Metaverso: um universo matrixiano
Recentemente, Mark Zuckerberg começou a expôr um sonho antigo seu, segundo suas próprias palavras. Remonta ainda a antes da criação do Facebook. Sob sua visão pessoal de sociedade, a ideia em si parece querer levar o internauta ainda mais para dentro da internet. A questão é: a visão de sociedade do empresário foi construída - ou está sendo construída - por meio de quais situações ao longo de sua vida?
Em certa medida, é quase impossível imaginar a internet ainda mais ativa, latente e interatuante no dia a dia de cada ser humano. Hoje, ela não apenas está presente nesse dia a dia, mas está interferindo nele de maneira até a conduzir, orientar situações. Talvez você, leitor, não assimile bem esse contexto se ainda não viu os filmes “O Dilema das Redes” ou “Jogador número 1”.
“O Dilema das Redes”: O filme desenvolve-se por duas perspectivas. Uma delas é roteirizada no estilo romance metafórico; a outra é documentarista. É possível que haja alguma aresta de exagero na parte romanceada, mas a realidade da parte documental é surpreendentemente aterradora
“Jogador número 1”: É peça cinematográfica sobre um jogo virtual, Oasis, como única forma de entretenimento para sobreviventes de uma sociedade pós-apocalíptica. Foi desenvolvido por um idealizador já morto, James Halliday. Ele deixa pistas - “easter egg”, cujas descobertas levam o vitorioso à glória
O que é o Metaverso de Zuckerberg
A estratégia do Zuckerberg é clara, mas as informações que tem passado sobre seu sonho “metauniversal” não são. Parece estar revelando detalhes superficiais aos poucos, em entrevistas e menções esparsas. Não se aprofunda nas indicações de maneira evidente. Ou seja, tenciona que o mercado vá absorvendo o novo conceito de internet aos poucos.
Muitos analistas de comportamento corporativo têm comentado, inclusive, que a postura do empresário tenciona não assustar o mercado. Sua teoria sobre a “nova internet” pode ser intrigante. Talvez mais que isso: seja alarmante.
De maneira menos direta, pode-se dizer que se trata de verdadeira obsessão do empresário. Colaboradores do primeiro escalão da empresa alegam que o CEO menciona esse seu sonho desde muito tempo. Colaboradores menos próximos, mas atentos, confirmam essa impressão.
Ele introduz menção a seu metauniverso em assuntos ocasionais. É mesmo possível que essa postura tenha sido exercício para a estratégia de abordagem do mercado: falas esporádicas, mas constantes.
O metaverso claro
Neal Stephenson criou a palavra a partir de seu romance ficcional, “Snow Crash” (ou “Queda de Neve” em tradução livre), de 1992. A história retrata a humanidade representada por avatares que vivem situações entre si.
A palavra em si compõe-se do prefixo que significa “além de”, “à parte de” (meta) e um sufixo sintetizado que se refere ao universo (“verso”). Como um todo, o termo identifica a prática de uma integração futura da Internet. De maneira geral, compreende espaços virtuais tridimensionais compartilháveis segundo a percepção dos usuários.
Convém deixar claro que a busca pelo metaverso não é exclusiva do dono do Facebook. Ela vagueia pelos bastidores das grandes corporações que trabalham com o mundo virtual. Certamente, o Google não estaria fora dessa corrida. Ele detém o chamado “Projeto Starline”, que é uma espécie de fundamento inicial para as pretensões da gigante, identificado como: “holochamada” - ou videochamada por holografia. Câmeras poderosas desenhariam os avatares, de forma que a conversa daria impressão incrível de realidade.
Teoricamente falando
Em teoria, o “Metaverso de Zuckerberg” é um universo paralelo, à parte da realidade mais sólida, mais tangível Há de ser construído a partir de novos instrumentos tecnológicos destinados à internet. Ou de instrumentos atuais, mas melhorados.
Com isso, até onde as declarações do idealizador permitem concluir, o internauta deve se sentir “dentro” da internet. As telas em geral, incluindo a da televisão, serão algo como “portal metauniversal”. Assim, a noção inconsciente do usuário sobre a experiência virtual, hoje restrita a impressões, há de ser mais concreta, mais notável.
O misterioso "metaverso" tem sido descrito por Zuckerberg, sempre de maneira sutil, quase metafísico: “pode-se pensar no metaverso como uma internet incorporada”, disse ele ao The Verge, portal online de notícias e mídia operado pela Vox Media. Nesse cenário, o “praticante” não apenas vê o conteúdo, mas faz parte dele.
