A música como expressão cultural: uma reflexão
Você lembra da primeira música que ouviu?
Provavelmente não. A nossa geração nasceu nos tempos da indústria musical e somos expostos a melodias e letras desde a gestação. Muito diferente do que ocorria 100, 200 anos antes.
Uma pessoa nascida no século XVIII, dependendo da sua classe social e dos seus dotes musicais, poderia ouvir a sua música favorita apenas 2 ou 3 vezes ao longo da vida inteira.
Era necessário que alguém tivesse um instrumento musical, acesso a partituras e fosse educado para aprender música para que ela chegasse aos ouvidos da população. Por isso, era raro para a maioria das pessoas.
Diferente do que vemos nas séries de época, os bailes não eram tão frequentes assim e, quem tinha o apreço por esta arte, dedicava-se a aprender para poder desfrutar das melodias.
A raridade provocava o surgimento de talentos musicais.
Para nós, que acumulamos 30, 40, até 70 mil minutos de música ouvidos por ano, essa realidade parece muito distante e até impensável.
Afinal de contas, quantas vezes você já ouviu a sua música favorita ao longo deste mês?
Diante dessa realidade, não é difícil supor que o consumo assíduo desta forma de arte também provoque o aumento da produção de novas músicas.
Há alguns anos, os grandes sucessos marcavam uma geração, uma década, como a música Johnny B. Goode de Chuck Berry nos anos 50 e Hey Jude dos Beatles nos anos 60. E essas criações vão além, elas vivem até os dias atuais.
Muito diferente dos sucessos dos últimos 2 anos que, depois de uns 3 a 6 meses, já caem no esquecimento.
Analisando essas mudanças no consumo e na produção musical, é possível associá-las às mudanças na cultura e no comportamento da sociedade.
Antes, nos séculos XVIII e XIX, a música era uma arte para ser apreciada, com suas longas melodias, nos teatros e concertos. O público estava atento para ouvir e sentir o que cada nota musical trazia ao seu peito.
Um exemplo claro de como a melodia transmite sensações é ouvir As Quatro Estações de Vivaldi. Sem letra, a música é capaz de retratar cada estação do ano de uma maneira que coloca o público naquele frescor da primavera ou na melancolia do inverno.
A cultura daquele tempo prezava pela durabilidade das relações, pela rotina, pelo aprimoramento das virtudes. Possuíam poucas opções de leitura e de entretenimento e por isso se aprofundavam naquilo que tinham maior apreço.
A partir da chegada dos rádios e dos discos de vinil no século XX a música começou a estar mais presente na rotina das pessoas, que também se tornava mais atarefada devido às longas jornadas de trabalho.
Agora, você podia comprar o vinil e ter a música em casa sem aprender algum instrumento ou contar com reuniões dançantes. Acontecia a democratização da música.
Vendo esse potencial, a indústria musical começou a se desenvolver, lançando músicos, bandas e sendo responsável pela venda de discos e também pelo o que a grande maioria das pessoas ouviam nas suas casas.
Foto: Mick Haupt - Unsplash
Essa tendência permanece.
Atualmente, com uma rapidez que reflete a cultura do século XXI, do descarte, das relações efêmeras, das múltiplas opções de entretenimento e da busca pelo prazer a cada instante.
Com produções cada vez mais similares e feitas para vender, os verdadeiros talentos muitas vezes são abafados e não há mais o estímulo do aprendizado de instrumentos musicais. Como demonstra a falência da maior fábrica de guitarras do mundo, a Gibson.
Diante dessa situação, o que podemos esperar no futuro? Por quais transformações a música ainda irá passar? Melodias como as de Mozart e Beethoven ainda terão espaço neste mundo cada vez mais rápido e ligado ao prazer instantâneo?
Refletir sobre isso, nos recorda de uma das funções primordiais da música: a conexão com a realidade, com os sentimentos e com o nosso eu interior.
E, para finalizar este artigo, eu faço um convite: ouça 3 músicas de épocas diferentes: uma clássica, uma do século XX e uma lançada ainda neste ano. Enquanto ouvir, dedique-se apenas a isso e escreva quais sentimentos ou sensações cada uma das músicas despertou em você.
É um exercício que ajuda a se colocar em outros tempos, rotinas e culturas. Experimente!
Imagem capa - Marius Masalar - Unsplash
Este artigo foi escrito por Raquel Carolina Pedrotti e publicado originalmente em Prensa.li.