Minhas aventuras no Tinder
Obrigada por começar a ler. Você caiu num clickbait mas, se já chegou aqui, continue a leitura. Eu prometo que será mais interessante do que você imagina.
Particularmente, nunca entrei com finalidades pessoais no Tinder. Mas poderia ser, mais ou menos como a Jenifer da música. Me separei em 2016, e não foi por falta de insistência de amigas que não entrei, muitas delas usuárias recorrentes do aplicativo.
Quem caiu aqui por acidente e não sabe o que é esse aplicativo, vamos lá. Criado em 2012, sua funcionalidade é juntar gente. Mulher com homem, homem com mulher, inclusive homem com homem e mulher com mulher, ao contrário do preconizado pela música do Tim Maia.
"Juntar" no caso, para relacionamentos duradouros ou efêmeros. Romance ou safadeza, vale tudo. Como bem disse a mesma música.
Os algoritmos (sempre eles) pegam os dados que você usou para se descrever e sai procurando quem tem os mesmos gostos ou interesses. Para dar o "match", como se diz no linguajar tinderiano, unindo os pombinhos. Ou coelhos, já que muita gente tá ali só pra isso mesmo que você está pensando nessa sua mente safadinha, criativa e por que não dizer, saudável.
O Tinder, que agora completa dez anos, foi fruto de um hackathon promovido pela Hatch Labs, uma incubadora de startups. Assim, como quem não quer nada, alçou em pouco tempo o posto de aplicativo de relacionamentos mais popular deste lado da galáxia.
Os números, oficiais, impressionam.
O app está presente em 190 países.
Ele pode ser acessado em 40 idiomas diferentes;
Já foi baixado cerca de 530 milhões de vezes;
75 bilhões de matches já foram feitos (considerando que a população da Terra está na casa de 7,753 bilhões, tem gente aí que já deu match várias vezes);
50% dos participantes têm entre 18 e 25 anos de idade, ou seja, é a Geração Z em peso procurando seu grande amor. Ou uma coisinha assim, sem compromisso, sabe como é;
Um milhão e meio de encontros originados a partir dos matches são realizados por semana em todo mundo. Lembre-se que ainda estamos na rasteira da pandemia, e muita gente ainda não se sente à vontade pra encontrar alguém real no mundo exterior;
Não se pode dizer que o Tinder não é inclusivo: estão previstas classificações para nove orientações sexuais.
No Brasil, o aplicativo se tornou bastante popular pouco tempo após sua chegada. Mas o sucesso foi à estratosfera em 2019, quando o cantor Gabriel Diniz lançou a canção O nome dela é Jenifer. Contando as desventuras de um rapaz, comprometido, que encontra carinho, compreensão (e creio que algo mais) em outra mulher que conhece pelo aplicativo.
O caso retratado por Gabriel Diniz (que faleceu precocemente, no auge da carreira) não é nada original. Conversando por aqui e por ali com usuários, é fácil saber de muitos casos de traição. Ou não. O Tinder se tornou uma grande válvula de escape para casais cansados, ou para quem quer algo mais. Algumas aventuras a três surgiram via aplicativo, além de muitos trisais.
Em meados de setembro, resolvi colocar na minha conta do Twitter um pedido. Queria conhecer boas histórias, reais, originadas no Tinder. Garantindo sigilo absoluto, claro. Posso dizer que alguns deram match.
Venha comigo e descubra que a busca digital pelo amor pode dar muito certo. Ou nem tanto.
Os nomes citados abaixo foram trocados para preservar suas identidades.
Tão longe, tão perto
Sara, morava com os pais em um condomínio popular na Grande São Paulo. Depois de um relacionamento de seis anos que, por pouco, não virou casamento, decidiu que era hora de dar chance para um novo amor, ou pelo menos para uma pequena aventura.
Após alguns matches infrutíferos, conheceu Márcio, arquiteto. Detalhe: ela morava no extremo oeste de São Paulo e o rapaz no extremo sul; percorrer este trajeto, de carro ou transporte público, eventualmente leva mais tempo do que uma viagem da capital ao litoral.
Sara e Márcio trocaram telefones e conversaram muito mesmo para tentar se conhecer, como diz a música. Estávamos em um momento delicado da pandemia, então as conversas ficaram restritas a telefones e lives. “Infinitas lives”, como faz questão de destacar.