Ele falou mais publicamente sobre seu ideal em julho passado, já com vistas a investidores da Wall Street - como se sabe, o centro mundial de investimentos. É “a próxima geração da Internet; nosso próximo capítulo como empresa”. E, como qualquer empresário, disse que os lucros virão com o tempo.
Ainda segundo Zuckerberg, a expectativa é de que suas empresas não sejam mais vistas como corporações midiáticas, mas notadas como “empresas do Metaverso”’. Afinal - sempre nas palavras dele - o metaverso é o ápice da materialização da chamada “tecnologia social". Conclui: "Estamos trabalhando o futuro, tenham isso em mente. Um espaço digital em que você pode se sentir presente; uma Internet incorporada na qual você está dentro".
Praticamente falando
Analistas experientes garantem que é difícil identificar o real sentido dessas explicações.
Tudo o que o megaempresário tem falado possibilita uma única visão prática sobre seu objetivo: a de não haver visão prática. Além de comentar vagamente sobre novas tecnologias e melhoria das atuais, falou sobre usar a Realidade Aumentada - RA de maneira muito mais intensa, efetiva.
O sentido vago das declarações de Zuckerberg tem intrigado especialistas e alimentado a indústria dos alertas conspiracionistas - veja mais abaixo. Ele prediz, por exemplo, que a internet poderá até ser usada como é hoje, mas que as pessoas poderão fazer “coisas que não fazem sentido na internet atual”.
Como complemento - ou falta dele -, o vice-presidente de AR/VR do Facebook, Andrew Bosworth, segue a mesma linha tênue. Argumenta que o metaverso já é realidade. É uma espécie de "coleção de mundos digitais, cada um com sua própria física para determinar o que é possível dentro deles ao construir o tecido conectivo entre esses espaços e remover as limitações da física".
Novamente, analistas experientes garantem que é difícil identificar o real sentido dessas explicações. Contudo, também alegam ser possível que tanto Zuckerberg quanto Bosworth tentam apenas distrair a atenção da opinião pública. Assim, estariam protegendo a imagem corporativa em razão dos últimos escândalos nos quais o Facebook e agregados estiveram envolvidos.
Metaverso ou Zuckerverso...
No momento em que este artigo está sendo concluído, dezenas de milhares de páginas de documentos de investigações estão sob análise de 17 grandes empresas de mídia dos EUA e Europa. A informação veio a público pela jornalista da Globo, Candice Carvalho, na edição do Jornal Hoje de 25/10.
Trata-se do mesmo dossiê analisado pelo Congresso americano no processo aberto a partir de denúncias de Frances Haugen, ex-gerente de produtos do Facebook. Nesse cenário - e também em razão das informações vagas oferecidas por Zuckerberg -, a mente dos cidadãos no mundo começa produzir associações menos românticas.
Ou seja, frases de Zuckerberg como “a qualidade definidora do Metaverso é essa sensação de que você realmente está lá com outra pessoa ou em outro lugar” são alimento para especulações.
...ou Zuckermatrix
Você, leitor, tem mais informações sobre o Metaverso neste link.
Para muitos, esta e outras menções do bilionário são comparáveis a, por exemplo, “I know what you’re thinking, cause right now I’m thinking the same thing” dita pela personagem Cypher (ou Sr. Reagan).
Vivida pelo ator Joe Pantoliano, a personagem, segundo sua visão, cai em desgraça ao ser apartada de Matrix. O homem passa longas cenas tentando retornar àquele mundo e, para tanto, é capaz de tomar qualquer atitude.
A frase (“Eu sei o que você está pensando, porque agora estou pensando a mesma coisa”) reflete o momento em que Cypher demonstra seu desespero por voltar. Seria o que talvez sentirão os usuários do Metaverso (ou Zuckerverso ou Zuckermatrix)?
Já a personagem Merovingian (às vezes chamada de The Frenchman) representa um programa com grandes poderes no interior da Matriz. Seu poder vem do tráfico de informações importantes. Por si só, isso lembra o poder das redes sociais na realidade do mundo hoje.
Em dado momento, Merovingian diz que “choice is an illusion created between those with power and those without” (“A escolha é uma ilusão criada entre quem tem poder e quem não tem”). Então, teriam os futuros “habitantes do Metaverso” poder de escolha para, por exemplo, sair de lá?
Somente o tempo dirá.
Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.