Mulheres na tecnologia: iguais, mas ainda diferentes
Engenharia Eletrônica, naquela época, era a coisa mais parecida com tecnologia. Ainda muito rudimentar em comparação com a atualidade, mas ainda assim, tecnologia. Vivíamos em um país notadamente machista. Hoje, tudo mudou.
Mudou? Bem, nem tanto. Se embora tenhamos um número bem superior de garotas cursando faculdades de tecnologia (e a tal engenharia eletrônica sonhada pela minha tia), o número de mulheres neste mercado, em relação aos cargos ocupados por homens, ainda é irrisório.
Crescimento tímido, mas contínuo
Profissões tecnológicas ainda carregam o tremendo estigma cultural de ser coisa de menino. A boa notícia é que o panorama começa a mudar, menos lentamente do que se imagina.
Não são fontes da minha cabeça: segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), em pesquisa publicada no site Mercado em Consumo, em maio de 2022, a ocupação por mulheres em cargos em tecnologia cresceu 60% no país; Isso já se mostra na procura às vagas de emprego: em 2021, foram 12,7 mil candidatas, contra 10 mil em 2020.
Um levantamento da consultoria Catho mostra que a disparidade caiu, apesar de faltar um tanto para se falar em equidistância: em fevereiro deste ano, do total de empregos no setor, 23,6% já eram preenchidos por mulheres. Os homens ainda abocanham a melhor e maior parte: 76,4% das posições.
Abismo de gêneros
E por que disse a melhor parte? Bem, temos de levar em conta a diferença salarial entre os sexos. Infelizmente, as mulheres perdem de lavada. Se no geral, a diferença entre salários pagos a homens e mulheres gira em torno de 20% (em desfavor delas), em tecnologia o buraco é muito, mas muito mais embaixo.
Segundo pesquisa do IBGE, divulgada em abril deste ano, a função de desenvolvedor front-end mostra uma diferença abissal entre os gêneros: nada menos que 63, 2%. Fica mais incômodo se confrontarmos com outros dados da pesquisa Estatísticas de Gênero, do mesmo IBGE, divulgada em 2021: 29,75% das mulheres concluíram o curso superior, contra, pasmem, 21,5% dos homens.
Fica difícil.
Ainda assim, e contra toda a lógica, a perspectiva em território nacional é melhor que em âmbito mundial. No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia (Brasscom), temos essa média de 20% dos cargos preenchidos por mulheres, contra 16% da média latino-americana. O que não ajuda, é que as mulheres representam 50% da população brasileira, segundo o último Censo realizado.
Lá fora
Mas ficamos bem na fita, segundo uma pesquisa da consultoria KPMG, olhando lá para fora: no Reino Unido, onde tendemos a supor que as coisas sejam mais igualitárias, a presença feminina no setor não passa de pífios 4%. A média internacional ainda nos deixa em lugar confortável: apenas 11%.
Mas com toda honestidade, esses 30% para chegarmos numa equidade ainda parecem difíceis de transpor. As empresas no setor já têm o hábito de contratar mulheres, mas numa escala três vezes menor do que as contratações masculinas.
Resolvi ir ao cerne da questão para entender melhor. Assim como minha tia, muitas outras garotas que conheci tinham o sonho de mergulhar nesse mundo tecnológico. Nos tempos em que fiz colegial e faculdade (na era jurássica, lá no início dos anos 1990), conheci colegas que davam de dez a zero nos moleques quando o assunto era tecnologia. Entretanto, boa parte destas sequer arrumou emprego na área.
O velho machismo estrutural
Fui atrás da ONU Mulheres, um braço das Nações Unidas voltada para a igualdade de gênero e sobretudo o empoderamento. Por mais que esse neologismo me perturbe os olhos e ouvidos.
Um relatório feito pelo grupo, cruzando dados de 120 países, indica que nada menos que 74% das mulheres se interessam, sim, por ciência, tecnologia, matemática e engenharia, corroborando com minhas observações da adolescência.
No entanto, nem 30% cursaram alguma disciplina na área, e tampouco seguem carreira. Mas por quê isso, minha Nossa Senhora dos Bits Perdidos? A resposta está na conclusão deste relatório da ONU: “Essa “escolha” sofre muita influência do processo de socialização e das ideias estereotipadas sobre os papéis dos gêneros”. Em outras palavras, o mesmíssimo problema enfrentado por minha tia, nos idos de 1960 e pouco.
Ou seja, as coisas só não estão em melhores condições porque nossa sociedade continua machista, talvez não tão escancarada quanto lá atrás, mas perigosamente camuflada. É o chamado machismo estrutural, que por si só renderia uma reportagem. O preconceito está aí, e continua forte.
Sem comparação
Agora, um recado da Tia Clarissa para os garotos do RH, diretores de empresas, donos, CEOs e companhias: existem vantagens inequívocas em contratar mulheres para cargos de tecnologia, seja em funções intelectuais ou operacionais.
É de conhecimento popular que mulheres e homens enxergam e sentem o mundo ao redor de modo diferente. Mulheres notadamente têm um poder de concentração superior, muito mais foco no que realizam e, paradoxalmente, uma visão de conjunto muito mais veloz do que qualquer homem. Mas não me baseio somente em observação e conhecimento popular.
Segundo estudos feitos pela Universidade da Pensilvânia, as diferenças cerebrais começam a ser acentuadas a partir dos 14 anos de idade. Pesam aqui milhares de anos em nosso DNA. Lição de antropologia básica: homens = caçadores e coletores; mulheres = administradoras da casa (ou caverna) e responsáveis pelo bem estar do bando e das crias. Fechou? Mulheres sempre com a necessidade de ficar de olho em tudo ao mesmo tempo.
Os estudos da Universidade, publicados pela revista científica PNAS, "indicam que o cérebro masculino é estruturado para facilitar a conectividade entre a percepção e a ação coordenada, enquanto que o feminino facilita a comunicação entre o modo de processamento analítico e o intuitivo.”
Repararam bem nessas últimas palavras, garotos? Analítico e Intuitivo. Isso mesmo. Se querem precisão, raciocínio lógico, eficiência, produtividade, não percam tempo. Façam um favor às suas empresas e a si: contratem mulheres.
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.