Medida Provisória de Bolsonaro altera Marco Civil da Internet
Às vésperas dos protestos de 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinou Medida Provisório nº 1.068/2021 (MP), alterando o Marco Civil da Internet.
A MP foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União e também anunciada em canais da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, que vê na medida uma ação em nome da “liberdade de expressão” nas mídias sociais.
A medida já está valendo e dura 60 dias, sendo prorrogável uma vez por igual período. Ela perde os efeitos se não for aprovada no Congresso.
Como a MP interfere no Marco Civil da Internet
A chegada de novas regras, interfere em 3 pontos:
Definição de redes sociais;
Remoção de conteúdo;
Bloqueio ou exclusão de contas.
A Medida Provisória acrescentou ao Marco Civil da Internet a definição do termo “rede social”. Segundo a MP, uma rede social pode ser entendida como uma “aplicação de internet cuja principal finalidade seja o compartilhamento e a disseminação, pelos usuários, de opiniões e informações, veiculados por textos ou arquivos de imagens, sonoros ou audiovisuais, em uma única plataforma, por meio de contas conectadas ou acessíveis de forma articulada, permitida a conexão entre usuários”.
No caso das redes sociais, estas deverão seguir protocolos antes de remover contas, perfis e conteúdos:
Notificar o usuário;
Identificar a medida adotada;
Apresentar o motivo da moderação;
Informar sobre prazos, canais de comunicação e procedimentos para a contestação.
A partir disso, fica proibida "a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores", sendo que "a exclusão, o cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil de usuário" só é valida em casos de "justa causa".
Como consequência, as redes sociais estão impedidas de adotar " critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa”.
Alguns exemplos do que pode ser compreendido como justa causa:
Inadimplência do usuário;
Contas falsas;
Contas automatizadas, ou seja, preponderantemente geridas por bots;
Contas que ofereçam produtos ou serviços que violem patentes;
Cumprimento de determinação judicial;
Conteúdo que fere o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente);
Conteúdos de nudez;
Incitação ao terrorismo ou à pedofilia;
Apologia a drogas ilícitas;
Disseminação de vírus de computador.
Prática ou incitação de atos de ameaça ou violência; inclusive por razões de discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual.
O prazo de adaptação das redes sociais é de 30 dias, e as regras valem para aquelas com no mínimo 10 milhões de usuários registrados no país, ou seja, ela abrange Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e TikTok.
No Brasil, o provedor de rede social que descumprir a Medida Provisória pode sofrer uma sanção de até 10% do seu faturamento ou até mesmo ser proibido de realizar suas atividades dentro do território nacional.
Entenda o que é o Marco Civil da Internet
A Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, garante a privacidade e proteção de dados pessoais, ao mesmo tempo que permite a disponibilização de tais dados mediante Ordem Judicial. Ele determina princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
Foi a primeira lei elaborada de maneira colaborativa entre governo e sociedade, fazendo da internet a plataforma de debate. A participação da população se deu por meio de blogs oficiais e audiências realizadas em todo país. Esse foi um dos motivos pelos quais o Marco Civil demorou para sair do papel. O processo teve início em 2009 e a sanção da lei veio apenas em junho de 2014.
Princípios que regem o Marco Civil da Internet
O Marco Civil da Internet apresenta 32 artigos divididos em 5 capítulos. Dentre os pontos abordados, é possível destacar os princípios da Neutralidade, Privacidade e Registro dos acessos.
Neutralidade da rede
Não importa qual serviço usado pelo usuário, seja ele para enviar e-mails, carregar vídeos ou acessar um site específico. De forma alguma pode haver prejuízos ou privilégios a nenhuma dessas informações. Portanto, não são permitidos acordos comerciais com sites, plataformas e aplicativos para que seus conteúdos ganhem privilégios, chegando mais rapidamente aos destinatários.
Privacidade na web
Esse princípio garante a inviolabilidade e o sigilo da troca de informações entre os usuários. Há exceções diante de uma intimação. As organizações que desobedecerem ou ignorarem as normas poderão sofrer advertência, multa, suspensão e até proibição definitiva de suas atividades.
