steve Rogers menos doce e nem o final dessa relação menos trágico. Nem é uma “muleta lacradora”: a crítica ao machismo está tão bem inserida no contexto que, mesmo com pouca articulação (ainda é um desenho animado da Disney), cumpre o papel de inserir, bem aos poucos, um questionamento bem-vindo no coração da máquina Pop.
Não é uma revolução no meio do universo MCU, mas já é mil vezes melhor do que aquele momento constrangedor em Ultimato.
Nostalgia dos Jovens
Talvez pareça presunção que o MCU não tenha nem 12 anos de existência e já consiga criar um produto tão elaborado totalmente baseado numa nostalgia de si próprio.
Umas coisas são diferentes! (Imagem - Divulgação - Marvel Studios - via Bleeding Cool)
Se o trailer dos próximos indica a direção da série, ela será toda de “repetir momentos memoráveis, alterando coisas aqui e ali, trocando personagens de lugar”. Mas o ponto de chegada, se o final do primeiro episódio é de se levar em conta, é basicamente o mesmo. Possivelmente, os episódios vão terminar com este sentimento de “faz diferente, mas faz igual”.
Isso tinha sido experimentado já em Vingadores - Ultimato (embora com uma aplicação bem diferente). Uma baita seção daquele filme era um fanservice não para os fãs da Marvel, mas dos filmes da Marvel. Em What If, será a regra.
Essa autofagia pode acabar jogando a empreitada toda no marasmo, ao invés de fazer o que histórias deveriam fazer - andar para frente.
Porém, um dos próximos episódios será uma adaptação de Marvel Zombies, uma HQ lançada em 2005 e escrita por Robert Kirkman (criador de Invincible e - é claro - The Walking Dead). É gratificante ver que as cabeças pensantes por trás do MCU estão puxando suas inspirações até dos cantos mais bizarros do quase um século de HQs.
Como foi em Loki, abraçar o estranho e o pouco convencional para criar mais variedade é uma ideia de sucesso. A principal crítica que todos fazem aos “enlatados de super-heróis” é que são essencialmente a mesma coisa, só com cores diferentes. E quem pode dizer o contrário?
Vozes da Marvel
A série também está tendo bastante atenção por ser divulgada como o último trabalho de Chadwick Boseman, falecido aos 43 anos em 2020 devido ao câncer. Além de sua morte precoce ter acabado com uma carreira incrivelmente promissora, seu Pantera Negra foi, de muito longe, o projeto mais significativo de todo o MCU. Era de se esperar que qualquer participação dele teria grande destaque.
E mesmo com notáveis ausências, como Robert Downey Jr. e Chris Evans, o elenco de What If promete um nível muito alto de talento.
Jeff Goldblum, Benedict Cumberbatch, Tilda Swinton, Kurt Russel, Andy Serkis, Tom Hiddleston, Josh Brolin, Taika Waititi, Danai Gurira, Benicio Del Toro, Samuel L. Jackson, Jeremy Renner, Don Cheadle, Paul Bettany e vários outros voltarão aos seus papéis do MCU.
Outras coisas ficam iguais. (Imagem - Divulgação - Marvel Studios - via Bleeding Cool)
Mas estranha ausência de Dave Bautista é curiosa. O brutamontes demonstrou ser não só um ator dramático muito competente em Blade Runner 2049 como seu Drax em Guardiões da Galáxia revelou Bautista como um cômico excelente. E quando perguntado porque não voltaria para seu papel em What If, revelou que ninguém o contatou sobre o trabalho. Que a Disney anda tendo um problema aqui e ali com seus atores não é segredo.
10 episódios - muita coisa pode acontecer
A Disney acertou mais uma vez. Não só acabou de revelar que extrapolou as expectativas financeiras - com um surto de assinaturas do Disney+ e com a reabertura dos parques (embora a variante Delta do Coronavírus deva mudar alguns planos) - mas está focando em suas forças narrativas.
Que é o bom e velho “jogar para o público”. Realimentar seus fãs com aquilo que mais parece saciá-los - nostalgia em cima de nostalgia. Isso não é necessariamente ruim nem bom. É só a Disney sendo Disney.
Mas ali nas entrelinhas vemos espaço para uma ousadia que sempre fez parte nos outros 50% desse DNA - a Marvel. E sempre festejamos mais novidades, mais bizarrices. Mais Croki. Mais mulheres chutando nazistas. Mais casais onde o homem é o baixinho. Mais tentáculos.
Poxa. Há uma possibilidade considerável que o meu personagem favorito de Marvel Vs. Capcom apareceu ali no final do episódio.
O fã vai à loucura.
Imagem de capa - Divulgação - Marvel Studios - via Bleeding Cool