O tempo passou, ambos vacinados, pandemia atenuando, resolveram que era hora de dar um basta nas videoconferências e passar para um relacionamento mais físico. Afinal, ninguém é de ferro.
Sara deu o primeiro passo: “que tal me encontrar hoje à noite?” e sugeriu um shopping próximo à sua casa. Era domingo à tarde. Ao que Márcio emendou: “pra quê esperar? Pode ser em meia hora”.
Meia hora? Mesmo num domingo, onde o trânsito é (em teoria) mais leve, era um trajeto impossível em tão pouco tempo. Questionou o rapaz. Ele riu e, meio sem jeito, disse que explicaria quando chegassem lá.
Um pouco desconfiada, Sara se arrumou. Chegaria a pé no local em menos de dez minutos. Deu um tempo e desceu.
Qual não foi a surpresa ao se deparar com Márcio nas ruas internas do condomínio, também a caminho do shopping. À pé.
“O que você está fazendo aqui?”, perguntaram um ao outro. “Eu moro aqui”, respondeu Márcio. “Me mudei há sete meses”. Depois, confessaria que não revelou o endereço verdadeiro temendo a reação dela por serem vizinhos.
Nem chegaram a ir ao shopping. Mas estão namorando há um ano.
Entre idas e vindas
(ou A Tragicomédia do Tinder)
Mariana, interior de Minas Gerais. Se o Márcio da história anterior tinha problemas em relação à distância, isso não seria um empecilho nessa história: apenas 350 quilômetros.
Vinte dias após dar match, Mariana viajou para conhecer Flávia. Já no primeiro dia, começaram a namorar.
Ela ficou duas semanas na cidade e precisou retornar por motivos de trabalho. Menos de dois meses depois, foi a vez de Flávia ir para a cidade da amada. Mas levando malas, escovas de dentes e tudo o mais a que tinha direito. Passaram a dividir o mesmo teto.
Vamos abrir um parênteses: Flávia, doze anos mais nova que Mariana, tem um filho adolescente, que morava em outra cidade com o pai. Segue.
Mais três meses, pai e filho se desentendem. Filho arruma as malas e resolve morar com a mãe. Flávia aluga uma casa e vai embora com o filho. Mais algum tempo, resolve terminar o relacionamento (via e-mail), alegando estar “sem tempo”. Ressentida, Mariana se afasta.
O tempo passa e Flávia chama Mariana para uma conversa. Confessa estar grávida de um rapaz de sua cidade de origem. Chocada, Mariana se afasta mais uma vez.
Três meses depois se reencontram. Como diz o ditado, a carne é fraca, voltam a ficar juntas, e fazem planos sobre dupla maternidade. Mas Mariana fica sabendo de uma mentira em relação ao pai da criança, e voltam a se afastar…
Para economizar linhas e seu precioso tempo de leitura, adianto que várias idas e vindas aconteceram. Até que, no início de 2022, o filho adolescente ligou para Mariana avisando que Flávia, que nesse momento já estava em outra cidade, havia entrado em trabalho de parto.
Aproveito para informar que entre as idas e vindas, o genitor da criança começou uma batalha judicial com Flávia, a respeito da pensão. O bebê nasceu, Mariana foi conhecer, “vida que segue”, e acabaram voltando. Todos sob o mesmo teto.
Três meses depois, o pai apareceu querendo conhecer a criança. Discussão vai, discussão vem, batalhas judiciais e exames de DNA para reconhecimento. Flávia é categórica em dizer que só quer o reconhecimento para conseguir a pensão.
Pouco tempo depois, Mariana a ouve combinando com o genitor da criança para passar o fim de semana na casa delas, logo após o dia dos pais, para passar algum tempo com o bebê.
Foi a gota d’água para Mariana, que pegou suas coisas e foi embora. Nunca mais se viram, embora Flávia a acuse de abandono.
Dando certo ou não, o fato é que o Tinder é um fenômeno. Social, cultural, tecnológico. Uma marca dos tempos atuais, por mais narrativas que possam ser oferecidas sobre o assunto. E sobreviver incólume, e ainda fazendo tanto sucesso, é para poucos, vide o Orkut.
Deu match. E eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.