Men - Faces do Medo (2022)
Alex Garland acerta, mais uma vez, em seu terceiro longa metragem ao aplicar sensibilidade e estranheza para definir os horrores do machismo em uma fábula reinventada.
Ex-Machina (2014) e Annihilation (2018) são grandes feitos do diretor e roteirista britânico Alex Garland. A exploração de temas elevados e de hipóteses tangentes à realidade pareciam ser uma preferência do autor, que também comandou a série Devs (2020), equilibrando de forma muito competente ficção científica e dramas intensos.
Devo confessar que, somente agora, ao escrever este texto, conectei Garland ao filme que assisti na semana passada. Men - Faces do Medo (2022) estreia hoje (08 de setembro de 2022) nos cinemas brasileiros e é um filme importante para o momento em que vivemos.
Eu corro o risco de dizer que Men é mais que um filme. Como homem cis, experimentei o filme como imagino que nenhuma mulher jamais irá experimentar. Ao mesmo tempo, imagino que a forma como uma mulher assiste à jornada de Harper (vivida pela maravilhosa Jessie Buckley) jamais será possível de ser assistida por um homem.
Harper é uma mulher jovem que, após passar por um evento traumático, resolve se isolar em uma casa de campo em uma pequena vila inglesa. Ao chegar à residência, alugada para uma temporada de sossego e cura, é recebida por um proprietário prestativo e inadequado.
As pequenas inconveniências de todos os homens que a cercam (todos interpretados brilhantemente por Rory Kinnear) vão se empilhando e se expandindo até o ponto do horror cósmico, e se conectando com os fantasmas e traumas de Harper.
Em Men, assim como na vida real, todo homem é uma ameaça potencial. Das pequenas intrusões até à brutalidade física, é impossível saber o que esperar do filme em qualquer momento em que a protagonista não está completamente sozinha ou na companhia de outras mulheres.
O filme lida de forma direta, sem muitas chaves, com esse discurso. O machismo não é e nem tenta ser sutil, como geralmente é no dia a dia. E Harper não é uma vítima em momento algum, o que fornece algum tipo de alento cada vez que ela confronta, sem hesitar, seus antagonistas.
A narrativa é fluída, mas obedece à tendência da A24 em produzir imagens contemplativas e hipnóticas, harmonizadas com trilhas de ambiência que proporcionam uma agonia sinestésica muito particular. A fotografia é um dos pontos fortes do filme, como de costume na filmografia de Garland.
Embora essa seja a narrativa mais mundana de Garland, a impressão é de que talvez seja o trabalho mais calcado em símbolos e histórias familiares: a primeira atitude de Harper ao chegar à propriedade é apanhar e comer uma maçã da macieira no jardim, atitude repreendida pelo anfitrião, que rapidamente diz estar apenas brincando.
Ao passear sozinha na floresta, Harper se vê perseguida por figuras ameaçadoras, em uma versão repaginada e adulta de Chapeuzinho Vermelho. São elementos reconhecíveis, mas que adquirem um novo contexto nesse cenário. E se Eva não se importasse com a opinião de Adão? E se Chapeuzinho encarasse o Lobo?
Assim como os outros trabalhos de Garland questionam a relação humana com máquinas, seres alienígenas de outras dimensões ou, até mesmo, com realidades alternativas emuladas em computadores, Men procura entender como é possível que possamos nos relacionar com o machismo e o patriarcado nesses tempos, e a resposta é simples: não é possível.
Eu recomendo Men assim como recomendo qualquer filme desse autor fantástico, e também recomendo qualquer filme da A24. A produtora, até o momento, parece ter um faro certeiro para selecionar diretores interessados em produzir material original e honesto, o que, em uma era de filmes de super-heróis e blockbusters família, me parece necessário também.
Uma nota importante é que talvez esse filme não deva ser visto por pessoas que tenham sensibilidade a cenas de violência gráfica.
Espero que ele filme possa ser visto por muitas pessoas e que possa levantar discussões saudáveis a respeito desses temas. Obrigado pela leitura e até o próximo filme!
Este artigo foi escrito por Marcel Trindade e publicado originalmente em Prensa.li.