Meninas, com orgulho: DC Super Hero Girls
Girl power, com muito humor |Divulgação: Warner/DC Comics
Durante algum tempo, os desenhos animados na TV favoreciam o público masculino. Os meninos eram contemplados com grandes aventuras, além de outras animações direcionadas à audiência geral.
Isso começou a mudar quando a Mattel, fazendo sucesso com suas bonecas Barbie desde os anos 1950, teve a brilhante ideia de transformá-la em uma personagem disposta a fazer “tudo o que quiser” e levá-la para a televisão.
Na maioria das vezes, a boneca protagonizou enredos cheios de magia e encantamento, com sucesso sobretudo no mercado de home video. O principal: impulsionou as vendas de mais e mais Barbies.
Sucesso monstro
Na primeira metade dos anos 2000, preocupada com o crescimento das Bratz, bonecas fashion lançadas pela concorrente MGA, a Mattel resolveu ousar um pouco mais: lançou sua própria linha de bonecas “fora do padrão Barbie”, mas com um toque especial: monstros clássicos da cultura pop.
Nasceu assim Monster High, série de animação voltada ao público adolescente e pré-adolescente, protagonizada por garotas-monstro numa escola de Ensino Médio. Vivendo sua vida como qualquer adolescente. Mesmo que formadas por pedaços de cadáveres, mistas entre homem e lobo, sendo uma vampira, múmia ou quem sabe zumbi?
Monstruosas, mas com estilo | Divulgação: Mattel
Monster High virou febre. As bonecas vendiam como água, e até hoje são vendidas e colecionadas. Houve ao menos dois reboots da série, e uma base enorme de fãs.
Era uma vez…
Como deu certo, a Mattel extrapolou a ideia para o universo dos contos de fada, lançando as bonecas (e a série de animação) Ever After High.
Filhas e filhos dos personagens das fábulas mais conhecidas do mundo, frequentando uma escola de Ensino Médio, obviamente. Temos a filha de Branca de Neve, filhos do Príncipe Encantado, da Rainha Má, do Chapeleiro Louco, Pinóquio…
Valem o destaque, apesar desta reportagem ser sobre outro assunto: a filha da Bela Adormecida, ciente da maldição que a fará dormir por cem anos, quer aproveitar ao máximo todas as festas; e a curiosa filha da Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau. Isso mesmo que você leu. Tem toda a meiguice da mãe e a voracidade do pai.
Super ideias
Quietinha, mas de olho no mercado, a Warner Bros. imaginava como atingir esse nicho de “meninas”, mina de ouro nas mãos da Mattel. Justo ela, que possuía franquias excelentes, como Looney Tunes, Harry Potter, super heróis, Hanna-Barbera, O Senhor dos Anéis, Friends, aquele montão de séries da HBO…
Espera aí? Super heróis? A Warner tem a DC Comics sob seu guarda-chuva. Ok. Mas super heróis são coisa de menino. E convenhamos, fora a Mulher Maravilha, a DC só tem um punhado de heroínas menos expressivas. Segundo escalão. Próxima ideia, por favor. Vamos fazer as bonecas de The Big Bang Theory?
Nesse momento, alguém na sala levantou a mão. Talvez o estagiário mencionado numa matéria anterior para a Prensa. “E se juntássemos essas meninas num supergrupo, tipo Liga da Justiça”?
Foi criado ali o conceito das DC Super Hero Girls, primeiro como websérie. As heroínas, adolescentes, lideradas pela Mulher Maravilha, única adulta do grupo. Batgirl, Supergirl, Bumblebee, a Lanterna Verde, Zatanna e outras logo ganharam sua versão boneca, em uma associação estratégica da Warner, adivinhem, com a Mattel!
A primeira versão: mais tradicional | Divulgação: Warner
Apesar do sucesso, a animação tinha aquela estética “bonitinha”, como outros desenhos para meninas. Logo, parecia mais do mesmo, e começou a enjoar o público. Ainda assim, bonecas tiveram boa vendagem e a série durou algumas temporadas.
Até que alguém (talvez o estagiário, finalmente contratado) sacou que havia muito mais potencial a ser explorado ali.
Virando tudo de cabeça para baixo
No início de 2018, executivos da Warner/DC iniciaram a conversa com a animadora e diretora Lauren Faust. No currículo, séries bastante experimentais e cheias de humor ácido, como A Mansão Foster para Amigos Imaginários e claro, As Meninas Superpoderosas, sucessos retumbantes do Cartoon Network.
As Meninas Superpoderosas: inspiração clara | Divulgação: Warner
Ok, mas ela não se encaixaria nem um pouco naquele estilo das bonequinhas das super heroínas que estavam nas lojas, certo?
