Moinho de gente
Imagem - Magnus Mundi
As formigas sentem o feromônio uma da outra para poder se locomover, transitando por um caminho igual até o seu destino. Portanto, há um fenômeno natural em que as formigas se encontram em uma espiral, ocasionando morte por exaustão e falta de alimento. Essa espiral é denominada de Espiral da Morte. Por dependerem da outra formiga, elas acabam entrando em um ciclo infinito destinado ao fim de sua existência. Segundo o naturalista norte americano William Beebe, que observou uma dessa espirais com um diâmetro de 365 metros, na selva da Guiana Inglesa:
“As formigas acreditavam totalmente que estavam a caminho de um novo formigueiro, pois a maioria carregava ovos, larvas e alimentos.”
Não se sabe o que causa exatamente esse fenômeno, conhecido na comunidade cientifica por Ant Mill, ou Moinho de formiga, por reproduzirem o mesmo caminho da outra formiga a sua frente. Portanto, é incrível pensar que embora acreditem estar vivendo, elas permanecem num ciclo de infinitas incertezas, onde o próximo passo pode ser sua derrocada.
O mais engraçado é que isso tem muito a ver com nossa sociedade. Parafraseando Byuung Chul Han, vivemos uma autocobrança de sempre estar produzindo, se sentindo culpado enquanto descansamos. É interessante observar que nesse mundo de redes sociais, a máxima “seguir” virou um portfólio para o influenciador, título cada vez mais banalizado pela o empreendimento social dos memes e vídeos viralizantes.
O ciclo de infinitas incertezas se promove cadenciadamente até você ser “cancelado” ou esquecido pelo limbo da servidão pública, onde segundo o mesmo autor, defende que a sociedade atual valoriza o desempenho, a auto-performance, o resultado, a máxima produtividade e quando essas coisas não acontecem ou saem do controle, as pessoas tendem a perder o equilíbrio, se frustrando, até o surgimento de patologias que afetam a saúde mental e física, como o transtorno de personalidade borderline e/ou a síndrome de Burnout.
Outra característica que podemos relacionar com a progressiva marcha rumo a “morte”, mesmo que ela seja social ou mental, é o que o filósofo sul coreano alerta do isolamento e individualização. Assim como na espiral, você está cercado por semelhantes, no entanto, permanece em demasia solidão, tentando ao máximo executar uma tarefa fadada ao fracasso, como levar o alimento até o seu formigueiro. Nada o impede de levar, a não ser as circunstâncias que te dominam, ou seja, o caminho obstruído pelo feromônio do sucesso.
Palestras motivacionais, cursos para te fazer milionário, livros de autoajuda, redes sociais... Esse conjunto de outdoor que estampa na sociedade a facilidade de conseguir uma vida com liberdade, utilizando máximas como “Ser rico é possível”, “Ser milionário é fácil”, permite o esgotamento físico e mental, relacionado ao excesso de trabalho para conquistar um produto muito utilizado pela mídia: liberdade financeira.
“A necessidade de se expor e se mostrar feliz o tempo todo, bem-sucedido e realizado em troca da aprovação social – que vem por meio de curtida e likes – é outro fator que contribui para nos levar à exaustão, ao esgotamento mental, uma vez que nunca ficamos plenamente satisfeitos com nossos resultados.” (BYUNG CHUL-HAN)
Essa tal liberdade financeira, cada vez mais atrelada aos princípios modernos da era digital, viabiliza as pessoas estarem sempre conectadas. O alto desempenho vem atrelado a necessidade de se expor nas redes sociais, tornando-a um veículo de classificação e eliminação na hora da tão desejada vaga de emprego.
É necessário que você esteja sempre em constante movimento no mercado, buscando a alta-performance o tempo todo. Eu preciso que outro me demonstre a necessidade que ele tem em se movimentar. Aparentemente, esse nosso próximo passo se refere a outra formiga que eu sigo estar em constante movimento na espiral da morte. Eu preciso que o outro (possível contratado), me referenciei como um “capital humano”. Segundo o autor francês Christian Laval,
“Essa noção pode englobar os vários trunfos que o indivíduo pode fazer valer no mercado e vender aos empregadores como fonte potencial de valor: aparência física, boa educação, maneira de ser e pensar ou estado de saúde, por exemplo. Assim, segundo a OCDE, o capital humano reúne “os conhecimentos, as qualificações, as competências e as características individuais que facilitam a criação do bem-estar pessoal, social e econômico”.”
Prosseguir a espiral para um futuro derradeiro a exaustão física e mental não é uma opção. Criar alternativas que o levem a uma vida social plena e de bem estar, sem se preocupar com a opinião pública também não é. Precisamos dos outros para se movimentar. Opinião pública é importante para consertar erros individuais e estar atento ao processo histórico que nos trouxe até aqui. Prosseguimos buscando uma saída da espiral, mas é claro, o suicídio não o é.
Somos atormentados todos os dias por uma saída fácil, mas com prejuízos físicos e mentais a outros. Somos e podemos ser, mesmo sem querer, o destino do outro à nossa frente. A relação das consequências são causais. Não há permanência no oculto que nos tira da possibilidade de sermos a causalidade de um suicídio coletivo. Tudo que fizermos, está associado a um contexto histórico que outros foram responsáveis.
Precisamos encontrar nossas respostas, sem o rigor de fazer tudo pelo ou por, mas com responsabilidade social de ser.
REFERÊNCIAS:
HANG, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª edição ampliada – Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. Tradução Mariana Echalar. – 1 ed. – São Paulo: Boitempo, 2019.
Este artigo foi escrito por Rafael Biancardini e publicado originalmente em Prensa.li.