Misery - Louca obsessão
Misery - Louca obsessão: Como Stephen King previu o futuro.
Junte um produtor de conteúdo e sua seguidora número um. Tudo que ele faz é curtido e idolatrado por ela. Até que, uma atitude, revela uma louca obsessão.
Você viu uma situação como essa ontem na internet? Em que rede social aconteceu a treta? Engano seu. O ano era 1987, tempo dos computadores de 16 bits.
Faz mais de 30 anos e Stephen King já falava sobre produção de conteúdo, vaidade, solidão e aceitação. Prometo o mínimo de spoiler e garanto: você vai querer saber o final da história.
O livro
A tradução literal de Misery é desgraça ou infelicidade, fazendo um bom paralelo com a narrativa. No livro, Misery é uma personagem criada por Paul Sheldon, um dos protagonistas.
Paul é um desses escritores de best-sellers em série, aqueles livros de heroínas cheios de aventura que a gente encontra longe da seção de clássicos nas livrarias.
Ele vive o dilema da maioria dos escritores, deseja ser visto como um escritor sério. Paul não aguenta mais escrever a saga de Misery, ainda que a personagem tenha lhe feito fortuna, ele deseja outros caminhos para sua escrita.
Terminado o último livro, Paul decide enfrentar uma nevasca levando o único manuscrito, datilografado, para sua editora. Sofre um grave acidente na estrada e acorda no quarto da sua maior fã, Annie Wilkes. Stephen King e sua genialidade.
Annie é uma mulher solitária, ex-enfermeira, que cuida da fazenda na companhia de sua porca batizada como Misery. Ela leu todos os livros de Paul e não disfarça seu fascínio pelo escritor. Ainda que desconfiado, Paul a princípio acredita nas justificativas de Annie por não estar em um hospital.
A aparente harmonia termina quando ela pede para ler o manuscrito. Paul permite e comete seu maior erro. Descontente com um detalhe da obra, Annie exige um novo livro.
É a partir desse ponto que Stephen King faz o seu melhor: tirar o nosso fôlego. Annie e Paul iniciam um jogo que aflige e aguça a curiosidade do leitor a cada página.
A grande sacada de King é que Paul não está em desvantagem apenas pelas limitações físicas, Annie sabe tudo sobre ele. O preço de uma vida pública fica evidente e remete aos nossos dias quando explora as consequências da exposição.
King nos faz refletir, e muito, sobre a natureza humana. A internet e suas redes sociais só puseram uma lente de aumento no que o escritor já percebia na época
O livro com mais de 300 páginas gira em torno dos dois personagens, mas não cansa, pelo contrário, é impossível não se envolver com a trama. Como já declarado por ele, King exorciza seus fantasmas através de sua escrita. Dessa vez, assombrando sem cemitérios ou lobisomens.
O filme
A adaptação para o cinema foi para as telas em 1990 pelas mãos de Rob Reiner, diretor dos clássicos Conta Comigo e Harry e Sally - feitos um para o outro. Fiel a obra, conseguiu transpor a tensão crescente, inclusive mantendo um dos momentos mais angustiantes do auge da loucura de Annie.
O Oscar de melhor atriz de 1991 está na estante de Kathy Bates, graças à composição extraordinária de uma personagem cheia de nuances, a Annie de Kathy é a mesma do livro, vai da doçura a mais completa insanidade, ou vice-versa, com a naturalidade de quem serve um chá..
James Caan, o Sonny Corleone de O Poderoso Chefão, é Paul Sheldon, faz uma dobradinha perfeita com Kathy. Deitado em uma cama a maior parte do filme, consegue transmitir o pânico do homem à mercê do perigo constante.
Curiosidades
Oscar
Filmes de suspense não eram queridinhos pela academia na época. O Oscar de Kathy Bates pavimentou o caminho para a vitória de O Silêncio dos Inocentes no ano seguinte, e um outro psicopata também levou Anthony Hopkins a vencer a estatueta de melhor ator com seu Hannibal Lecter.
Annie Wilkes
King diz que Annie Wilkes é sua personagem favorita, pela profundidade e por representar seu alter ego, ele retrata na solidão de Annie a luta pessoal que travou contra a dependência química
A máquina
O escritor também teve uma máquina onde faltava a letra “N”.
Paul Sheldon
O sobrenome do personagem é uma homenagem assumida ao também escritor Sidney Sheldon.
Elenco
O papel de Annie foi oferecido antes a Anjelica Houston, felizmente, ela recusou. Jack Nicholson era a primeira escolha para Paul Sheldon, Nicholson declinou do convite por ter acabado de filmar uma outra adaptação para o cinema, O Iluminado. Também baseada no livro de um tal de Stephen King.
“As pessoas me perguntam por que eu escrevo coisas tão brutas. Gosto de dizer que tenho um coração de menino - Está guardado num vidro em cima da minha escrivaninha” Stephen King
Misery: Louca obsessão, livro e filme merecem uma chance. Inclusive daqueles que torcem o nariz para adaptações da literatura para o cinema.
Muito antes das redes sociais e reality shows, King se mostrava profético ao abordar com conhecimento de causa a relação entre celebridade e seguidor, indo até o limite nessa história que vai te provocar pesadelos.
Este artigo foi escrito por Robson Machado e publicado originalmente em Prensa.li.