Registro dos acessos
É obrigatório o armazenamento e a proteção de dados relativos à conexão atribuída ao provedor do serviço, que deve guardá-los por no mínimo 1 ano. As autoridades também podem solicitar, sob que os registros sejam guardados por prazo superior ao estabelecido.
Marco Civil da Internet e a LGPD
As duas leis apresentam forte relação entre si. O Marco Civil da Internet buscou regular a maneira como os direitos dos usuários seriam protegidos no ambiente virtual. Sua regulamentação se mostrou importante quando foi constatado que acontecimentos virtuais poderiam impactar a vida das pessoas para além da internet.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) complementa o escopo do Marco Civil da Internet com relação aos direitos e garantias. Ela confere segurança às informações pessoais e proteção à privacidade e à liberdade de expressão. Acima de tudo, ela oferece ao usuário poder para decidir como seus dados serão tratados.
Além disso, muitos dos dados que trafegam constantemente pela rede, podem conter informações extremamente pessoais. Por isso, é necessário o controle dessas informações, garantindo sua segurança durante as interações virtuais.
Resultado: a LGPD e o Marco Civil da Internet são leis complementares e uma não revoga a existência da outra.
Redes sociais se posicionam contra Medida Provisória
Na segunda-feira (06/09), as maiores plataformas digitais que operam no Brasil emitiram notas aos veículos da imprensa, como O Globo e G1, criticando a Medida Provisória:
Facebook — MP dificulta na contenção de abusos
“Essa medida provisória limita de forma significativa a capacidade de conter abusos nas nossas plataformas, algo fundamental para oferecer às pessoas um espaço seguro de expressão e conexão online. O Facebook concorda com a manifestação de diversos especialistas e juristas, que afirmam que a proposta viola direitos e garantias constitucionais.”
Google — risco para a sociedade
“Estamos analisando os possíveis impactos da Medida Provisória Nº 1.068/2021 sobre plataformas como o YouTube. Destacamos que nossas políticas de comunidade são resultado de um processo colaborativo com especialistas técnicos, sociedade civil e academia. Essas diretrizes existem para que possamos garantir uma boa experiência de uso e preservar a diversidade de vozes e ideias características da plataforma.
Acreditamos que a liberdade para aplicar e atualizar regras é essencial para que o YouTube possa colaborar com a construção da internet livre e aberta que transforma a vida de milhões de brasileiros todos os dias. Continuaremos trabalhando para demonstrar a transparência e a importância das nossas diretrizes, e os riscos que as pessoas correm quando não podemos aplicá-las.”
Twitter — em defesa do Marco Civil da Internet
“O Marco Civil da Internet foi fruto de um amplo e democrático processo de discussão com a sociedade civil, do qual as empresas, a academia, os usuários e os órgão públicos puderam participar. Isso permitiu a elaboração de uma lei considerada de vanguarda na proteção dos direitos dos usuários, preservando a inovação e a livre concorrência. A proposição desta Medida Provisória que traz alterações ao Marco Civil contraria tudo o que esse processo foi e o que com ele foi construído”.
Liberdade de expressão?
Nos últimos anos, muitos usuários fizeram das redes sociais um meio para propagar fake news. Os casos mais recentes estavam relacionados à pandemia. Quando questionadas, as empresas tomaram atitudes mais tangíveis para controlar o uso indevido de seus canais e nem mesmo figuras de poder ficaram de fora.
O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, já tiveram conteúdos excluídos ou classificados como duvidosos pelo Twitter, Facebook e YouTube. Trump, aliás, está banido do Facebook até 2023.
Em uma época tão delicada, onde a população pode ser influenciada por fake news, é essencial que as redes sociais consigam moderar seu conteúdo adequadamente na medida em que encontrem algo. A limitação de seu poder moderativo é um risco e permite que uma mentira se fantasie de liberdade de expressão.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.