Mudo – um filme sobre deficiência que ninguém comenta
O filme Mudo – que foi lançado em 2018 e está no catálogo da Netflix – é um filme para mentes que gostam de refletir e desafiar as tendencias do momento. Mas, para começar nossa reflexão poderíamos perguntar: por que esse tipo de filme – que também mostra a deficiência e questões das minorias – não são comentados? Será que é o modo que a deficiência é retratada?
Não contarei detalhes do filme – para quem não assistiu – mas, é um bom tema para discutimos várias questões que envolvem a deficiência e os vários preconceitos que se pode levar em conta o porquê o filme não foi comentado.
1- O filme e suas reflexões
O filme começa com um acidente – não muito explicado – mas mostra Leo garoto com um ferimento do pescoço (talvez, por causa das hélices do motor do barco), que feriu suas cordas vocais e ele não pode mais falar.
Porém, sua mãe e seu pai não deixaram operar por causa da sua religião – que Leo vai carregar por toda sua vida – que era contra esse tipo de tratamento e, por isso mesmo, ele não mais falou. No filme não mostra nem o momento do acidente e nem se Leo falava antes dele, mas, a religião não o deixou falar e como comunicação, a fala é bastante importante.
Na literatura psicanalítica – principalmente, a freudiana – a religião tem um papel castrador de criar seres humanos que não são eles mesmos. Talvez, a meu ver, esse primeiro momento do filme seja a castração das crianças e a questão de ser elas.
Ao longo do filme, Leo é uma pessoa castrada e que submete em ficar na sua porque o mundo é cruel, isso termina quando ele tem que lhe dar com o desaparecimento da sua namorada Naadiah. Ela o compreende e até dará um celular para ele como presente para se comunicarem, mas, sua religião (ao que parece, não permite tecnologia) não aceira essas coisas. Sempre, nesses filmes, há uma religião que não aceita os instrumentos avançados.
Com o desaparecimento de Naadiah, começa a jornada do herói em torno do desaparecimento da sua amada. Eros que procura sua Psique e nunca mais pode ficar com ela, ou podemos dizer, a questão da sua alma enquanto complemento daquilo que você é.
Naadiah entendia ele e ele gostava, defendia ela e até mesmo, foi mandado embora da boate onde trabalhavam por causa dela. A deficiência não o atrapalhou procurar sua amada – mesmo que muitos culpavam ele por causa do desaparecimento dela – pois, a jornada foi colaborada pelo médico (com tendencias pedófilas) que era amigo do médico desertor do Exército norte-americano. Queria “pregar uma peça”.
Como Dante, Leo vai ao inferno por causa da sua amada e teve que tomar decisões que foram decisivas para chegar até ela. No fundo – isso eu sempre escrevi nos meus outros textos – as pessoas com deficiência não podem ficar com suas amadas e ela se vai, porém, nesse interim, se ele foi operado pelo médico com tendencias pedófilas e volta a falar. Ainda, salva a filha da Naadiah.
2 – A perfeição
Uma reflexão que temos que fazer também no filme é a estética – dentro da história e na fotografia que tem a ver com a história – que contrasta entre o velho e o novo. Todo filme futurista tem um céu escuro – sempre a noite – como se o futuro seja sombrio, algo que sempre remete ao submundo das trevas, como o Hades dos gregos (que também era um deus).
Será que o nosso medo ancestral da noite onde haveria predadores? Psicanaliticamente sim, mas, existe um outro fator: o fator do mistério. Os filmes e quadrinhos do herói da DC, Batman, também tem o lado sombrio da noite, das catacumbas das cavernas onde sai o herói em torno do mistério de quem ele seja.
No filme, o começo é de dia em que há brincadeiras e há vida, na vida adulta de Leo, o céu está escuro e cheio de mistério. Ele tem que lhe dar com o preconceito, em um mundo entre a tecnologia (carros voadores e prédios altos) e o mundo antigo de uma religião que não aceita tecnologia (seriam pessoas tradicionais) e carros e objetos antigos.
Segundo o blog O Segredo – onde o artigo é assinado por Sandy Cunha – o ano que se passa o filme é 2056. Ou seja, um futuro não muito distante, onde ainda, a humanidade tem que lhe dar com a desigualdade social e guerras que deixaram a humanidade ainda mais marginalizada.
Podemos dizer que o filme retrata o poder – centralizado em uma nação controlado outras – e a linguagem e a tecnologia como formas eficientes de alienação, em que problemas humanos ainda estão em voga – como ex-marido matando a ex-mulher por causa da filha, Leo sendo chamado de “retardado” por um transexual que é usado como objeto etc. – mostrando que os governos não estavam preocupados em educar e sim, manter o poder a todo custo.
Nesse interim, Leo tem sua amada arrancada dele por causa do temperamento louco do seu ex-marido e a questão da posse da filha. Aliás, sua filha só fala no final.
É um filme para mentes que querem refletir sobre a deficiência e sobre ser um ser humano “diferente”. A ideia da perfeição segundo o critério social humano e o medo daquilo que, para cada um, não faz nenhum sentido aparente. A estética do filme é a estética do sentimento por trás de frustrações, de discriminação e de desigualdade, onde nos mostra um futuro que o ser humano não evolui em nada. A evolução tecnológica não fez a sociedade ser melhor.
O que podemos responder na pergunta inicial é que Mudo é um filme não comentado porque não retrata a deficiência com drama, por outro lado, não trata de minorias na forma de vítimas. Retrata seres humanos como seres humanos e não, agentes ideológicos para afirmarem suas teorias.
Segundo Ariano Suassuna (1927-2014), no seu livro Iniciação a Estética, o papel da arte é subverter e modificar a realidade enquanto forma de reflexão. Se tem que mudar a estética de algumas coisas, o escritor ou artista plástico, pode modificar e até colocar como forma assustadora para causar impacto dentro da ótica normativa das coisas.
Talvez, Mudo seja um filme que não desperte paixões porque não se teve uma afirmação social, não teve grandes comentários dentro da imprensa. A meu ver, Mudo é um filme para pessoas inteligentes.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.