Mulheres na Geladeira: um congelamento violento até na hora do parto
Tive a sensação de vislumbrar a dimensão do Mundo quando experimentei ver pelos teus olhos
Essa frase à cima é de uma mulher que foi queimada na fogueira, e não, ela não era bruxa. Ela é uma santa da Igreja Católica. Sim, essa frase é da Joana D’Arc.
Esse texto não é bonito e muito menos engraçado. Ele adveio de uma necessidade de expor os horrores cometidos na nossa sociedade. Por isso, indico somente sua leitura para maiores de 16 anos.
O termo “mulheres na geladeira” (Woman in Refrigerator ) refere-se a prática de matar, estuprar, mutilar, desempoderar, etc., uma personagem feminina, única e exclusivamente para motivar e colocar em andamento a história de um personagem masculino com quem ela se relaciona, esse é o conceito de Tita Antunes. E, infelizmente, é bem comum em histórias e quadrinhos, principalmente nas de super-heróis.
Abaixo um trecho da matéria da Tita Antunes
“O termo veio do mundo das HQs e refere-se à história do Lanterna Verde #54 (1994), escrita por Ron Marz. Na história, Kyle Rayner (o Lanterna pós Hal Jordan) volta para casa um belo dia e encontra a namorada, Alexandra Dewitt, morta e enfiada dentro da geladeira. Ele surta de dor e ódio, vai atrás do responsável, o Major Força, tortura e quase mata o cara. Claro que a morte da Alex tem todo um papel importante no desenvolvimento dele como super-herói…Por que né? De que outra maneira um personagem poderia se desenvolver, que não tendo a namorada brutalmente assassinada?”
Todos os créditos aos criadores de Lanterna Verde
Só que isso não fica somente nas telas ou na ficção. Essa ideia permeia o inconsciente coletivo, ao ponto de aumentar o nível de barbaridades cometidas, principalmente, contra mulheres.
Hoje, sim, hoje, dia 11 de Julho de 2022, um anestesista (médico) foi preso em flagrante por ter estuprado uma grávida- que estava tendo sua cesária feita naquele momento — ao colocar o seu órgão na boca da paciente, sedada.
O que era para ser um momento de felicidade, de dar à luz ao seu filho, de segurá-lo no braço, não foi somente uma violência médica obstétrica — a qual, infelizmente, se tornou comum, por meio da utilização de materiais não propícios para hora do parto — mas também foi uma violência sexual.
Imaginar que uma mulher, mãe, que está literalmente pondo seu filho no mundo, e que obviamente após a cirurgia necessita de descanso e de tempo de puerpério, nem se ela mesmo quiser realizar um ato sexual ela pode/deve, haja vista que passou por um parto - com o agravo de ter sido cesárea — ainda é utilizada como um “objeto". Penso que o pior de toda a situação, é que ela não pode segurar seu bebê nos braços. Passar 9 meses, ser estuprada no parto, e ainda não poder ver seu bebê.
O réu atuou em pelo menos 10 hospitais públicos e privados, tem 32 anos e se formou em 2017 pelo Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA), no Sul Fluminense, e concluiu a especialização em anestesia no início de abril. Questiono-me quantas outras não já foram vítimas dele.
Ainda sobre histórias em quadrinhos, o autor Wesley Nunes no texto "Por que o batman dá tão certo?! explica o motivo pelo qual o Batman faz tanto sucesso. As respostas são: personagem baseado no arquétipo da frustração, o homem situado em uma cidade comum — Gotham — e principalmente na essência dos personagens. Contudo, o Batman também é um exemplo de mulheres na geladeira. Em 1988, a DC lançou A Piada Mortal, do Alan Moore; a Graphic Novel que viria a se tornar o clássico dos clássicos, tida como uma das melhores histórias do Batman já publicadas.
Nela, a Batgirl fica paralítica, é estuprada, fotografada nua e sangrando e o Coringa usa as fotos para tentar enlouquecer o Comissário. O Batman aparece e resgata o Comissário.
Obviamente que o imaginário humano é baseado em alguma fagulha da realidade, ou seja, só conseguimos criar baseado em algo já real/físico. Dessa forma, o caso é ainda mais complexo: enquanto os quadrinhos, de certa forma, corroboram com a violência contra as mulheres, eles também são criados a partir da violência contra as mulheres, visto que, o artista somente relata o que está acontecedendo a sua volta.
Então, observe qual conteúdo que está consumindo, teça crítica sobre eles, e ensine aos seus filhos como se protegerem desse mundo, só assim, poderemos mudar, ao menos um pouco, esse show de horrores.
Este artigo foi escrito por Maria Renata Gois e publicado originalmente em Prensa.li.