A morte e os Imortais da ABL
Há dias que circula na mídia reportagens, artigos polêmicos e debates inflamados acerca da eleição da atriz Fernanda Montenegro e do cantor Gilberto Gil para a Academia Brasileira de Letras, a ABL. Giram em torno do assunto as mais variadas abordagens, umas necessárias, algumas polêmicas e outras nem tanto. Não vou entrar no mérito da questão, pois não pretendo repisar nem reprisar o que já foi dito e muito bem, por outros que trataram fartamente deste tema.
Quem quiser saber mais, consulte outras fontes. A internet está cheia disso atualmente.
O que me interessa hoje na Academia Brasileira de Letras é um aspecto curioso e quiçá, bizarro e intrigante, para não dizer arrepiante acerca da famigerada Casa de Machado de Assis como é conhecida a ABL. É que a atual polêmica das eleições me remeteu direta ou indiretamente à academia em si com suas muitas histórias curiosas e interessantes. E entre elas há os rumores de que há tempos que um espectro ronda por lá. Será?
A Casa de Machado de Assis completou cento e vinte e quatro primaveras este ano e, no calor das atuais discussões alguém, em certa ocasião, lembrou que Clarice Lispector considerava a Academia Brasileira de Letras um lugar agourento. Numa carta endereçada a Lygia Fagundes Telles ela disse que depois de eleito, bastaria um espirro para despertar murmúrios sobre morte iminente seguida de cadeira vazia disponível para a cobiça de novos pretendentes.
Clarice enxergava assombração na Casa de Machado de Assis, porém que a morte de um acadêmico suscite o desagradável tema da morte na ABL isto não é nenhuma novidade. É coisa que, aliás, vem de longe. Ora, o próprio Olavo Bilac, brilhante poeta carioca integrante sócio-fundador da casa fundada por Joaquim Nabuco e Machado de Assis, já evocava o tema fúnebre no famoso comentário que fez acerca da presumida imortalidade dos acadêmicos quando fora questionado sobre o título de imortal a ele conferido pela ABL, teria respondido ironicamente “que era imortal porque não tinha nem onde cair morto”.
Isto claro, dito com outro sentido n’outro contexto, apenas ironizando as péssimas condições financeiras dos acadêmicos daquela época quando a casa ainda não era tão rica como hoje. Não aludia aí a nenhum agouro de morte ou coisa parecida, porém uma fatalidade bem sugestiva sucederia anos depois a um outro destacado membro da casa, o genial escritor Euclides da Cunha.
Após o sucesso estrondoso do seu épico romance Os Sertões, ele foi eleito para a ABL em setembro de 1903, tomou posse em dezembro de 1906 e morreu em agosto de 1909, apenas três anos depois. Porém, o caso mais famoso de todos é o do notável escritor mineiro João Guimarães Rosa. O autor de Grande Sertão: Veredas foi eleito por unanimidade em 1963, mas adiou a posse por quatro anos, pois tinha receios particulares no tocante a sua posse. Finalmente ele tomou posse em 1967 e morreu na tarde do domingo seguinte, ou seja, apenas três dias depois de empossado na Academia Brasileira de Letras.
Rosa viveu apenas 72 horas depois da posse oficial. O mais curioso nisso tudo é que ele próprio no seu discurso de posse dissera num tom de despedida que: “ A gente morre é para provar que viveu.” Parecia saber o que estava prestes a acontecer. Mera coincidência? Concretização de um presságio supostamente vaticinado pelo eminente escritor? Premonição? Não sei. Só sei que o ocorrido na época impressionou e ainda impressiona a muita gente até hoje além de colaborar para fortalecer os tétricos rumores que supostamente rondam a ilustre Casa de Machado de Assis.
O caso tem matéria prima de sobra para as mentes imaginativas e criativas e já rendeu até um livro escrito por Jô Soares sobre este tema, o romance Assassinatos na Academia Brasileira de Letras, um clássico bestseller do gênero romance policial que trata de misteriosas mortes que ocorrem na ABL.
A despeito das polêmicas, especulações e os sensacionalismos suscitados em torno das mortes dos imortais da ABL, verdade é que assuntos fúnebres vem à tona sempre que falece um membro daquela casa e a disputa pela vaga deixada pelo “imortal” defunto renasce.
E por falar nisso, matérias publicadas há alguns anos revelavam que os acadêmicos morrem com descomunal frequência. Marcelo Bortoloti numa matéria para a revista ÉPOCA de 2017, intitulada: “O mausoléu da ABL tem poucas vagas – e a fila continua andando”, que demonstrava preocupação com a futura lotação dos jazigos dos imortais, informava que “os acadêmicos morrem aos borbotões”, numa grande proporção, algo em torno de três por ano.
E, aliás, um ano muito tenso para a ABL foi o ano de 2014, no qual morreram três acadêmicos em um único mês. Em julho de 2014 faleceram o poeta Ivan Junqueira no dia 03; depois João Ubaldo Ribeiro no dia 18 e o poeta e dramaturgo Ariano Suassuna no dia 23. Segundo Geraldo Holanda Cavalcanti, presidente da ABL à época, a morte de três acadêmicos em apenas vinte dias era algo inédito naquela casa.
Este ano teve quatros vagas disponíveis, duas delas abertas ainda o ano passado com a morte do diplomata Afonso Arinos de Mello Franco e de Murilo Melo Filho e as outras duas abertas este ano após a morte dos acadêmicos: o político Marco Maciel e o professor Alfredo Bosi.
Que as circunstâncias em torno da morte dos acadêmicos da ABL constituem matéria riquíssima e interessante com diferentes possibilidades de abordagens não há como negar. Algumas destas bem sedutoras, instigantes e envolventes; e outras com nuances subjetivas, supersticiosas ou relativizáveis, coisas para melhor se verificar com mais critério e bastante atenção, e sobretudo, coisas sobre as quais se debruçar com paixão.
Todavia ainda não cheguei a uma conclusão definitiva e esgotada sobre este tema nem sei com exatidão como se encontram todas essas questões hoje em dia, mas neste mar de incertezas e especulações só sei de uma coisa, que apesar da euforia que as ocasiões fúnebres geram nos atuais acadêmicos, ainda vivos; mesmo ante as perspectivas necrológicas já expostas, nenhum acadêmico vivo gosta de comentar sobre isso, prefere silenciar este assunto assaz desagradável mesmo para um verdadeiro imortal.
Este artigo foi escrito por Damião da Silva e publicado originalmente em Prensa.li.