Era exatamente o desejado pelos executivos da Warner. No reboot de DC Super Hero Girls, iniciado em 2019 e agora direcionado à televisão, Lauren colocou todo o seu estilo à mostra.
Todas as heroínas agora eram adolescentes, estudando, imagine só, em uma escola de Ensino Médio de Metrópolis. Porém, nenhuma faz questão de exibir seus poderes, tentando ser iguais às outras meninas de sua idade. Sentem-se pontos fora da curva.
Bem, nem todas. Acontece que a hiperativa Barbara Gordon, filha de um certo comissário aposentado da polícia de Gotham City, se muda para a cidade. E é matriculada exatamente no mesmo colégio.
As garotas da DC: menos certinhas, mais divertidas | Divulgação: Warner
Com a mesma mente analítica de um certo homem-morcego de quem é fã, apesar da evidente falta de foco, Barbs, como é apelidada, logo repara que alguns colegas têm talentos especiais. Desconfiada, começa a provocar situações para que se revelem. Claro que nem tudo sai como o esperado, provocando situações hilárias e o consequente encaminhamento das garotas para a Detenção escolar.
Eu disse que nenhuma exibe seus poderes? Uma certa aluna que veio de um país distante não se contém e passa a defender a cidade das ameaças. Ninguém estranha muito a garota, afinal Metrópolis é a cidade habitada pelo Superman.
Só que a garota, uma tal Diana Prince, não é levada a sério, e também vai parar com as demais na Detenção. Sobretudo por estar cabulando aula enquanto faz cosplay. Na verdade, o uniforme de Mulher Maravilha!
Com muito jogo de cintura, Bárbara (que nas horas vagas assume a identidade de Batgirl) consegue convencê-las a se unir, treinadas pela tal garota que faz cosplay. São elas Kara (a Supergirl), Zatanna, Jessica Cruz (a Lanterna Verde), e Karen (a Bumblebee).
Elas passam a se reunir depois das aulas, à paisana, na lanchonete Doce Justiça, onde trabalha o adolescente Barry Allen (o Flash) e um tal Hal Jordan (o Lanterna Verde) é o capitão do time de futebol escolar.
Vou parar de contar por aqui, e entrar logo no que interessa: muito acontece na história, e elas se transformam num super grupo. Tudo com muito humor, piadas brotando a todo instante, mas o principal, respeitando rigorosamente os cânones dos personagens da DC.
Nada está fora do lugar, apesar do estilo alucinante da animação, e da interação de tantos heróis lendários. Toda a mitologia da Mulher Maravilha está lá (até um jovem Steve Rogers acaba dando as caras num episódio engraçadíssimo). As histórias que todos conhecemos de Superman, Batman, Lanterna Verde, tudo rigorosamente respeitado. Até mesmo a Arlequina é presença constante no enredo, assim como outras vilãs famosas da DC.
Em um episódio, Karen (Bumblebee) e Jessica (Lanterna Verde) vão a Gotham e trabalham como babás para um grupo de crianças irrequietas: os Jovens Titãs. Eles comemoram o aniversário de Robin, nos salões da Mansão Wayne, assessoradas por Alfred, enquanto são praticamente ignoradas por Bruce Wayne.
Prontas para a ação, no subsolo da Doce Justiça | Divulgação: Warner
A série é um pequeno achado: enquanto diverte o público adolescente e infantil, fala aos adultos que cresceram curtindo os personagens, e mais do que vender bonequinhas, forma uma nova geração de fãs. Isso, nenhum concorrente tem o poder de fazer: boa parte dos personagens está aí há oito décadas.
DC Super Hero Girls tem 52 episódios disponíveis na Netflix. A maioria com roteiros excelentes e muito divertidos. A versão brasileira é ótima, mas prejudicada por um probleminha bobo (em minha opinião). Creio que seja uma decisão internacional da Warner sobre direitos autorais ou talvez mesmo para fins de merchandising: o nome dos personagens foi mantido no original em inglês.
Dessa maneira, não temos a Mulher Maravilha, mas a Wonder Woman; Lanterna Verde é Green Lantern, Hera Venenosa é chamada Poison Ivy, a Mulher Leopardo ficou Cheetah e mesmo os Jovens Titãs são os Teen Titans. Nada de Ravena, Estelar e Mutano: temos Raven, Starfire e Misty Boy. Ok, Super Homem já virou Superman por estas paragens há muito tempo, mas certas nomenclaturas clássicas, trocadas de repente, causam estranheza.
Fora isso, só recomendo. Se tiver uma criança ou adolescente por perto, aproveite a desculpa e apresente as DC Super Hero Girls para ela. Seja menina ou menino, aliás. Se não, e principalmente se curte os personagens da DC, chega de preconceito bobo e assista. Garanto que não vai se arrepender.
* colaborou Clarissa Blümen Dias
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.